sábado, 24 de novembro de 2018

Cristo é mais importante do que Kant e a Aufklarung


Fico admirado de ouvir pessoas em rádios falarem sobre coisas que não conhecem.Atacam Marx para alegar que a esquerda quer acabar com a religião e batem no peito se dizendo iluministas ,sem saber que o iluminismo era fundamentalmente anti-religioso e ateísta.
Kant especificamente era teísta e escreveu um único livro sobre religião” A religião nos limites da simples razão”,onde ele quebra  a barreira absoluta entre o bem e o mal,com o conceito de “ o mal radica na humanidade”.Por isto foi impedido de novamente tratar do assunto.
Kant com sua crítica da razão pura buscou fazer renascer a metafísica,a razão pura dos racionalistas antes dele,mas, como eu já disse, este objetivo é estéril porque não há nada que fuja do contato com a realidade,através da sensibilidade,que está nos sentidos,que estão no corpo.Kant é a primazia da razão sobre os sentimentos.Embora admirador de Rousseau,nunca enfatizou os sentimentos ,uma atitude pré-romântica que já fazia eco na Alemanha,mas que vinha da França.
O fato,no entanto,é que,pela sensibilidade,o corpo entrou na história do pensamento,de modo amplo,pelo reconhecimento do papel dos sentidos.Esta assertiva é verdadeira em termos,porque o pensamento não é só o dos filósofos mas o do homem,o da simples razão(embora os filósofos sejam homens comuns também..) e neste caso o corpo entra como problema com Cristo,com Cristo na cruz.O corpo não entrou pela sensibilidade de Kant,o juízo sintético a posteriori.
A bem ,mais ainda, da verdade,este exemplo de cristo fundamenta a filosofia e a política séculos a partir e depois de sua morte( e ressureição):a questão da fé pelas obras ou pelo coração;através de São Tomás de Aquino e sua concepção política a responsabilidade dos políticos em considerar os direitos dos povos de serem dirigidos segundo critérios  cristãos(depois isto mudou com o absolutismo)e que é a base da concepção de soberania popular,pela laicização dos conceitos tomistas.E no caso de Kant a idéia de uma comunidade universal derivada do mandamento “ amai-vos uns aos outros como eu vos amei”,pelo menos na sua perspectiva a mais genérica,já que nesta afirmação existem muitas questões que estão até hoje a pulular na cabeça dos homens.
Como se pode amar um homem dividido por questões materiais de classe e de valor(inter.)Sem falar nas separações geográficas e de tempo.A crítica à Kant,quanto ao seu formalismo ingênuo ainda vale,mas ele expressa a possibilidade de atribuição(segundo o seu criticismo)de conteúdos a esta formalidade “ vazia”.E nisto,novamente,o alemão segue Cristo,que fez uma proposta para que a humanidade criasse as condições  para estabelecer o Amor universal.Pelo menos isso tem que estar subentendido,porque não se pode acreditar que Cristo achasse todos os homens bons.
Mas todas estas conjecturas são para mostrar o quanto o pensamento e o corpo estão imbricados de diversos modos,desde sempre.Cristo é o reconhecimento desta verdade.
É falsa a postura daqueles que se posicionam de um lado e de outro,os racionalistas e irracionalistas,quando tudo é uma passagem.A razão se  relaciona com o corpo e vice-versa,dialeticamente.A razão desvela a causa das coisas e racionaliza o mundo e o corpo,portador das emoções,sentimentos,desejos e valores,percebe o mundo,de modos diversos.Cristo é as duas coisas.Se sabe a razão das coisas sente o mundo igualmente.
Ocorre que o Iluminismo,na sua formulação original,é puramente racional,ainda que defendendo a “ primazia” da razão,supondo a realidade do corpo,porque este seria “ comandado” por ela.Certo,nem a razão e nem o corpo comandam sozinhos,mas influenciam no sentido da vida.
Contudo há que se perguntar o que vem primeiro,o corpo ou  razão.Ora se  a existência precede a essência,se a criança vem antes do adulto,o corpo vem antes,como derivação de nascimento e de desenvolvimento da razão,o corpo precede.
O corpo já é um sentido como possibilidade,como lugar de atribuições de significado.
Não se há de imaginar que na hora da cruz só a razão ou os sentimentos e dores agissem independentemente.Simultâneamente as palavras de cristo expressam o contato com a dor,com a sua missão.Um turbilhão,o qual tem que ser superado,para a razão não sucumbir e a missão se cumprir.Assim é a existência,assim é a vida,assim são o sentido e o significado.
O iluminismo ,para sobreviver, tem que ser limitado infinitamente porque se não for assim a razão,sozinha(o que é um delírio,uma psicose,uma mitomania),isola o homem do mundo.A razão rejeita o mundo e o moraliza na medida em que não aceita o seu  caos .As possibilidades,os riscos,a irracionalidade(dos desejos)fazem parte do mundo,o caos é bom porque contém em si tudo o que é possível,o momento seguinte e com ele o futuro,logo a razão não é sozinha,mas dependente deste mundo,em que está o corpo,o qual o percebe.

Observe o leitor esta gravura de Goya,tirada de “ Os desastres da Guerra”
 


Ela retrata uma das inúmeras violências cometidas pelo exército napoleônico na Espanha
(que faria depois na Rússia).Napoleão usou a justificativa da repressão sobre este país,alegando que na Espanha quem governava era a Inquisição e a superstição.
Vamos supor que o homem torturado acima,destacado pelo retângulo fosse um supersticioso e inquisidor,tendo já queimado senhoras inocentes na fogueira.Justificaria este ato

? Mas ele foi praticado em nome da razão.
Quando Goya realizou estas gravuras,estava apenas acompanhando o gesto irado de Beethoven,anos antes,ao riscar o nome de Napoleão da dedicatória de sua 3ª Sinfonia(Eroica),em protesto ao coroamento do Imperador.E estava expressando, num primeiro momento,a dúvida de intelectuais e artistas iluministas como eles,diante das contradições do iluminismo,mas a verdade é que  uma conclusão inicial se retira disto tudo:a razão pura é tão repressiva quanto a inquisição.