quinta-feira, 26 de maio de 2016

Meu encontro com Marx e Freud V



Freud e o Papa
O Papa na semana retrasada criticou aqueles que não ajudam os pobres mas dão regalias a animais.Quem leu o “ Grande Sertão:Veredas” de Guimarães Rosa vai se lembrar de uma passagem em que dois grupos de jagunços lutando entre si começam a chorar quando cada um dos lados mata os cavalos usados por eles respectivamente.
A visão humanista tem destes moralismos.Já no exílio em Londres Freud ,numa carta,disse que gostava muito de escrever tendo como companhia um gatinho dormindo perto dele e que o animal era melhor do que uma criança,que poderia chorar ou brincar e atrapalhá-lo.
Muita gente(o Papa) se escandalizaria com este tipo de observação mas eu pergunto aos leitores:alguém viu um gato ou cavalo torturar?Matar por prazer?Trair?Realizar massacres sem nenhum remorso?





Pouca gente também leu a última parte das “ Viagens de Gulliver” do autor ulltramoderno,Jonathan Swift,intitulada,como se vê acima,” Viagem ao país dos Houyhnhnms.
Os Houyhnhnms são nada mais nada menos do que ... cavalos inteligentes!Eles recebem Gulliver com doçura,mas depois também com doçura o convidam a sair do seu país,ao perceber as tendências destrutivas deste exemplar da humanidade.
Tudo isto enseja novamente observações sobre a crítica do moralismo e do idealismo que Freud faz em seu ultimo livro “ O Mal-Estar na Cultura”.
Encarar o homem como um ser adequado,destinado à perfeição é algo que a psicanálise provou ser impossível de sustentar e construir.Se,seguindo o mito de Dédalo e Ícaro,o homem deve buscar um ideal ,ele deve saber,como Dédalo,que ele é só um orientador possível das ações humanas.
Quer dizer nós todos queremos a utopia segundo o qual todos comem,todos se gostam e todos se ajudam.É possível construir uma tendência em direção a isto ,mas não é possível exigir que todos entrem neste esquema ideal,porque é impossível que a realidade complexa humana se adéqüe de maneira absoluta a ele.
Este tipo de raciocínio de Freud foi já uma crítica aos comunistas e socialistas de sua época,que achavam que através de seu modelo político fosse viável esta adequação e Freud levantou  a idéia de que a educação poderia ajudar,mas os modelos ideais,como o da política ,não.
No caso das relações com os animais os mesmos não são senão seres inocentes  e a culpa que lhes é atribuída eventualmente,ou melhor,não raro,são projeções da humanidade com objetivos específicos criados por ela própria.A natureza não está pré-dada como o movimento em geral e a humanidade em geral.Por isso a relação de adequação,não neurótica se faz,porque a sua queda é a queda no inconsciente,naquilo que o ser humano vivencia sem culpa ,” apenas” no plano emocional.
Quando o homem se relaciona com a natureza e com o animal ele o faz com a utopia,a utopia de tempo,porque está no tempo,e  a natureza também,embora não consciente disto.
A relação com o animal é  a  antineurose , anti culpa,o antipapa,o anti moralismo/idealismo.
Voltarei ao tema.


