quarta-feira, 28 de setembro de 2016

O encontro(petição de principio)

Meu encontro com Marx e Freud VIII




Existe um encontro possível entre estes dois pensadores na medida em que o valor das idéias está na mediação  da materialidade,as idéias não se opõem à matéria,elas o são também.Este encontro poderia não ser aceito provavelmente por ambos os pensadores,mas é o que se diz: o que se escreve ,o que se produz ,não pertence,a não ser em termos jurídicos de direitos autorais,aos criadores.Como disse certa vez Chico Buarque “a música que você faz e lança é como um filho jogado no mundo,que você não sabe o que ele vai fazer ou o que vão fazer com ele”.
Deixando de lado o absurdo que é  ter uma atitude dogmática com relação ao que quer que seja,isto é,deixando para trás a idéia tomista e que só é repetir as verdades que alguém disse,todo o texto é suscetível de interpretação,de hermenêutica.Estas não podem torcer aquilo que o autor disse,mas também não devem sentir medo quanto às possibilidades que este mesmo texto apresenta,apesar do esquecimento,do vácuo,deixado pelo autor,mesmo porquê,certas idéias,como a do comunismo e da interpretação dos sonhos,não são originais destes respectivos autores(como nada é),mas parte de um processo de pesquisa trans-histórico,que eles,não raro,modificaram de modo radical.
Então ressalvado o pressuposto de dizer aquilo que é do autor separando daquilo de quem não é, quem se debruça sobre os temas propostos tem o direito de realizar uma atualização,uma interpretação meramente sugerida pelos textos e reformular até a relação texto/contexto em que as obras são realizadas.
Eu já fiz esta petição de princípio quanto a Shakespeare.Não há mais teatro pedagógico do que em Rei Lear,mais do que em tudo o que foi feito por Brecht e Piscator.Talvez nenhum destes autores concordasse comigo,mas o meu pensamento tem fundamento e eu tenho o direito ético de fazer esta interpretação,contra eles,não havendo nenhuma mediação de autoridade,a não ser a busca legítima e bem fundada do conhecimento,porque o conhecimento nos toca e o homem comum,dotado da simples razão de Kant, pode e deve, a partir deste toque, opinar e elaborar,tendo tempo e condição intelectual.
Assim sendo ,para mim ,Marx e Freud são complementares e divergentes ao mesmo tempo e  pode-se  e deve-se tirar deles proveitos de ambas as situações,se renegarmos,com a coragem que os fundamentos acima nos dão,a visão do papel das idéias que Marx(e Engels e Lênin)tinha-(m).
A partir daí nós podemos e devemos analisar a subjetividade ,autônoma,dentro,também,de um critério materialista.Se é que Freud era idealista...


