quinta-feira, 30 de novembro de 2023

O despertar da besta triunfante

 

O drama da igualdade e da desigualdade

Kruschev ao fazer a desestalinização em 1956 incorreu na ira de Mao Tsé-Tung,que não a aceitou.

Na primeira visita de Kruschev à China,Mao fez questão de mostrar esta discordância, humilhando o premiê soviético,fazendo-o nadar na piscina,com uma bóia,como se fosse uma criança....

Nas suas “ Memórias” Kruschev observou certos erros de Mao na hora da condução do “ Grande Salto para  a  Frente”,os quais ele vira também na “Coletivização Forçada” de Stalin:Mao afirmou(e também Stalin),contrariando o fundamento do comunismo ,que a idéia de “cada uma segundo a sua capacidade e cada um segundo sua necessidade” era essencialmente “ burguesa” e que por isto todo o processo de construção do socialismo deveria  seguir um rígido igualitarismo.

Até aos dias de hoje esta distorção do pensamento comunista,que Marx não aceitava e não preconizava(Critica ao Programa de Gotha)segue sendo a “ base” do “ pensamento” destes radicais de esquerda ,alguns que vêm aqui para me jogar pedras,sem nunca ter passado da orelha de seus livros(como é o caso de Mao-Tsé-Tung(e porque não Kruschev,que aprendeu na prática o erro destas premissas.)

Kruschev “aconselhou” Mao a não entrar por este caminho e a reconhecer as diferenças entre as pessoas,os trabalhadores.

Na  perestroika,Gorbachev desejava reconhecê-lo ainda de modo mais profundo e a sua implementação ,num sistema já quase paralisado,o pôs abaixo,por razões que eu não vou discutir aqui,mas em outro texto.

Da leitura da “Ideologia Alemã”,na parte referente ao comunismo,se depreende que Hannah Arendt tinha razão ao associar o comunismo em geral e a proposta de Marx em particular ao liberalismo(em seu livro “A Condição Humana”):no fundo o que Marx quer é que cada homem tenha condição de ser livre individualmente.A luta é coletiva,não coletivista ;é o objetivo para todos,mas não igualitariamente,porque as pessoas são diferentes.Este Ideal é para todos e tem que mudar o modo-de-produção.

É como dizia o dramaturgo brasileiro Jorge Andrade: “libertar o homem do homem”.Este projeto é liberal e todas as correntes contestatórias,socialistas,anarquistas e comunistas o querem igualmente.

No inicio da atividade revolucionária e de construção da utopia admitir a desigualdade é ruim,mas a médio prazo se não o aceitar o sistema cai por terra.

E é fácil falar nas diferenças quando se está por cima,à frente dos outros,mas aquele que está atrás,se ressente .É sabido que os países menos invejosos são os que distribuem melhor a renda e em que a distância entre as pessoas é menor,bem como o usufruto das benesses da produção são divididos por cima e por quase toda a sociedade(quase).

A consequencia de tudo isto é que há uma discrepância evidente entre o pensamento comunista e socialista original e a de comunismo identificada com o socialismo real,que é mais afeito a uma religião cientificista,objetivista e atéia(outra contradição terrível).

Nesta predomina  o principio de “dividir a escassez”,os poucos bens  de que todos dispõem.Como ordenou Ananias ,confessor e batista de São Paulo,às comunidades cristãs do primeiro século.

Mas isto não tem  nada a ver com o comunismo,no sentido de Marx e ,portanto,a liberdade individual,de progredir,não é uma contradição com a  idéia e nem ,muito menos,uma traição aos outros,à comunidade:progredir individualmente é pressuposto,sine qua non ,da utopia.


quarta-feira, 29 de novembro de 2023

As lições dos estóicos

 

Como se sabe a base filosófica do cristianismo e um de seus elementos formadores é o estoicismo,principalmente o conceito de ataraxia.

Este conceito foi emitido por um dos seus fundadores,senão o seu fundador, Zenon de Cicio.

Por ele entende-se que a pessoa deve ter imperturbabilidade diante do sofrimento.Dele derivam dois problemas inter-relacionados:o que é esta impertubabilidade e como consegui-la.

Ser imperturbável diante das coisas ruins que s e apresentam diante de ti,como aconselhava um dos próceres estóicos,Epicteto(um dos maiores)é algo não muito difícil,mas o mais candente é enfrentar a  dor física,objeto de análises de Marco Aurélio e Epicuro.

Extrair da dor uma lição.

