quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

O transvalorador de valores



O ideal  ascético demonstra como pode  agir o transvalorador de valores.Uma coisa  é a unidade da experiência,outra é o manejo dos valores.Não tem sentido estabelecer como critério absoluto a compaixão,porque isto igualaria a todos,uma falácia  cristã,que serve a propósitos de manipulação.As pessoas não são iguais.Ás vezes  a  diferença favorece um em detrimento do outro,mas não necessariamente se  deve sentir culpa,mas exercer a  sua boa  consciência(=sem culpa).No entanto, uma coisa  é o critério social,outra a natureza  legítima desta desigualdade.
Mais uma vez eu digo ,é impossível associá-lo ao marxismo,porque este deslegitima a aristocracia como classe exploradora,enquanto Nietszche sim.Nietszche usa as virtudes  nobres para  autenticar estas virtudes que podem ser do cidadão comum,obtidas pelo esforço,embora nascidas de dons eventualmente,mas acaba fazendo também com a classe.Contudo são dois planos diferentes:uma coisa é a classe objetivamente considerada outra são os valores.Para o marxismo esta separação não é possível,muito embora na arte ,Marx tenha reconhecido valores humanos na obra de aristocratas como Goethe.Na verdade nunca Marx fez uma transposição da objetividade em termos reflexológicos.O individuo aristocrata pode  ser salvo,mas a classe não.
Não há porque opor Goethe ao homem  comum,ou um destacado como Rivelino à massa.Quer dizer,uma  coisa é  sentir  culpa por ser destacado    ,outra é  valorizar as suas aptidões sem culpa.
Na critica do ideal ascético  Nietszche  relacionou as virtudes da boa consciência  à aristocracia ,que,por isso não deveria possuir culpa(má consciência )de sua condição.
Do cotejo entre os dois pensadores se observa que só há uma forma de encontrar uma legitimidade para o ideal aristocrático :o plano da cultura e dos valores que a ela se associam ,pois só assim se encontra um traço de humanidade,algo de humano e comum com as outras classes.O que caracteriza este traço é o individualismo legitimo ,a distinção de um individuo que  se expressa em função de seus próprios valores.O fato de  ele ser considerado
 melhor é uma convenção manipulatória e Nietszche parece aceitar este conceito(o melhor,o superior) para depois falar nos escravos.O cristianismo defende que o escravo aceite a sua condição,mas o escravo quando se rebela não é um aristocrata?Nietszche  não disse que os judeus deviam se rebelar?(uma lembrança que os seus defensores  usam para separá-lo do nazismo).Quando Nietszche fala nos falhados ele parece defender um modelo moral que opõe o nobre ao rebanho enveredando por um caminho criticável ,criticável e moralista(também).



quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Compaixão III



Série:Filosofia.

