quinta-feira, 10 de abril de 2025

O fantasma do pai de Hamlet II

 

Eu já falei muito sobre o caráter republicano de Shakespeare.E da maioria dos mestres renascentistas.Fica evidente nos elogios que ele faz a Brutus,encobrindo suas preferências na questão da inveja.

Brutus foi o único que matou César,seu pai,por convicção e não por inveja.Não pelo poder,mas pelo principio politico.

Em toda esta questão dos fantasmas nas peças de Shakespeare me parece existir uma danação das monarquias  e um favorecimento das repúblicas,como regime legitimo,cujo fundamento é legitimo.

O que faz o fantasma do pai de Hamlet senão lembrar a seu filho da legitimidade dele face ao seu cunhado,que tomou o trono e a sua esposa?

É certo que a legitimidade aqui é monárquica e a ilegitimidade é a força,é a pura ambição,que já tinha “danado” Macbeth.

No entanto,em toda a obra de Shakespeare se relaciona a monarquia com estes atos ignominiosos de tomada do poder,porque o poder está na mão de famílias,de pessoas e não de grupos que são responsáveis pelo estado.

No passado a noção de republica era menos relacionada ao sufrágio do que à divisão do poder.

O que opõe os senadores  a César é exatamente  esta contraposição entre o poder dividido e aquele que é enfeixado numa mão só.

O desenlace de Hamlet é uma resolução dramática ou tem um significado associado a estes problemas?Parece-me mais uma questão dramática e familiar,mas certamente Hamlet  tem um quê de vingador republicano ,porque a tarefa dele não é só familiar.Isto se depreende da sua condição edipiana.A sua tarefa é acabar com um poder ilegítimo.

 

terça-feira, 8 de abril de 2025

O fantasma do pai de Hamlet

 

O fantasma do pai de Hamlet é uma metáfora.Os fantasmas de Macbeth são uma metáfora,mas têm um significado psicológico sim,que mobiliza o corpo do personagem,que deve transparecer nas suas ações e no seu rosto:uma angustia muito séria que acompanha os ilegítimos e a ambição sem fundamento de poder.Como vimos no artigo anterior.

O fantasma do pai de Hamlet é uma metáfora porque o personagem(Hamlet)guarda a sua racionalidade intacta diante das tarefas que lhe são exigidas.

O complexo edipiano evidente,como notou Freud,revela a presença das emoções e sentimentos,mas ele está no comando,o que não acontece em Macbeth,em que as circunstâncias vão conduzindo o personagem para o desenlace fatal de sua trajetória,mostrando também que a previsão das três “ bruxas” não era tanto assim,porque óbvia,exceto pelo homem não nascido de mulher.

Hamlet cumpre estas tarefas enfrentando dramas pessoais,crises de consciência e sofrimento psicológico intenso,mas  a razão está lá,a guiá-lo.

São dramas edipianos sim,avant la lettre .E nos remetem à impossibilidade de Hamlet resolver estes conflitos(faltou um psicanalista).

Na esfera do real a solução é sangrenta,como todo o nascimento:no fundo Hamlet é semelhante a Lear,uma vez que está se tornando homem e independente.

Mas uma coisa é resolver questões de estado,outra,familiares.

Pouca gente nota isto em Hamlet:os problemas do estado se imbricam com os familiares,como acontece nas monarquias.

Poderiamos pensar num inicio de totalitarismo em Hamlet.

domingo, 6 de abril de 2025

Os fantasmas de Shakespeare II

 

Nós sabemos que muitas figuras históricas fizeram coisas terríveis e que nunca tiveram o mais minimo remorso.

Quando Shakespeare trabalha com estas figuras históricas ele não está propriamente com as figuras históricas ,mas com conceitos que elas representam.

A figura de Macbeth é a da ambição desmedida,que não tem fundamento.Certamente isto não ocorreu pensar ao Macbeth real,mas os acontecimentos de sua vida ensejam uma discussão sobre a ilegitimidade de seu poder.

Esta ilegitimidade pode ser em diversos níveis:pessoal(de onde surgiriam os delírios);politica;histórica.

A histórica é a narrativa dos descaminhos do poder de Macbeth;A politica é o meio pelo qual ele chega ao poder e em Shakespeare a força não tem autenticidade para implantar e manter um poder.

Acima de tudo Shakespeare critica o que não está certo no fundamento das ações.Ele não é moralista ou moralizador ,mas uma analista da psicologia humana  avant la lettre ,usando só os elementos empíricos da vida e  as ações:construir um poder a partir da destruição leva à destruição.

E do ponto de vista pessoal ,que é onde está a psicologia ,as consequencias  dos seus atos são vistas nos delírios,nos fantasmas.

Mas a premissa artística é que vale ,não a figura histórica propriamente,não os fatos históricos em si.

O mesmo acontece com Cidadão Kane:William Randolph Heart jamais viveu qualquer contradição daquelas expostas no filme,mas os conceitos relativos à riqueza pela riqueza,à solidão de quem quer  impor seu pensamento a qualquer custo estão lá “ estudados” pelo cineasta.

Uma coisa é a realidade outra  a arte .

sexta-feira, 4 de abril de 2025

Os fantasmas de Shakespeare

 

Em outro artigo eu expliquei em pessent todos os fantasmas das peças de Shakespeare.Mas eu quero fazer uma pergunta agora e contrapor dois deles:eles são fruto também de alucinações por parte dos personagens?Ou seja pode-se fazer uma leitura psicológica deles?

Na minha opinião, o fantasma do pai de Hamlet é só  arte,só teatro.Não há psicose possível de identificar no aparecimento diante do principe.Ele não está em alucinação.

Mas no caso especifico de Macbeth não há como não ver um problema psicológico na sua visão do rei deposto.