Da  questão da dor especialmente eu vou tratar em outro artigo,muito embora tenha a ver ,claro,com este atual que escrevo,mas como demanda mais esforços de compreensão e argumento,farei assim.

Aqui quero trabalhar com a intersecção entre o estoicismo pré-cristão e o cristianismo,na sua contribuição para formar o mito de Cristo.

O estoicismo é uma filosofia pré-cristã sem dúvida e ela ajuda a compreender a noção que subjaz à ataraxia,que é “anular-se a si mesmo”.

Esquecer-se  de si é uma noção que vem do pensamento oriental e adquire cristalização na figura do Buda,que quer algo semelhante ao estoicismo:superar a dor matando o desejo.Estas verdades vão ter reflexo no c ristianismo e  em Cristo através de uma visão mais radical do que a superação do desejo:o sacrifício,o auto-sacrificio.

Neste momento as tradições oriental e ocidental se juntam num ponto pela negação do desejo e do prazer,como célula motora da humanidade.

É isto o que eu desejo ressaltar:sempre o desejo foi tido como o elemento motivador,mas há nestas duas tradições,quando se unem ,uma inversão total da “ espoleta”da centelha,que é algo fundamental na história da humanidade, a partir desta interseccão.

A partir deste aprofundamento:aquilo que era ataraxia nos estóicos tornou-se sacrifício e auto-sacrificio no cristianismo e no protocristianismo dos mártires judeus.

Esta “mudança” é muito importante e explicita aquilo que quero dizer aqui.O aprofundamento significa uma atitude um poco mais “ coletiva”do que a simples | “imperturbabilidade”.Esta é mais pessoal,mas intima,indireta,só chegando aos olhos e ouvidos da comunidade através de textos,exemplos pessoais e assim por diante.

Através do martirológio judeu nota-se que ele serve de exemplo mora,ético e educativo para a comunidade.O martirológio judeu “ ensina” e  “ educa” a comunidade para manter o seu sentido.

Além de criar o mito da morte,como sacrifício e ensinar,pela primeira vez,à humanidade,que se deve saber morrer,que se deve “usar” a morte para fins sociais,morais e até políticos.

É neste passo histórico que se cristaliza o (auto-)sacrifício.Há,no entanto,outra questão,que vai se sincretizar em cristo:o papel educativo e psicológico deste auto-sacrificio.

Enquanto nos estóicos era a resistência à dor ,agora é “ ressurgir”,fazer do auto-sacrifico um meio de espicaçar as resistências psicológicas e superá-las pela continuidade do esforço.

Embora no cristianismo a promessa pelo sacrifício seja o da “ ressurreição”,em termos laicos,nós podemos entendê-la como superação das resistências psicológicas,no que é um modo de (auto-)educação.

Às vezes a crueldade do meio nos ensina,mas não raro,nós mesmos temos que ser cruéis conosco.

domingo, 19 de novembro de 2023

Minha Enciclopédia


 

Enquanto digitalizo a enciclopédia que me formou,conforme eu disse no artigo anterior,alguns dos seus verbetes ,que eu guardo na memória (e no coração),vão ser expostos e explicados aqui,sob estes vários aspectos que eu tenho apresentado constantemente:a influência sobre mim;a emoção;o gozo que é poder aprender com susbtância;a possibilidade de reler muitos destes artigos,ao longo da vida, e ter uma experiência multifacetada nova,acrescentativa e não meramente repetitiva.

Em outros momentos de minha vida, em que narrei a intenção e realizar este trabalho,as pessoas de modo geral viam um exagero em atribuir importância a meros verbetes de dicionários e enciclopédias.

Era motivo de riso e oportunidade para me carimbar com uma suposta incapacidade pessoal de  pensar,de elaborar textos e compreendê-los ,como deve ser o principal atributo de um intelectual profissional.

Mas como o dicionarista Aurelio,eu sempre entendi os termos,os conceitos e definições como um manancial de possibilidades interpretativas e gnosiológicas.Ao ver uma definição  ,a sua decomposição me mostrava um verdadeiro mundo,o qual eu queria seguir,sem poder,porque assim deixaria para trás outros mundos ainda mais sedutores.

Outra  acusação me era feita :aquele que define pura e simplesmente não tem condições senão de “ compreender” superficialmente as coisas e como a libélula,este tipo de pessoa põe a bundinha na agua ,mas não entra nela.

Repito,no entanto,que isto só é válido,esta critica só é válida,para aquele que decora o significado básico da expressão.Aquele que,tendo fundamento filosófico,sabe o que é uma definição,tem chance de ir para a frente,como eu fiz a vida toda e faço agora de modo ainda mais complexo.

