domingo, 23 de junho de 2019

A vocação de Macabéa

Muita gente não entendeu porque,no meu artigo anterior sobre o personagem de Clarice Lispector,Macabéa, disse que ela era vocacionada,apesar da baixa escolaridade e do siderúrgico infantilismo ,para a filosofia,jornalismo e outras profissões.
Ora, o desejo de saber expressado na sua conduta de perguntadora contumaz é parte do processo de conhecimento,como já nos provara Sócrates há mais de 2000 anos.
Pode parecer algo comum ter este “ vicio”,mas na verdade o seu aparecimento não é patológico(exceto pelo exagero,o que não é o caso),mas parte de uma disposição psicológica legitima.
Então porque Macabéa não toma a iniciativa de buscar formação e ,profissionalizando-se ,sair da sua situação de pobreza extrema?Uma pergunta nacional e humana.
Não se trata das circunstâncias imediatas de vida de Macabéa,ou seja,não é cupa dos que estão próximos dela(inclusive o seu namorado),mas da sua vida pregressa,com a falta de formação,falta de experiência de vida e desconexão total com um propósito.
O que está por trás de todas estas carências é a falta de sociabilidade,socialização.A incompreensão do papel social que o indivíduo deve ter.Este insight decisivo não ocorre a todas as pessoas.
Freud diz que os elementos formadores da personalidade desde a infância são em grande parte aleatórios,mas fazendo a necessária crítica sociológica,há que reconhecer as circunstãncias sociais como um elemento decisivo.
Macabéa vive o seu imediato apenas.O faz por inércia,sem maiores objetivos do que este que se apresenta diante dela:uma datilógrafa desastrada e que e,no final,despedida(ou pelo menos parece).
Há uma insinuação de que sem emprego o destino da estrela é o bordel,mas é só insinuação.O que avulta é a exigência de socialização do personagem brasileiro abandonado à própria sorte.
Ainda que não possa mais ser factível torná-la profissional,a intervenção auxiliadora da sociedade é obrigatória diante do referido abandono e o reconhecimento da autenticidde vocacional de Macabéa fundamenta o minimo de esforço de obtenção da sua inclusão social.
Mas o abismo a que fiz alusão no artigo anterior é o abismo da sociabilidade:falta de formação;relações familiares frágeis e pouco educacionais;falta de recursos materiais;pouca relação com outras pessoas(desde a infância provavelmente).A superação destes problemas todos é necessária ou pelo menos de alguns para adptá-la à sua situação.Tarefas para psicólogos e pedagogos.Não ao indiferentismo.

domingo, 9 de junho de 2019

Macabéa heroina de nossa gente!

Clarice Lispector nunca foi próxima de mim,pelos seus temas,mas nem por isto deixo de considerá-la um gênio da literatura brasileira.Fui sempre mais afeito aos temas sociais e no momento em que Clarice os aborda ,na “ Hora da Estrela”,eu me interesso.
O personagem principal ,Macabéa é um dos maiores da literatura universal e expressa muito do que o povo brasileiro(e a mulher brasileira)é.
Eu não estou generalizando,mas a figura de Macabéa mostra como os impasses do povo brasileiro,imerso na pobreza,se dão.Clarice não faz uma aproximação vulgar entre a miséria,a carência e a psicologia do pobre,do carente.
Esta constatação,quando vi pela primeir vez este personagem, foi decisiva para mim,que fazia esta conexão falsa.Macabéa tem uma imensa vocação para o saber.Adora a antiga rádio relógio e vive perguntando.Independentemente dos perigos que a sua condição apresenta,se joga naquilo que gosta.Pergunta ao namorado “ o que é cultura”.
Ela está,diriam os moralistas,à esquerda e à direita,” alienada”,mas o seu furor de conhecimento os desmente.A sua despreocupação com o contexto social não legitima a sua pobreza,mas deslegitima o seu abandono social.Ela é uma maior abandonada.Socialmente abandonada e tem a ingenuidade de pensar que a culpa não é de ninguém.Será o brasileiro cordial em forma de mulher?
O que mais,no entanto,me chama atenção neste personagem extraordinário é que como a distância entre a sua vocação e a luta para a sua realização é simultâneamente pequena e grande.
A vocação dela,como disse,é para a filosofia,o jornalismo,a pesquisa,mas a auto-consciência é como um abismo intransponível,entre o imediato da pergunta e o mediato da necessidade de crescer.de sair da pobreza.
Para um pedagogo qual seria o conselho para Macabéa não ficar abandonada?E o psicólogo o que diria?
A relação com o Brasil e o povo brasileiro é que em grande parte as vocações estão aí ,em todos os lugares,mas as dificuldades ,objetivas e subjetivas, intransponíveis,como o abismo.