Kant e Nietszche  de  novo:
Por mais que Nietzsche queira  se distanciar de  toda a metafísica,de todo o modelo metafísico que se impõe,a  leitura que ele faz de Kant é  de modo a ressaltar o seu projeto(de Kant)de recuperar a Metafísica.Nietzsche o acusa  de estéril,como toda a metafísica,mas a  liberação do Sujeito e  da linguagem do objeto,como decorrência do pensamento de  Kant é essencial para a atividade ,inclusive na linguagem,extremamente radical de Nietszche.Este último jamais poderia construir um tipo de linguagem não explicativa,muito característica dos seus livros,a  famosa “ prosa  dançarina”,se não fosse  a  revolução copernicana em filosofia  operada por Kant.
No livro do “ Filósofo” ,de Nietszche ,ele faz  reflexões  sobre  o porquê  desta atitude quanto à  sua linguagem mais narrativa do que  explicativa,mais afeita ao mito do que à  ciência,mostrando aquilo que é lógico em todo o seu intento filosófico.
O modo  de  explanação de  Nietsche tem a ver com a narrativa picaresca,a  novela espanhola do século XVI,com Dom Quixote,mas eu diria  que o relato de aventuras,de biografias antigas,que vem desde a Idade Média até ao nascimento do romance moderno,serve de base à  linguagem de Nietzsche.
Aqueles que lêem ,por exemplo,os  “ Fioretti” de São Francisco de Assis(as “ Florezinhas”),vê  no inicio dos  capítulos:”De como São Francisco foi à  floresta e recebeu os estigmas de Deus” ou”De como ficou nu diante  da Igreja de Assis”.
Para Nietzsche esta é a base de uma narrativa que ,antes de explicar algo ou uma pessoa,segue-lhe os passos próprios,originais,sem referência a outra coisa  que a ela mesmo.Não poderia  ser diferente.A perspectiva determina a  linguagem narrativa, não o debruçar-se  sobre o objeto.
Valorizar as narrativas significa por abaixo toda objetalização,toda modelação de  fora para dentro ,que toda a metafísica(e  a ciência  ,que é o seu deus)opera.
Esta  é uma tendência do final do século XIX,dir-se-ia(contra Nietzsche)humanizadora,das ciências sociais e  que encontrou no século XX,na  antropologia em geral,eco,na medida em que,em vez  da explicação científica,temos a narrativa de costumes  e ações,como forma  de não só mostrar uma realidade social,as causas dos seus problemas,mas o seu sentido,ou possibilidade de sentido.
Esta narrativa expressa aquele que tem o sentido real da  vida,gratuita,sem uma preocupação com o sofrimento.Nós voltamos aqui ao tema do nosso artigo:o sofrimento de  cristo e  a indiferença do ser humano gera uma culpa,a  qual  deve ser  a base do compassivo,que  deve sofrer para purgar esta  culpa e ganhar a redenção numa salvação sempiterna.Em vez  de um caráter nobre que coma  sua narrativa vive a vida,temos  alguém que só vive  no meio d e outros,porque associado á compaixão geral como exigência  moral de  conduta.
Não vou tratar aqui do ideal ascético,mas a  questão toda é que a  compaixão gera,cimenta o ressentimento,como projeto de vida.Criou-se  a partir do cristianismo(que tem uma origem em Platão)uma ética do fraco,que é aquele que não consegue  viver sem esta justificação(o sofrimento)e  sem atribuir  ao caráter  nobre a  culpa deste esquecimento.
Este nobre   recusa  o conselho de  São Paulo aos coríntios em que este os acusa de viverem a vida sem se lembrar do sofrimento de Cristo na cruz.É o famoso “ comamos e bebamos que amanhã morreremos”.
Contudo sempre  me foi impossível de  aceitar as relações  entre Nietzsche  e Marx neste aspecto.
Niestzche  e Marx
Na  década de sessenta  do século XX surgiu,no mundo todo  uma relação que eu considero esdrúxula entre este pensamento e  Marx.Este último nunca abandonou as suas afirmações  sobre o  caráter compensatório da religião que  expôs na Filosofia do Direito.O que ele mudou(talvez)tenha sido uma  visão mais leniente que ele tinha quando jovem.Na maturidade colocou claramente ,como condição da libertação(coletiva) da humanidade,a  supressão da  religião,mas não há prova de  que tenha  defendido matanças ou agressão,antes pelo contrário,afirmando o papel decisivo da educação.
E mais do que isto,se o ideal de liberdade não é individual,não há porque no processo de consciência(coletiva) desta necessidade não se  incluir (na abnegação revolucionária  pelo outro)um elemento de compaixão ou  reconhecimento do sofrimento como legitimador da revolta.
O que não se  pode extrair  de Marx é  o sofrimento como finalidade.E também não há como associar a figura do revolucionário a este nobre acima dos outros,de Nietzsche.
De tudo o que eu disse fica claro que  a  autenticidade da vida não se pode  fundar no caráter “nobre” daquele que vive sem pensar no sofrimento.E é legítimo abrir mão de paixões  alegres em nome desta compaixão ,que funda todo o solidarismo.Logo ,com culpa ou sem culpa,diante da cruz , a existência autêntica  se mobiliza também.Não há como não se  associar Nietszche  aos descalabros terríveis que aconteceram no seu país tempos depois.
Porque por mais acima deste sofrimento mundano,o caráter nobre é tocado pela  experiência do passado e do presente e  quando a nega comete crimes.



segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Compaixão II



A grande problemática derivativa destes  pródromos é que tudo é  construído,não havendo nenhuma referência  absoluta  e  imóvel para  dar segurança  à ação humana.E tudo o que é construído,quiçá  transcendente, o é como mudança.Mesmo Nietszche ,com a  sua filosofia,tentou diluir o modelo metafísico  e criar outro,mas ele  também acaba sendo   tomado pela  voragem do tempo,da mudança,ainda que no seu perspectivismo a mudança seja admitida ,seja parte.
Na  verdade  tanto Nietszche  como Wagner queriam uma ruptura com o passado.Queriam criar um modelo de comportamento que libertasse os homens da terrível herança que  as gerações  passadas deixam para os pósteros,os quais não pedem para nascer.
Mas esta ruptura se  dá no nível psicológico e não no plano da  experiência humana,mesmo com os órfãos.
O século XIX,como resultado da sua  própria  auto-fundamentação,uma herança da revolução francesa  que se refletiu na filosofia,  colocou este problema o tempo todo.Não foi Marx quem afirmou:” cada vez  a  experiência das gerações  passadas oprime  como um pesadelo o cérebro dos vivos” e  Comte:” cada vez  mais  os vivos  são governados  pelos mortos”.?
Parecia  que esta revolução na auto-consciência eliminaria este problema,mas não o faz  exatamente por inexistir a possibilidade de ruptura real.A ruptura é algo construído também,mas nesta construção há que haver um elemento real legitimador  desta superação do passado.
Se nós  ouvirmos  o “ Anel  dos Nibelungos de  Wagner”,o herói Siegfried tem tudo para fazer esta ruptura na medida em que ele não tem laços com o passado.Mas que laços?O que está embutido nesta separação proposta?É que ele é  fruto de um incesto e não deve sentir nenhuma culpa por isso,já que não teve nada a ver com esta transgressão que não pode  grudar   nele.
O desfecho do ciclo indica que a incompreensão do herói o faz  perder esta oportunidade e  quando o anel cai no leito do rio Reno ,é como um chamamento às novas gerações  para não cometer este erro fatal.
Todo mundo sabe o quanto isto influenciou a atividade política de Hitler e  dos nazistas.A ausência de culpa marca ,para este movimento,a separação.Quer dizer  não ter ligações  com este passado,às vezes ignominioso,possibilita agir com liberdade absoluta e isto é  a base das realizações.Até Wagner se converter ao cristianismo,Niestzche e ele “ comungavam”(que palavra) desta idéia.
Todo o pensamento rupturista,qualquer que seja  ele,encontra  sempre um elemento,uma mediação definidora.
Para  os nazistas a ausência  de culpa.Para o stalinismo,os  crimes  do passado seriam esquecíveis  diante dos êxitos  futuros.Stalin tinha como sua frase política preferida o “ em política é melhor  olhar para frente”.
Mas e  aqueles que  não vêem esta ruptura?Que  tipo de  ruptura psicológica mantém  um critério de  relacionamento que permita ver o outro,ainda que o outro seja o mal?
Ora,  tanto na ruptura quanto na  não-ruptura o que há de fato é  uma  vivência,um sentido,que se modifica,que se cria,conscientemente ou não.O que se pode  e deve analisar é se existe uma referência para se julgar esta mudança ,este novo sentido que aparece.
Nos grandes  crimes  cometidos  no século XIX ,o fato de  o passado não estar mais entre nós foi usado como leniência  diante de suas conseqüências e  no fundo os  grandes criminosos achavam que o esquecimento diante de um presente melhor,os  absolveria.
O fim dos judeus garantiria  condições  de sobrevivência aos alemães e  a matança dos opositores  no totalitarismo stalinista teria  a mesma conseqüência,ou seja,nenhuma.
Mas isto é assim mesmo?Os pósteros não são tocados pelos crimes  dos seus  antecessores?
Nietszche afirmava” Há homens que nascem póstumos”,pois eles  são mais do futuro do que do presente,porque não têm ligação com este último.Isto é prova de  vitalidade?De potência?Ou fundamenta um descompromisso perigoso(no mínimo)?