Aliás a rejeição atual da definição por parte dos intelectuais “ profissionais” da academia,os “ scholars”,cuja natureza e razão de existir eu já expliquei em outros artigos,é para manter os seus pupilos dependentes destes “ novos sábios”de nossa época,os novos “ mandarins”,porque a difusão da capacidade de definir,permite que qualquer pessoa possa produzir conhecimento,não somente esta casta.


sábado, 18 de novembro de 2023

Corte epistemológico


Eu inicio agora uma nova série,que há muito venho planejando:a série sobre itens e verbetes de dicionários não só de língua portuguesa,mas também dos científicos.

O primeiro item é de filosofia:o famoso corte epistemológico,que é criado  por Gaston Bachelard e que se refere à história da ciência,ao modo como ela é produzida.Segundo ele a ciência se faz por “ cortes epistemológicos”,rupturas constantes entre um saber anterior e outro que nasce de sua crítica,de sua superação.

Contudo,esta conceituação não esgota o problema do “ corte epistemológico”,que tem,como noção polissêmica,vários significados.

Historicamente o corte epistemológico nasce num dos prefácios de Engels ao terceiro volume de O Capital,quando ele compara Marx e Lavoisier,que tinha “ fundado” a química,com o uso da balança.

Esta idéia ,a respeito de Lavoisier, foi propagada por ele mesmo(Lavoisier) e pelo papel cientifico nacional francês que ele desempenhou,ou seja,para conferir um significado decisivo maior à sua contribuição e à de seu país no plano histórico e produtivo de avanço da ciência ,com suas consequencias econômicas conhecidas.

O mesmo queriam Marx e Engels.Mas este “ corte” não existe da forma absoluta que se  pretende:muitas águas rolaram até que pudéssemos nomear uma ciência de química( e olhe lá).

E também a acepção de corte epistemológico que mais perdura na história da ciência é aquele que nos remete à Kant,quando determina que a subjetividade constitui os setores de conhecimento no real.

Às ilusões hegeliano-marxistas, Kant propõe não um conhecimento cientifico geral,mas construído  permanentemente  e aí o próprio conhecimento “ padece” de um movimento  que põe as suas conclusões sempre em xeque ,o que nos faz concluir que há uma ponte entre Kant e Bachelard.

A questão do corte epistemológico, a sua importância capital como problema,está em induzir a todos a pensar que não há conhecimento durável,o que é uma crítica de Hegel(e Marx[?])e sua(-s)aufhebung .

Assunto para um próximo artigo.

sexta-feira, 17 de novembro de 2023

(meus)comentários ao Capital


Prefácio

A decisão de  escrever livros e artigos sobre o capital não é na verdade uma decisão,mas uma imposição existencial complexa.Eu ouço falar do capital,na minha casa,desde o útero.

E quando caí do berço a situação não foi diferente:ouvia meu pai falar do capital,com o livro,como se fosse uma biblia(ele que se preparara para ser pastor),quase todo dia e tinha,às vezes,que parar o joguinho de botão no chão para ouvi-lo explicar a teoria.

Como consequencia,estudei este livro,intermitentemente,a vida toda.E continuo.E talvez o meu fim terreno me colha ainda nestes estudos...

O Capital é um livro enorme,mas dentro do método e das proposições de Marx não passa de um fragmento e os estudos que lhe correspondem provavelmente o são.

Num determinado momento a compreensão se deu inteiramente ,seguindo os passos do autor e este caminho é um caminho intuitivamente idêntico ao processo racional de construção desta explicação,encetado por Marx desde a Miséria da Filosofia.

Levando em conta a mediação da dialética,que segundo Marx conduz o movimento do real e do capital,são duas as pilastras  do estudo do Capital:o método de abordagem e o objeto propriamente dito,o capital.

Mas se levarmos em conta também que o próprio método está eivado de movimento dialético nós poderiamos pensar que em determinado momento o método e a realidade se tocam e é verdade,mas é aí que os problemas aparecem:porque se é assim ,s e há esta continuidade nós teremos que lembrar o caráter dubio da dialética hegeliano/marxista que confunde o modelo explicativo do tempo com o tempo mesmo.Melhor o movimento.

Se há esta interligação  ela é dialética ou temporal?Marx responderia ser um falso problema,mas ela é um modelo de explicação que explica o movimento ou é o movimento  mesmo?A resposta óbvia a esta questão é que o modo de abordagem não se encaixa perfeitamente no real e o investigador tem diante de si uma realidade complexa que ele pensa abarcar coma a dialética,pensando nesta pura adequação.