sexta-feira, 16 de setembro de 2016

São Paulo e a memória



Gosto sempre de associar,como todos sabem,as minhas reflexões  com filmes,porque isto facilita o meu trabalho de exposição e também, creio ,para quem lê este trabalho fica facilitado e até há uma indução para procurar o filme,sob outros olhos críticos ,induzidos pelo artigo.
Este filme é Inteligência Artificial de Spielberg,principalmente naquela parte em que os ciborgs ou andróides são destruídos num espetáculo para gáudio da platéia estritamente “ humana”.As razões pelas quais eles devem ser destruídos remetem um pouco às necessidades do capitalismo,porque tirariam empregos dos humanos,etc.,etc.(Um outro filme interessante é Blade Runner”).
Mas a cada personagem expressa-se uma verdade que está no cristianismo e que é seu princípio universal:a dor(que está no cristo[na cruz]).A maioria dos andróides não se importa com a dissolução porque não sente dor;somente um pede que os “ seus centros de dor sejam desligados” antes dele ser “ morto”(eles são queimados como brinquedinhos de plástico).
Tem uma doce empregada doméstica,ou melhor,uma babá,  que pede emprego ao personagem principal do filme,David, e morre sorrindo para ele,mesmo depois de sua resposta negativa.
Enfim o personagem ou mediação decisivos neste momento essencial do filme é,como eu disse,a  dor e seus derivativos,sofrimento,trauma,baixa autoestima,as paixões tristes para lembrar Espinoza.Ou excludência,que leva à inconsciência destes ciborgs que talvez quisessem ficar mais tempo usufruindo das suas habilitações.(há um prazer nas habilitações[nas virtudes])
Isto tudo para demonstrar o quanto o que relaciona  São Paulo  à morte de Cristo  (na cruz) e a sua necessária ressurreição estão interligados.
O homem ,como diz Pascal,não é fechado em si mesmo(imanente),tendo o outro dentro de si e esta passagem(de busca[e retorno] é a vida humana.
Mesmo para o ateu a narrativa da morte na cruz está dentro desta natureza inarredável da experiência humana.Porque ele então renega?Porque objetivamente não crê em Deus,mas a busca infrutífera de sua existência não é diferente das outras buscas necessárias e inarredáveis.Pode o ateu se negar a  fazê-la ,como um seu direito,mas num aspecto ressaltado por são Paulo, a memória(do sofrimento[de Cristo na Cruz])ele toca a problemática(do sofrimento[dos ciborgs]{de todos}).
Na arte,na metáfora do filme,admite-se o desinteresse,a  banalização das imagens,mas na vida e no seu compromisso não.
É neste momento que a memória é um elemento de per-si decisivo,descoberto na narrativa do outro(Cristo na cruz[universal]),por São Paulo.Se víssemos uma pessoa comum  sendo morta a faina da vida nos faria esquecer o fato  em grande parte,mesmo que ficasse algo da piedade ou da revolta diante da situação.Mas o sofrimento de Cristo não.E isto só é possível pelo que diz São Paulo aos coríntios:” Se cristo não ressuscitasse vã seria a nossa fé”.
Como ateu que sou não me atenho aos aspectos teológicos,mas ao fato de que  a ressurreição é uma esperança que impõe a memória do sofrimento,como algo sagrado.Um ateu pode não acreditar na ressurreição ,mas não pode desdenhar a esperança,porque nem ele pode cultuar o nada,que é a morte sem “ depois”(ressurreição);nem ele é indiferente a uma eternidade vazia.Ninguém pode amara o nada.
São Paulo notou que a vitória da morte não é algo de indiferente para qualquer homem e não o fez com o cinismo de quem quer ajuntar pessoas em torno de um propósito político-religioso.
Não haveria como dar distinção a esta morte especifica sem veracidade pessoal,diante daqueles que diante da morte “ comiam e bebiam”,numa das possíveis atitudes face à sua “ vitória”.
Mas porque esta memória distinta é tão inarredável?É porque por ela toda a possibilidade de comunicação humana se faz possível,incluindo o crente e o não crente.
Eu não vou amenizar as exigências de crença de São Paulo porque o meu interesse aqui é mostrar como a ressurreição(passado/futuro)e a esperança(futuro) são a mesma coisa.
Anda que a narrativa passada de Cristo seja desdenhada a memória do fato ficou,não como narrativa,mas como verdade no sofrimento:a memória é a do sofrimento.Que pode ser de qualquer um ,mas desta vez com um propósito  propósito.
O ateu Guevara morreu na Bolívia  como Cristo na cruz e ele não se dirigiu só ao crente(comunista).
A distância do passado,ou banalização,ou indiferentismo não só funda o explorador como o psicopata.Um mínimo de sofrimento compassivo com alguém na rua nos separa do inferno,da psicopatia e a psicologia já provou isto.
Ainda que não tenhamos como ir pelo mundo tirando as pessoas da cruz e curando as feridas,a esperança de fazê-lo nos torna humanos,auto-susbsistentes enquanto memória (de Cristo  na cruz[ou do sofrimento]).Então  Nietszche está errado ao dizer que a compaixão nos fecha,ela nos abre.