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

A compaixão



Desde Nietszche a compaixão foi colocada no lado  escuro da lua como algo impossível,cínico e que atrapalha a felicidade.
Diante de qualquer sofrimento ,a compaixão é sempre falsa.Do outro lado as posturas opostas,geralmente de origem cristã(mas nem sempre) apostam no contrário.Como são Francisco de Assis para quem a fé se exerce integralmente e com coerência.

Buda que defende o anular-se para afirmar-se.E Freud que defende enlouquecer junto com o paciente para analisá-lo melhor.
Segundo Nietszche a compaixão é a maldição do cristianismo por impedir a potência do ser,o afirmar-se do ser.
É um projeto individual,por oposição ao coletivo,uma abstração vazia que também dilui a potência,como todas  as abstrações.
A vida  humana é acaso,o ser humano cria  mediações e  racionalizações  para aplacar  o horror desta constatação.Não há fundamento para evitar a  dor;não há explicação para o comportamento sádico do homem,mas é preciso construí-lo.Porquê?Porque  ninguém suporta  fundamentar a sua vida na sorte.De um modo ou de  outro existe uma explicação para a sua  situação e para a sua  superação(ou não).
Pode-se objetar que  a dor,que o cristianismo entende ser um paradigma,serve  de medida da bondade ou não do ser humano,mas isto não impede que  a humanidade descambe para a  violência e o sadismo.Também citamos já Kant pelo qual o mal radica  na humanidade,não adiantando construir no ser barreiras intransponíveis  entre o mal e  o bem ,como quer o cristianismo.
Afirma-se  que,segundo Piaget ,existe uma relação  entre  o desenvolvimento cultural quantitativo e  a  ordem moral:quanto mais experiente,maduro e  com compreensão da realidade,social e natural,o homem vai deixando de lado o seu “ primitivismo” e alcança,junto com o progresso material o progresso moral civilizatório.O fenômeno do nazismo pôs  por terra esta ilusão.
Atribuímos ao “ primitivo” o caráter destrutivo,como se  os primeiros povos  fossem crianças destrutivas ou mesmo animais,mas descobrimos ,através  da  filosofia  grega,particularmente Aristóteles,que o conhecimento não é  quantitativo,mas  o pensar sobre ele,o discernimento.Quanto mais  acumulamos mais perdemos,até,o verdadeiro conhecimento.
Então não há evolução,no sentido de  que buscar o bem e a bondade representam  uma medida segura disto.Nietszche parece ter demonstrado que ,em assim  sendo,toda mediação modelar explicativa,incluindo a  compaixão,que é um modelo axiológico mas também explicativo,só enfraquece esta verdade ,de  que não há senão este ser que se potencializa,dir-se-ia ,se vitaliza na  busca  permanente da sua potência.
Contudo,ainda que toda a idealização de evolução e progresso  não se prove,no nível individual,pode-se,sim identificar mudanças positivas,no plano coletivo,naquilo que chamamos humanidade.
Nietszche deplora este  conceito abstrato.Povo não existe,Homem não existe.Assim,digo eu,como fruta não existe,mas nós  desfrutamos de bananas e maçãs.É um erro de Nietszche confundir a  opção de  não se  importar   com a coletividade com a  realidade dela.Há indivíduos  que passam a  vida num caminho não influenciado por  grandes  mudanças,até opcionalmente e isto às vezes  contém uma legitimidade incontrastável,mas a experiência  coletiva inter-individual concreta é  inevitavelmente tocada pelos conceitos  ,mesmo aqueles  não escolhidos por este individuo,como é  impossível para um ateu não ser tocado,em sua  vida,por muitas experiências e conceitos  emanados do cristianismo.O comportamento especifico em relação ao pudor do corpo por exemplo e ...a  compaixão.Mesmo que  alguém aja  indiferentemente ao sofrimento em geral esta atitude não é neutra e  implica em responsabilidade.
A compaixão,como outras mediações  é um traço possível de união entre a  consciência humana e os  diversos elementos constitutivos  desta mesma existência,especialmente o corpo,a  célula que une todas as relações possíveis,o lugar da passagem entre o conceito e  a experiência,que são apenas modos da experiência.
Ainda  que a escolha seja por uma perspectiva totalmente fora  deste contato,algo é  tocado.
No caso especifico da compaixão é possível que para o sádico o sofrimento nada signifique,como aconteceu com todos ,em volta de Cristo,de  Pôncio Pilatos até aos soldados,que não revelaram culpa(exceto na versão do manto sagrado),mas esta unicidade desta referida experiência nos  coloca o problema  de  que em  algum momento  o desejo de  preservação obrigue este indiferente a buscá-la nela,como teria  sido o caso de um soldado romano que por alguma injustiça tivesse  sido colocado na cruz.Manteria ele a indiferença?
Por isso  digo que embora  a intenção  de Niestzche  fosse  vitalizar,potenciar o ser,na rejeição do moralismo,ele  caiu no não reconhecimento desta experiência  que toca a  todos,como moral, ética e  outras virtudes.É o mesmo paradigma do eremita,que se  pensa isolado  mas só o é porque nasceu e  viveu na sociedade.
Se nascer e viver em sociedade não obriga  a  aceitação da  “consciência de rebanho”,o oposto,gera um individualismo,que bem pode  ser manipulado pelos fascismos  da vida,e  Nietszche  é um precursor  indireto e, contra  ele ,disto.