terça-feira, 10 de maio de 2016

Meu encontro com Marx e Freud IV


A primeira coisa que se pergunta quando se fala em Freud(e em Marx também)é para quê eles(ainda)servem.Faz algum sentido desenvolver idéias provenientes destes pensadores?Ora,quando se vê que há uma “ resignificação do materialismo histórico” ,a meu ver,bastante válida,o mesmo se pode fazer em relação a Freud,mas no caso dele,não é uma resignificação :uma recolocação em bases mais limitadas.
Freud é um dos tantos pensadores que ,depois de Galileu,intentaram construir novas e definitivas ciências.Em suas alocuções ,inclusive gravadas, Freud se refere ao fato de ter tido ,na vida ,“ este pedacinho de sorte(palavras dele)”que é  ter descoberto a ciência da psicologia.
Assim outros ,ao longo dos séculos,se proclamaram inventores de novas ciências definitivas:o citado Marx,Mendel,Lombroso,Comte e muitos outros.
Grande parte da dissensão havida entre Jung e Freud,que chamou o primeiro até de anti-semita,é por causa da constatação de que isto não era verdade e era um reflexo do positivismo do século XIX.
Em 1910,quando se encontraram(e conversaram direto 13 horas seguidas),Freud estava no auge da liderança do seu movimento psicanalítico.Inteligentemente ,ele procurou se cercar de seguidores que concordando com ele o ajudariam a suportar as criticas que viriam aos montes,nos anos seguintes.Mas ,de forma arrogante e inconsciente(talvez?),queria garantir o status supradito de sua “ descoberta”.
Jung mostrou-lhe que era possível desenvolver novas idéias sobre psicologia,profundamente divergentes do pensamento do mestre,o que abalou Freud profundamente.
Isto,no entanto,era o começo da recolocação epistemológica de Freud.Se Marx era um teórico que elaborou um método(talvez?),social,Freud calcou o seu trabalho e o seu método nas neuroses,na inadequação essencial,que deve ser reconhecida,de toda a subjetividade humana.
Percebe-se ,ao longo de sua obra,aplicações em outras patologias,mas o resultado não é o mesmo.Disso tratarei proximamente.
O que fica claro é que o método psicanalítico modificou profundamente a concepção do homem sobre si  mesmo e neste aspecto ajudou a acabar com a ocorrência comum na época vitoriana,da pior das neuroses, a histeria.Por causa disto há uma tendência a afirmar a superação de Freud,porque não haveria mais neurose a curar e então a psicanálise teria se transformado num teatro egocêntrico,mutuamente complacente entre o paciente e o analista.
A psicanálise serviria apenas para escritores ,artistas e criadores em geral com problemas específicos.
Mas aí eu pergunto:estas atividades não adquiriram um papel terapêutico,principalmente com Jung?E dentro deste papel terapêutico a compreensão da neurose,por aquele que faz arte e por aquele que a aprecia,não ajuda,de certo modo,numa adequação essencial do sujeito neurótico?Isto sem deixar de considerar que a neurose é parte do patrimônio subjetivo do homem em seu processo de crescimento,sendo o reconhecimento da frustração(a negativa da adequação[dialética?])como algo fundamental para este crescimento.
Acaso a inadequação acabou porque Freud a desvelou?Para mim a resposta é não e o seu pensamento ,dentro destes limites e com outros recursos(arte)pode ajudar o sujeito neurótico a se  adequar(crescer).
O problema é que a psicanálise exige do potencial paciente uma  preparação,inclusive cultural,para aproveitar os benefícios da análise.Notem que eu não me referi ao fato de só pessoas de cultura podem fazer a psicanálise,mas aqueles que em determinados níveis de cultura compreendem os seus problemas de inadequação(frustração).
Hoje ninguém identifica a cultura com a civilização e isto se deve em grande parte ao próprio Freud,em seu último livro “ O mal estar na Cultura”,que foi traduzido errado  inicialmente , refletindo preconceitos antigos,como “ mal  estar na civilização”.A sociedade primitiva.não civilizada não teria condições de chegar ao conhecimento.
O homem de cultura pode ser o professor universitário tanto como babalorixá de um candomblé.
Através da cultura há como identificar a neurose  e eventualmente tomar a  decisão de buscar o método para “ curá-la”.
No cotidiano opressivo,marcado pelo objetivo da sobrevivência(e não da vivência),é difícil ,senão impossível,preparar-se para um autodescoberta.