Como já explicamos em outros textos a dialética não pode ser o movimento,porque se assim fosse as suas “leis” do movimento seriam algo além do movimento,modos de movimento que não seriam leis propriamente ,mas modos somente.

Afirmar estas leis,como absolutas,totais,têm um caráter interpretativo,mas que se arrogam um absoluto,definitivo.

Esta interpretação,mal auto-reconhecida,é o método que não s e interliga com o real,mas que o aborda.

Esta premissa é fundamental para nós analisarmos daqui por diante o Capital e elas voltarão na conclusão.

sábado, 4 de novembro de 2023

Como ler Hegel hoje

 Uma vez que fica estabelecido uma vez por todas que não existe uma dialética no(e do) Ser ou muito menos uma dialética objetiva,como se deve ler Hegel?E porque não Marx?É de se pensar que se aquilo que eles consideravam essenciais nas suas teorias e textos não tem esta validade,todo o sistema rui por terra e é quase isto,mas ,como eu disse,em outro texto,no caso de Hegel,sobra a fenomenologia.

A fenomenologia sobreviveu até aos dias de hoje.Hegel permanece como filósofo por ela,mas Marx ,que se considerava só um cientista, o que sobra dele?

Tratarei agora só de Hegel,depois do outro.Existem autores que abordam aquilo que sobreviveu em Hegel,especialmente a ciência da lógica .Alguma coisa sobreviveu deste livro,que perdeu em grande parte o seu valor ,o seu significado.

Relembrando o que eu disse no outro artigo ,a diferença entre a fenomenologia do espirito e a ciência da lógica  é que Hegel põe na substância do Ser,na sua materialidade,o principio da contradição,como se esta fizesse parte do Ser,de tudo.

A essência do Ser é aquilo que o diferencia de outro Ser ou o põe nos seus padrões próprios,já que não há singularidade.A essência do Ser são os seus atributos distintivos,mas a substância é o seu contato com o mundo,com o Ser ou tudo aquilo que existe.

Inserir na existência a contradição como motor de seu movimento é algo que diferencia o Hegel da fenomenologia  do da ciência .

Porque na  fenomenologia a  interpretação ,a construção de códigos explicativos do real,é permitida,enquanto que na  ciência a adequação entre o discurso e o real é exigido.

Uma das coisas mais geniais de Hegel é dizer que,pela dialética fenomenológica o sujeito não é observador somente do Ser,mas é o Ser,parte dele,no movimento.Só assim entendemos a integração sujeito\objeto na dialética,no movimento dialético.

Contudo,num segundo momento do movimento dialético,no processo do movimento se destaca a sua consciência,que é algo distinto do movimento,embora movimento.Ao fazer esta integração famosa Hegel comete um estupro,porque no real não há um “encaixe”,absoluto.

Aqui assiste razão à Garaudy em dizer que o deus de Hegel não existe e que ele o matou.E há uma semelhança entre esta concepção e as tentativas de Descartes de colocar Deus como garantidor e sustentador das relações sujeito\objeto,dicotomia criada por ele.

O movimento acaba com deus,mas ele não é absoluto,não é um deus também .Hegel  diviniza o movimento,torna-o pensamento mágico,quando o absolutiza.

Sabemos que o que afastou Hegel da fenomenologia foi a visão do imperador Napoleão em Iena,em 1806.Como portador dos princípios e valores da Revolução Francesa,Napoleão representava a comunidade universal,proposta pelos “direitos do homem e do cidadão”.Esta proposta era(e é)para toda a humanidade e o périplo napoleônico “ parecia” incorporar toda a sociedade neste projeto.Pela primeira vez na humanidade uma pessoa encarnava um período,uma época.Daí veio a epocalidade,este conceito que  se traduz na linguistica,entre o sujeito e predicado.

Tal não é verdade,mas parece o ser por causa da dinâmica da época,que era esta luta.Algo mais do que o movimento não era explicável e por isto Hegel se colocou na perspectiva racional de explicar tudo por este seu “ racionalismo{aristotélico}dinâmico[absoluto]).

A linguagem trivial ainda não existia(embora Habermas tenha entrevisto uma possibilidade)e tal limitou a ele e a seus seguidores,como Marx.

Mas a Ciência da Lógica pode ainda ser lida,se retirarmos estes seus elementos substantivos,esta essência contraditória que pretende se integrar num movimento real inexistente .Transformando a ciência numa fenomenologia ou numa interpretação rigorosa ,é possível tirar-lhe algumas lições ainda ,bem como de toda a ciência.