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Meu encontro com Marx e Freud II


Bangu me trouxe  de volta Freud


Série:Psicologia  e Pedagogia



A primeira vez que li Erich Fromm e  este seu livro extraordinário,muito simples  e didático,abriu-se  para mim uma quantidade de  possibilidades intelectuais por explorar.Talvez  tenha sido este um dos momentos  em que se constituiu a minha vocação de professor porque logo notei que estas duas matérias,psicologia  e pedagogia  estavam relacionadas,o que quando entrei na sala de  aula,se  confirmou.
Mais do que isto ,percebi que não existe uma teoria em ambos os campos do conhecimento que dê conta da complexidade do ser humano e digo isto sem medo de cair  no ecletismo ou mesmo na visão lógica ,pela  qual cada um dos pensadores  contributivos  de ambos,ocuparia o lugar destinado a ele.
A partir do momento em que li o livro,as críticas,os  rompimentos acontecem a  todo momento,bem como as reconciliações.
No caso de Freud,que eu li antes de Marx,pela leitura de Pavlov e por caminhar mais atento à militância,houve um imenso rompimento ,mas agora ,reconciliação.
Isto porquê  achava,como tantos ,que Freud era um idealista,um “ espiritualista” até,contrário ao materialismo. Diante das mudanças de  concepção que me fizeram ver que a  experiência humana é  materialidade também,posso colocar Freud num patamar que,eu creio ,ele mesmo aceitaria.Não quanto ao marxismo,que ele criticou no final da  vida,mas no da materialidade,das relações  sociais.
Dentro de uma concepção velha de materialismo,em que só as relações sociais importam ,Freud ressaltou o individuo,o sujeito.Isto parecia,no passado,uma tentativa monista de explicar tudo pelo sujeito e sua libido,mas é claro que Freud nunca buscou isto.Foi uma interpretação discutível de certos setores  do marxismo que  pretendeu ver no livro final da vida de Freud “ O Mal-Estar na Civilização”,um projeto universal explicativo,quando não era e não é.
Se Freud pode  ser acusado de negligenciar as relações  sociais ,o materialismo em geral pode  também quanto à  autonomia do individuo,à  progressiva autonomização do sujeito e neste particular Freud é ainda decisivo,porque foi ele,desde a “ Interpretação dos Sonhos” que colocou as balizas e possibilidades de  analisar o Sujeito,na sua vida mais íntima,por ele mesmo.
Ainda que  a questão da psicopatologia  tivesse uma preeminência  em seu trabalho,a descoberta das causas psicológicas da neurose  puseram a possibilidade de  discutir uma  vida saudável.O discurso explicativo da neurose era também base para um sentido  a construir por aquele que se “ curava” ou,pelo menos,se adequava,conscientemente,aos seus problemas,agora clarificados pelo médico.
E neste caminho de construção ,de sentido,a pedagogia  aparece,como consequência também possível,ou como continuadora  ou auxiliar de todo este processo de cura/sentido.A psicopatologia é perda de sentido,a educação ,a sua (re-)constituição.
A interpretação psicológica cria as bases ,no ego,para esta construção,após(?)a neurose,porque o ego é a substância do sujeito,o Sujeito,no tempo e  o sujeito no tempo é a primeira lição pedagógica,porque a única coisa  comum a todas as concepções de pedagogia é que  o Sujeito não se forma no imediato,mas na relação imediato/mediato.