sábado, 7 de maio de 2016

Meu encontro com Marx e Freud I



A  primeira   grande impressão   que tive  ao  ler Freud  e Marx(nesta ordem)me vem  agora à lembrança,em função  da concepção  que tenho   da  dicotomia  igualdade/desigualdade.Durante muito  tempo  acreditei  no misticismo igualitário  de  Rousseau,Lênin e Stálin,mas relendo com mais atenção um dos últimos  e importantíssimos livros de Marx,”Crítica  ao Programa de Gotha”,percebi  o quanto Marx e Freud estavam longe  deste misticismo igualitário.
Certa ocasião,já tendo doze ou treze anos,Freud demonstrou as qualidades  de superdotado.Lia  livros em profusão,aprendia muitas línguas  e  lia livros  nestas  línguas e começava  a escrever muito  bem,com profundidade(embora sem  profissionalidade).
Incomodado  com o  barulho das irmãs ao  piano,reclamou com  elas  ,que começaram a caçoar dele chamando-o  de mimado  e  privilegiado.
Na mesa de  jantar,as irmãs  levaram  ao pai esta  queixa.Achavam  que o irmão estava  se tornando esnobe  e querendo privilégios.
Ao que o pai respondeu  e sentenciou:seu irmão  está desenvolvendo muitas qualidades.Ele precisa de paz para estudar.Coloquem os pianos  em outro lugar,para não  atrapalhá-lo.
Na vida  social    ocorre mais ou menos  assim.Apesar  das barreiras  econômicas criarem injustiças,por natureza,os homens não são iguais.
A   visão  de Lênin  e Stálin  e  dos comunistas do século  XX foi  sempre mais  calcada em desconhecimento do real pensamento de Marx do que na  compreensão dele.
Marx,desde  a  “Ideologia  Alemã” até ao livro citado,preconizava  o comunismo como  aquele sistema que,sem  desconhecer esta desigualdade natural,permitiria  que esta se desenvolvesse plenamente para todos,sem peias  econômicas.
O que causava  a desigualdade econômica  era a escassez.Desenvolvendo  à estratosfera a capacidade produtiva da humanidade,liberta da exploração capitalista,não haveria  porque  administrar esta escassez e os homens despreocupados com uma  produção  imediatista,para o dia seguinte,  teriam tempo  livre   para  pescar,namorar,estudar e não  ...fazer  nada.
Freud ,em  seu último  livro “O mal-estar  na  civilização”,faz algumas observações sobre o otimismo  comunista  de sua época(Stálin antes  do XX Congresso),afirmando que  a  liberdade  humana  só seria  alcançada  com muito esforço e educação,porque  o  homem  era um ser inadequado e não era plausível  encontrar  na igualdade uma resposta para este mal-estar.
Mas  Freud não conhecia senão  esta visão distorcida do pensamento de  Marx ,que  é mais afeito  à Locke do que  a Rousseau.Igualar desiguais é uma atitude totalitária e manipulatória,de um  poder político estatal,que nada tem  a ver com  o comunismo,cuja  fórmula clássica  é  “de cada  um segundo  a  sua capacidade,a  cada  um segundo a sua necessidade”.
Nunca ,no comunismo clássico,estão questão foi esquecida.A condição para a produção humana é  respeitar as diferenças.Igualar,como fez Stalin,na  coletivização   forçada,não  é senão um regresso,um regime  de  opressão e  não de liberdade.É na verdade oprimir as qualidades das pessoas e não aproveitá-las(já pensou  se  fosse Freud  russo?).
A sensatez do pai  de Freud,com  a simplicidade dos justos,nunca  chegou  ao pensamento da liderança totalitária “comunista” do século XX.
Freud ao lado de sua mãe
 