Mas só o sentimento de culpa,de ilegitimidade,é suficiente?

De modo geral o núcleo central de toda psicose é uma contradição interna,insolúvel ,que se espraia para a  “ objetividade”.

No caso de Macbeth é isto.Não vendo em si legitimidade para governar,ele começa a ter delírios.Sentimento de culpa?Da mesma forma nós vemos algo semelhante no aparecimento de César diante de Brutus no campo de Batalha e os delírios auditivos de Ricardo III,no final de sua peça.

Estes exemplos são psicóticos,não só artísticos,mas expressam uma compreensão empírica avant la lettre ,da psicologia humana:não há uma explicação freudiana ou junguiana,mas a experiência humana indica  que em momentos de contradição pessoal,culpa,medo extremo,imagens fictícias ,delírios aparecem para aterrorizar estas pessoas.

Mas por trás de tudo isto as razões politicas,pessoais,éticas assumem um papel decisivo:o sentimento de culpa em Brutus,por ter matado seu pai;a ilegitimidade do poder em Macbeth e o medo  em Ricardo III.

Existem intersecções entre estas razões e a psicose?Próximo artigo.

domingo, 30 de março de 2025

A formação do pensamento de Einstein

 

O ano decisivo da carreira do cientista foi 1905,o ano mirabilis da ciência daquele tempo e ele acaba por ocupar um lugar primacial.

Contudo,foi um grande esforço até chegar a este ponto.E é sempre assim na ciência e nas realizações.

Como eu já disse em outro artigo,de muitos anos atrás,o campo magnético de Faraday possui a mesma natureza da teoria da gravidade:a distância de um ponto a  outro deste campo é elevado ao quadrado,delta 2.

Como ocorre na gravidade.

Em 1901 Einstein tentou transpor este esquema para os gases,no esforço,junto com outros cientistas de identificar a existência de moléculas,coisa que ainda não era admitida,bem como os átomos.

O famoso movimento browniano intrigava os cientistas:como partículas de folhas se movimentavam num recipiente inteiramente fechado.

A única explicação é que havia moléculas que se movimentavam.

Outros cientistas,como Helmontz,deram resposta positiva a esta pergunta,assim como Einstein,mas a preocupação própria dele em um artigo do ano citado era comparar a lei da gravitação universal com este campo fechado ,de gases,ou magnético,confome exposto acima.

Ele não conseguiu,uma vez que a movimentação das moléculas é probabilística ,diferentemente do que acontece no universo e esta constatação é um dos inícios da física estatística,que confirmará  a teoria quântica depois.


terça-feira, 25 de março de 2025

Da insubstitutibilidade II

 

A verdade é que além da percepção que legitima a irrepetibilidade de cada um de nós,existe uma outra forma de insubstitutibilidade:a imortalidade pela realização.

Durante anos lutei para igualar aquele que não tem imortalidade com aquele que tem,mas hoje estou seguro de que tal não é possível e alguns são lembrados enquanto outros não.

Se não encontrarmos uma forma de imortalidade para todos não há saída:uns são e outros não são.

Um trabalhador comum é igual a tantos,apesar de ele ser um ser humano irrepetível.Mas o Einstein é um só;Galileu é um só e não tem escapatória.

Grande parte da inveja ,dos ressentimentos é por causa disto e superá-lo talvez diminuísse estes fenômenos.

Einstein é um ser humano como outro qualquer,singular,perceptível como tal,mas a sua realização o põe na imortalidade universal e trans-temporal,porque ele ficará por um bom tempo,pelo menos,reconhecido e lembrado.

Se cada pessoa pudesse  ter a “ sua” imortalidade tudo se desvaneceria num congraçamento,mas não sendo assim e vivendo numa sociedade desigual o ressentimento é certo.

Nós podemos analisar da seguinte forma:todos têm olhos,boca,barba(ou não)nariz,mas só alguns têm algo além disto,que é uma realização a ser obrigatoriamente lembrada e considerada.

Então os verdadeiros  insubstituíveis são estes ,imortais,por uma realização,que se impõe aos outros,ao reconhecimento dos outros.

Hegel fala muito do reconhecimento,que é uma categoria complexa e fundamental na sociedade.

segunda-feira, 24 de março de 2025

O lugar da paleontologia No meu trabalho

 

Eu sempre mantive o interesse pela interdisciplinaridade no meu trabalho e a maneira de mantê-lo é usar a ciência,as diversas ciências.

Uma delas,que eu sempre estudo,é a da paleontologia humana,a seleção natural aplicada ao homem,bem como às espécies.

A partir daquilo que eu falei no artigo anterior,uma idéia,uma hipótese se me apareceu na cabeça:os rostos humanos são o resultado,enquanto singularidades,diferenciação e irrepetibilidade,do deseonvolvimento antropológico e social da humanidade,desde seu aparecimento como hominídeos até a humanidade propriamente dita.

Os animais são iguais.Identificamos algumas diferenças pontuais nos animais,mas eles são padronizados.

O ser humano rompeu com esta realidade,com esta padronização e constrói a sua diferenciação por conta das relações sociais que estabelece com o mundo,sem esquecer a relação de trabalho com este mundo natural,edificando afinal,a sociedade,uma mediação sobrenatural.

É no interior desta que os rostos humanos vão expressar a realidade complexa e no tempo destas relações psico-sociais.

Na verdade o próprio termo psico-social é já uma construção,inserida nesta moldura a que estou me referindo.

A psicologia humana,por trás dos rostos,surge neste processo de desenvolvimento social e a cada etapa eles se modificam de modo que a história da humanidade fica marcada em algumas faces ,podendo ,inclusive,permitir,o estudo das épocas.

O retrato de uma mulher em 1800 é diferente da de hoje.