sábado, 30 de junho de 2018

Petição de Princípio


Algumas contribuições de Nietzsche 



Um dos fundamentos éticos de minha atividade de pesquisador independente é o que eu li uma vez de Nietzsche,da sua obra.Falando sobre os alemães no final do século XIX,depois da unificação ,ele disse que tinham parado de pensar e se acostumado somente a fazer política e a submeter tudo(inclusive e principalmente o pensamento)a ela.
Esta é uma passagem que separa o pensador do que aconteceu depois,historicamente.O ato em si de pensar teria evitado o nazismo,mesmo que a cultura e o pensamento de Nietzsche pudessem,numa distorção do senso-comum,ser usados para propósitos indevidos e ilegítimos.Com relação a esta última assertiva,o pensamento de Nietzsche nos remete para as perigosas relações entre o elevado pensamento dos doutos com este mesmo senso-comum do cotidiano.Pois foi nesta passagem que os ativistas de direita buscaram fundamentos para suas arapucas,modificando segundo sua conveniência o pensamento de Nietzsche e de  outros autores,que não compreendiam ou não queriam,mas cujos esquemas sutis podiam ser pervertidos( a esquerda também faz isto).Não vou analisar agora esta passagem,mas só o aspecto geral dela,ou seja,qual o papel do pensamento elevado,douto, diante do homem cotidiano.
Nós sabemos que Platão separou estas duas esferas totalmente ,em favor ,lógico,da primeira;mas embora o pensamento e a empiria tenham sido ligados,depois de Kant,muitos filósofos buscam manter esta separação exatamente por causa do que as incompreensões do pensamento de Nietzsche  causaram.
Na minha opinião esta separação é irreal e impossível,mas sobretudo ilegítima,porque sabemos que a função da filosofia,quando os homens dormem,é analisar o que fazem e  dar um sentido aos seus atos.A função da filosofia é atualizar o homem cotidiano constatando as mudanças cada vez maiores e mais rápidas de seu contexto formador e existencial.
Então não há como negar que a filosofia( e o conhecimento) não dirige o homem,mas participa de sua vida,sendo a  ruptura destes dois lados um projeto de poder.
Tanto o douto pode se tornar popular,como o popular pode ( e deve)adquirir condição elevada.
Foucault,em “Vigiar e Punir”,entre outras verdades,diz que não existe contrato social nenhum,mas apenas luta pelo poder,entre as instituições sociais.Quem disse que só a Escola pode produzir conhecimento?Que só quem passa por ela tem o direito de produzi-lo?No romance de Jorge Amado(que eu mais gosto)” Tenda dos Milagres” o personagem Pedro Arcanjo(reunião de Marighella e Manuel Quirino)entra como bedel na Faculdade de Medicina da Bahia e é  proibido tacitamente de escrever pelo Doutor Nilo Argolo,o racista de plantão.O fundamento deste preconceito é Platão,numa sociedade escravocrática.Mas numa sociedade como a nossa,supostamente democrática e sem barreiras ,esta separação,este apartheid cultural subjacente tem a ver como que Foucault diz.
O equilíbrio entre o conhecimento ,digamos,não-douto,e o  douto não existe.A elevação(ascese)é tão possível com o diploma,como sem ele,bastando a inspiração e o esforço exigível para todos.Não há nenhuma grande genialidade na humanidade que não tenha tido que se esforçar para alcançar os seus objetivos.No meu modo de ver foi Marx e o marxismo,com suas incompreensões do mundo real,que cristalizou uma tendência difusa do Renascimento e que ,mais ou menos,se consolidou no Romantismo(notadamente o alemão),de considerar a genialidade somente,presente em figuras providenciais,como o meio de se chegar aos píncaros do conhecimento.Talvez o próprio Marx tenha ajudado neste erro ao se colocar como o descobridor das “ leis dialéticas do desenvolvimento da sociedade”,deixando de lado as contribuições do passado e a de seus contemporâneos .Mas ele levou vinte anos de luta para escrever o capital,cumprindo etapas epistemológicas até completar o todo.
O que ocorre é que as pessoas comuns ,conscientes de suas dificuldades,se esforçam mais e quando sua vocação(como é natural)aparece mais cedo,os resultados surgem antes daqueles procurados pelos da academia.
Foi assim com Einstein e Max Planck.Einstein se adiantou na procura de novas equações resolutivas dos novos problemas colocados pela física do final do século XIX.Os outros físicos acadêmicos,como Planck e Lorentz ,dentro das universidades procuravam o mesmo em meio à política freqüente dentro delas.Livre,Einstein pode apresentar os resultados e assumir um nome  autêntico antes dos “ doutos”.Mas ele teve sorte,porque encontrou na figura sem inveja de Planck,um interlocutor capaz de reconhecer o seu mérito e chamá-lo para um cargo de professor,ainda que sem qualificação.Se fosse no Brasil hein?...
Os doutos,acadêmicos ,se enredam na política e nas  barreiras por ela impostas ao esforço e se atrasam.É a  fábula,mutatis mutandi,da lebre e da tartaruga.Lorentz não é pior do que Einstein,mas este teve mais tempo e esforço.
Aqui no Brasil,como o mostra Lima Barreto no Romance “ O triste fim de Policarpo Quaresma”,não haveria reconhecimento,mas uma barreira definitiva,no que é a verdadeira explicação da razão pela qual o Brasil ainda não ganhou o Nobel.
O não reconhecimento do valor do outro atrasa a sociedade e a História.Por causa de Einstein e Max Planck o século XX se  adiantou no mínimo 40 anos.
O pensamento elevado,complexo,é acessível a qualquer um que se esforce,levando mais ou menos tempo.Contudo existem saberes que são acadêmicos,profissionais, e outros que podem se constituir num saber acessível,mas sem perder o rigor,sem se vulgarizar.Nietzsche,no fundo,busca isto aí e a tendência da produção gnosiológica dos últimos 100 anos é esta.
O que eu faço ,como pesquisador é este segundo plano,embora eu esteja,me preparando para fazer muito no primeiro.Esta pesquisa acessível é rigorosa,legítima e importante,por mais que  a academia diga que não.
O homem cotidiano se aproxima dela se quiser (eu acho que deveria),como quem lê um jornal mais alentado ou uma revista de cultura,que não é só de divulgação,mas de produção de algo novo.Mas o saber acadêmico nem sempre lhe é obrigatório ou  essencial(em função deste último o primeiro).

Mas ,me conectando ao que eu disse sobre Nietzsche e seus comentários sobre os seus concidadãos,é que hoje em dia só se adquire nome se se tiver,como na política,seguidores(nas redes inclusive).Só se valoriza o conhecimento se alguém acredita nele,se muitos(eleitores)acreditam nele;se existe a possibilidade desta relação com seguidores  se transformar num projeto financeiro.O que Nietzsche quis dizer ,e eu concordo com ele,é que o pensamento, o conhecimento,o seu mérito bem fundado,não são mais considerados,mas sua utilidade e nisto,neste processo reside  a distorção do pensamento ,que conduz aos problemas e violências de todos os tempos.


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