domingo, 1 de maio de 2016

Meu encontro com Marx e Freud III



Nos idos dos anos oitenta ,quando o Flamengo vivia a sua fase de ouro,num sábado tranqüilo ,de calor e de espera de uma decisão de campeonato,no domingo,uma reportagem na casa do ídolo Zico me chamou a atenção ,que me causou uma impressão até hoje presa em minha memória.
Num dado momento foram entrevistar o pai de Zico,o velho Antunes,sobre a fase extraordinária de Zico,no Flamengo e na vida,coroando a sua carreira pessoal de jogador.Ao responder a esta pergunta o velho Antunes disse que,naturalmente,ficava feliz por seu filho,mas que achava que entre os seus filhos o que melhor jogava era o primogênito ,de mesmo nome,Antunes,que ,segundo ele,” ensinara todos a jogar”.Todos ele se referia ao próprio Antunes e a  Edu,que são irmãos jogadores de Zico.
Quando contaram a Zico,no dia,esta resposta,ele disse ,em forma de blague,que o pai não entendia de futebol e eu,diante da televisão,não entendi esta “ pixotada” futebolística e no dia seguinte até pensei em uma certa arrogância,porque dizer que Antunes era melhor que Zico representava aumentar de mais a ambos os irmãos e a família.
Mas a vida foi mostrando que a situação era outra.O velho Antunes o fez com o intuito de não deixar os seus outros filhos na sombra de um deles,que tinha sucesso.Quando Edu,na década de sessenta,era o mais bem sucedido,ele valorizava Zico e assim por diante.
O velho Antunes demonstrou uma sabedoria prática,que muita gente com PHD não tem,provando que a vida é um livro,no qual se lê  e se aprende.E levando em conta que o discernimento é o conhecimento verdadeiro,não a quantidade de conhecimento,o saber do Sr. Antunes é tão legitimo ou válido quanto o produzido nas universidades.
Eu uso este exemplo para comparar com o primeiro artigo do tema referente a Freud ,no qual eu tratei da desigualdade e narrei um episódio conhecido da vida do criador da psicanálise.Rememorando:Freud mostrou,desde pequeno,superdotação intelectual e acumulou em casa ,muitos livros.Numa pequena escrivaninha começou a escrever e incomodado com o piano das irmãs brigou e pediu ajuda ao pai,Jacob,para que as impedisse de atrapalhá-lo.As irmãs se  sentiram desprestigiadas pela decisão do pai que mudou os pianos e exigiu que elas considerassem e respeitassem as novas necessidades do menino precoce de nove anos,como é representado na fotografia acima.
Em outras famílias haveria uma provável repressão ao menino,alguma acusação de pretensão,porque o valor médio dominante é igualar todo mundo na mediação da “ humildade”,que é a condição supostamente universal da condição de progresso em qualquer área.
De repente se o Sr. Jacob pensasse assim o desenvolvimento de Freud,que,como em todo intelectual,se inicia nesta idade,sofresse irreparáveis prejuízos.
Os homens  nascem desiguais,como acertadamente afirmou Locke.Na História  é necessário,muitas vezes,controlar o ímpeto criativo porque ele põe em risco autoridades .Num contexto de miséria,inclusive espiritual,mas igualmente material,o aparecimento daquele que se destaca gera ressentimentos nos outros,que não querem ser superados,como as irmãs de Freud.Sobrevêem formas ideológicas ou mesmo físicas(castigos)de repressão sobre esta figura que se distingue.
A família é um complicador porque ela existe para educar pessoas no inicio de sua existência e portanto destituídas ,em principio,  de uma vivência e dependentes de uma autoridade,a qual pode ter vivência ou não,pode ser  democrática  ou  repressiva.
Freud teve uma imensa sorte de ter um pai que entendeu a verdade dos fatos:há que respeitar ,desde sempre ,a desigualdade natural dos homens e explicar isto aos filhos de modo que eles não se ressintam.
Isto é muito difícil de evitar se houver efetivamente um privilegiamento de um filho .Não importa que a criança se adéqüe à realidade,que tenha consciência de suas diferenças,mesmo porquê é difícil também explicar isto a um ser sem vivência quando ele entende que a sua atividade é inferior(no entender dele e da sociedade)a do outro.De um jeito ou de outro é preciso que os filhos sejam igualados por cima ou por baixo.
Por cima quer dizer:todos eles devem ser instados a acreditar em suas atividades,como no exemplo do velho Antunes.No caso de Freud,o velho Jacob parece ter resolvido tudo mantendo Freud  no seu canto e as filhas em outro e os incentivando do mesmo jeito.
Por baixo quer dizer,numa família despojada ,em que não há o desejo de realizações intelectuais,todos são incentivados igualmente a fazer as suas escolhas e realizar.
O trabalho intelectual ,como aquele que tem um reconhecimento social maior, geralmente causa ressentimento nos outros e isto se reflete e se reproduz na família e não se trata de se aferrar num principio igualitário ou desigualitário,mas de respeitar as escolhas de cada  um dos entes da família,criando oportunidades,incentivando e evitando esta falsa manipulação social,que desconsidera uma atividade,em relação a outra qualquer.
Sou fã de Jacob e do velho Antunes,pois eles são grandemente responsáveis pelo sucesso dos filhos.