sexta-feira, 25 de setembro de 2015

A compaixão



Desde Nietszche a compaixão foi colocada no lado  escuro da lua como algo impossível,cínico e que atrapalha a felicidade.
Diante de qualquer sofrimento ,a compaixão é sempre falsa.Do outro lado as posturas opostas,geralmente de origem cristã(mas nem sempre) apostam no contrário.Como são Francisco de Assis para quem a fé se exerce integralmente e com coerência.

Buda que defende o anular-se para afirmar-se.E Freud que defende enlouquecer junto com o paciente para analisá-lo melhor.
Segundo Nietszche a compaixão é a maldição do cristianismo por impedir a potência do ser,o afirmar-se do ser.
É um projeto individual,por oposição ao coletivo,uma abstração vazia que também dilui a potência,como todas  as abstrações.
A vida  humana é acaso,o ser humano cria  mediações e  racionalizações  para aplacar  o horror desta constatação.Não há fundamento para evitar a  dor;não há explicação para o comportamento sádico do homem,mas é preciso construí-lo.Porquê?Porque  ninguém suporta  fundamentar a sua vida na sorte.De um modo ou de  outro existe uma explicação para a sua  situação e para a sua  superação(ou não).
Pode-se objetar que  a dor,que o cristianismo entende ser um paradigma,serve  de medida da bondade ou não do ser humano,mas isto não impede que  a humanidade descambe para a  violência e o sadismo.Também citamos já Kant pelo qual o mal radica  na humanidade,não adiantando construir no ser barreiras intransponíveis  entre o mal e  o bem ,como quer o cristianismo.
Afirma-se  que,segundo Piaget ,existe uma relação  entre  o desenvolvimento cultural quantitativo e  a  ordem moral:quanto mais experiente,maduro e  com compreensão da realidade,social e natural,o homem vai deixando de lado o seu “ primitivismo” e alcança,junto com o progresso material o progresso moral civilizatório.O fenômeno do nazismo pôs  por terra esta ilusão.
Atribuímos ao “ primitivo” o caráter destrutivo,como se  os primeiros povos  fossem crianças destrutivas ou mesmo animais,mas descobrimos ,através  da  filosofia  grega,particularmente Aristóteles,que o conhecimento não é  quantitativo,mas  o pensar sobre ele,o discernimento.Quanto mais  acumulamos mais perdemos,até,o verdadeiro conhecimento.
Então não há evolução,no sentido de  que buscar o bem e a bondade representam  uma medida segura disto.Nietszche parece ter demonstrado que ,em assim  sendo,toda mediação modelar explicativa,incluindo a  compaixão,que é um modelo axiológico mas também explicativo,só enfraquece esta verdade ,de  que não há senão este ser que se potencializa,dir-se-ia ,se vitaliza na  busca  permanente da sua potência.
Contudo,ainda que toda a idealização de evolução e progresso  não se prove,no nível individual,pode-se,sim identificar mudanças positivas,no plano coletivo,naquilo que chamamos humanidade.
Nietszche deplora este  conceito abstrato.Povo não existe,Homem não existe.Assim,digo eu,como fruta não existe,mas nós  desfrutamos de bananas e maçãs.É um erro de Nietszche confundir a  opção de  não se  importar   com a coletividade com a  realidade dela.Há indivíduos  que passam a  vida num caminho não influenciado por  grandes  mudanças,até opcionalmente e isto às vezes  contém uma legitimidade incontrastável,mas a experiência  coletiva inter-individual concreta é  inevitavelmente tocada pelos conceitos  ,mesmo aqueles  não escolhidos por este individuo,como é  impossível para um ateu não ser tocado,em sua  vida,por muitas experiências e conceitos  emanados do cristianismo.O comportamento especifico em relação ao pudor do corpo por exemplo e ...a  compaixão.Mesmo que  alguém aja  indiferentemente ao sofrimento em geral esta atitude não é neutra e  implica em responsabilidade.
A compaixão,como outras mediações  é um traço possível de união entre a  consciência humana e os  diversos elementos constitutivos  desta mesma existência,especialmente o corpo,a  célula que une todas as relações possíveis,o lugar da passagem entre o conceito e  a experiência,que são apenas modos da experiência.
Ainda  que a escolha seja por uma perspectiva totalmente fora  deste contato,algo é  tocado.
No caso especifico da compaixão é possível que para o sádico o sofrimento nada signifique,como aconteceu com todos ,em volta de Cristo,de  Pôncio Pilatos até aos soldados,que não revelaram culpa(exceto na versão do manto sagrado),mas esta unicidade desta referida experiência nos  coloca o problema  de  que em  algum momento  o desejo de  preservação obrigue este indiferente a buscá-la nela,como teria  sido o caso de um soldado romano que por alguma injustiça tivesse  sido colocado na cruz.Manteria ele a indiferença?
Por isso  digo que embora  a intenção  de Niestzche  fosse  vitalizar,potenciar o ser,na rejeição do moralismo,ele  caiu no não reconhecimento desta experiência  que toca a  todos,como moral, ética e  outras virtudes.É o mesmo paradigma do eremita,que se  pensa isolado  mas só o é porque nasceu e  viveu na sociedade.
Se nascer e viver em sociedade não obriga  a  aceitação da  “consciência de rebanho”,o oposto,gera um individualismo,que bem pode  ser manipulado pelos fascismos  da vida,e  Nietszche  é um precursor  indireto e, contra  ele ,disto.