Série:Filosofia.
Kant e Nietszche
de novo:
Por mais que Nietzsche queira
se distanciar de toda a
metafísica,de todo o modelo metafísico que se impõe,a leitura que ele faz de Kant é de modo a ressaltar o seu projeto(de Kant)de
recuperar a Metafísica.Nietzsche o acusa
de estéril,como toda a metafísica,mas a
liberação do Sujeito e da
linguagem do objeto,como decorrência do pensamento de Kant é essencial para a atividade ,inclusive
na linguagem,extremamente radical de Nietszche.Este último jamais poderia
construir um tipo de linguagem não explicativa,muito característica dos seus
livros,a famosa “ prosa dançarina”,se não fosse a
revolução copernicana em filosofia
operada por Kant.
No livro do “ Filósofo” ,de Nietszche ,ele faz reflexões
sobre o porquê desta atitude quanto à sua linguagem mais narrativa do que explicativa,mais afeita ao mito do que à ciência,mostrando aquilo que é lógico em todo
o seu intento filosófico.
O modo de explanação de
Nietsche tem a ver com a narrativa picaresca,a novela espanhola do século XVI,com Dom Quixote,mas
eu diria que o relato de aventuras,de
biografias antigas,que vem desde a Idade Média até ao nascimento do romance
moderno,serve de base à linguagem de
Nietzsche.
Aqueles que lêem ,por exemplo,os “ Fioretti” de São Francisco de Assis(as “
Florezinhas”),vê no inicio dos capítulos:”De como São Francisco foi à floresta e recebeu os estigmas de Deus” ou”De
como ficou nu diante da Igreja de Assis”.
Para Nietzsche esta é a base de uma narrativa que ,antes de explicar
algo ou uma pessoa,segue-lhe os passos próprios,originais,sem referência a
outra coisa que a ela mesmo.Não
poderia ser diferente.A perspectiva
determina a linguagem narrativa, não o
debruçar-se sobre o objeto.
Valorizar as narrativas significa por abaixo toda
objetalização,toda modelação de fora
para dentro ,que toda a metafísica(e a
ciência ,que é o seu deus)opera.
Esta é uma tendência
do final do século XIX,dir-se-ia(contra Nietzsche)humanizadora,das ciências
sociais e que encontrou no século
XX,na antropologia em geral,eco,na
medida em que,em vez da explicação científica,temos
a narrativa de costumes e ações,como
forma de não só mostrar uma realidade
social,as causas dos seus problemas,mas o seu sentido,ou possibilidade de sentido.
Esta narrativa expressa aquele que tem o sentido real da vida,gratuita,sem uma preocupação com o
sofrimento.Nós voltamos aqui ao tema do nosso artigo:o sofrimento de cristo e
a indiferença do ser humano gera uma culpa,a qual deve ser a base do compassivo,que deve sofrer para purgar esta culpa e ganhar a redenção numa salvação
sempiterna.Em vez de um caráter nobre
que coma sua narrativa vive a
vida,temos alguém que só vive no meio d e outros,porque associado á
compaixão geral como exigência moral
de conduta.
Não vou tratar aqui do ideal ascético,mas a questão toda é que a compaixão gera,cimenta o ressentimento,como
projeto de vida.Criou-se a partir do
cristianismo(que tem uma origem em Platão)uma ética do fraco,que é aquele que
não consegue viver sem esta
justificação(o sofrimento)e sem
atribuir ao caráter nobre a
culpa deste esquecimento.
Este nobre recusa o
conselho de São Paulo aos coríntios em
que este os acusa de viverem a vida sem se lembrar do sofrimento de Cristo na
cruz.É o famoso “ comamos e bebamos que amanhã morreremos”.
Contudo sempre me foi
impossível de aceitar as relações entre Nietzsche e Marx neste aspecto.
Niestzche e Marx
Na década de sessenta do século XX surgiu,no mundo todo uma relação que eu considero esdrúxula entre
este pensamento e Marx.Este último nunca
abandonou as suas afirmações sobre
o caráter compensatório da religião que expôs na Filosofia do Direito.O que ele mudou(talvez)tenha
sido uma visão mais leniente que ele
tinha quando jovem.Na maturidade colocou claramente ,como condição da
libertação(coletiva) da humanidade,a
supressão da religião,mas não há
prova de que tenha defendido matanças ou agressão,antes pelo
contrário,afirmando o papel decisivo da educação.
E mais do que isto,se o ideal de liberdade não é
individual,não há porque no processo de consciência(coletiva) desta necessidade
não se incluir (na abnegação
revolucionária pelo outro)um elemento de
compaixão ou reconhecimento do
sofrimento como legitimador da revolta.
O que não se pode extrair de Marx é
o sofrimento como finalidade.E também não há como associar a figura do
revolucionário a este nobre acima dos outros,de Nietzsche.
De tudo o que eu disse fica claro que a
autenticidade da vida não se pode fundar no caráter “nobre” daquele que vive sem
pensar no sofrimento.E é legítimo abrir mão de paixões alegres em nome desta compaixão ,que funda
todo o solidarismo.Logo ,com culpa ou sem culpa,diante da cruz , a existência
autêntica se mobiliza também.Não há como
não se associar Nietszche aos descalabros terríveis que aconteceram no
seu país tempos depois.
Porque por mais acima deste sofrimento mundano,o caráter nobre
é tocado pela experiência do passado e
do presente e quando a nega comete
crimes.