Neste sentido a crítica da falta de uma visão psico-social de Freud não procede e quem vem exatamente em seu socorro é a pedagogia,porque as relações psico-sociais são importantes,mas elas não diluem a necessidade de abordar o aprendente,o Sujeito aprendente,na sua pura autonomia,nesta relação entre a  sua inadequação (neurose=imediaticidade=psicologia=atividade do analista)e  a  sua busca de adequação(sentido=mediaticidade=pedagogia=atividade do professor).
Sem este reconhecimento não há  pedagogia,porque não há aluno,não há pessoa distinta.À crítica de que nem todo aluno/aprendente tem neurose,respondo que a grande  contribuição humana de Freud está no fato de que a inadequação é normal na vida subjetiva humana.É até um valor transcendente.Uma experiência transcendente e necessária.Isto porque a neurose,a doença ,não é senão parte da experiência humana,mas a doença é parte,apenas,da inadequação natural do homem frente ao mundo,esta inadequação que é o impulso mesmo de  criação,de  sentido.Freud,pela  primeira vez e contra a psiquiatria do século XIX,afirma que não se pode  tomar a pessoa pela doença,que não há identificação absoluta entre estes  dois termos,como não há entre  a parte e o todo.
A possibilidade de  sentido,de transcendência(porque  além da doença)  é posta como inarredável,na medida em que o Sujeito é sempre  maior do que o sintoma,a doença,o preconceito,o conceito,classificações  e assim por diante.
Bangu me trouxe  Freud de volta na medida em que eu,como professor de Filosofia,tinha que lecionar Filosofia em Bangu,sexta-feira à noite(era de  propósito que a  direção colocava filosofia neste horário,uma disciplina sem importância para o direito)em plena faculdade de  direito,na qual os alunos queriam se formar,para ganhar não só dinheiro,mas prestígio profissional,já que sentiam excluídos(com as consequentes neuroses decorrentes  disto[imediaticidade/psicologia])),enquanto pobres e moradores de uma periferia.
Quando percebi este fato(professor/psicólogo)busquei na pedagogia e nas relações  sociais(psico-sociologia)elementos que diluíssem este complexo de inferioridade social,demonstrando  que os Filósofos eram pessoas,revelando detalhes  comuns a todos ,como a  homoafetividade de Sócrates,como um fator de sua personalidade e de sua filosofia.O riso relaxava os alunos e eles interagiam com uma matéria que ,aparentemente os separava do dinheiro e da vida o que não é verdade evidentemente.
Quando lecionei soberania popular em Ciências Politicas,era difícil conceituar este tema ,então usei a analogia com a  torcida do Flamengo,que representava em relação ao clube o mesmo que a nação em relação ao poder de Estado.Era a  torcida,como o povo,a origem do poder e da força do clube e  do time.
É lógico que neste primeiro momento não se forma um aluno de filosofia equipado,mas pelo menos ele inclui um saber,que,embora,pequeno o ajudará na vida e constitui parte de seu  sentido,porque já transcendeu os preconceitos e o complexo(de inferioridade).
Faz-se neste percurso(professor/aluno)uma crítica a Freud,por não incluir a psicologia  social,mas se o recupera no momento seguinte quando se reconhece,na  inadequação,no sujeito,distinto.E mais do que isto,ele ajuda a construir sentido,enquanto mantém esta identidade subjetiva,pura, e dialoga com a pedagogia,com a vida deste sujeito.
Será isto um círculo hermenêutico psicológico/pedagógico?Um circulo de  Gadamer?