sábado, 13 de março de 2021

O desenvolvimento da dialética

 

A dialética que desemboca em Hegel é uma construção bi-milenar porque ela vem de Platão e dos gregos e chega ao século XVIII.

Neste século XVIII,em que Hegel nasce,avulta em importância o iluminismo alemão,aufklarung (esclarecimento,ilustração).

A dialética de Hegel nasce do seu contato permanente com este iluminismo e mais especificamente das análises que ele faz da autoconsciência do sujeito que luta para superar as suas contradições, a consciência infeliz.Reflexos de Fichte são sensíveis,mas a trajetória de Hegel é sempre mais autônoma ,ampla e isto se vê pleo contato que ele teve com a filosofia de Schelling.

Aqueles que leram o artigo anterior deste meu livrinho sobre Hegel e a formação da dialética notaram que ele haure o seu pensamento de três figuras:Kant,Fichte e Schelling.Só relembrando:de Kant provém a subjetividade autônoma que como interioridade se opõe à exterioridade.Fichte parte daí para afirmar que o movimento se constitui da relação do eu com o mundo,na sua luta para superar a sua resistência.Schelling,no entanto,é o mais importante porque ele admite tanto o eu como a natureza,opostos,no seu sistema.

No fundo,esta oposição moderna é a origem da dialética moderna e hegeliana.

No artigo anterior eu coloquei en passent ,a dialética no mundo antigo e o pano de fundo da época em que estas discussões aparecem.

Se até Kant a questão era “ existe uma filosofia que possa ser feita pela autonomia do indivíduo,ou simples razão?”,depois dele tratava-se de explicar o movimento do mundo ques e mostrava claríssimo,cada vez mais que a ciência atuava.

O senso comum tem como certo,hoje,o movimento físico(e em geral) e que ele foi provado com a atividade de Galileu,mas depois das contribuições do sábio italiano,ainda havia muita dúvida.Robert Hooke outro grande sábio,rival de Newton,publicou um livro tentando ainda prová-lo.

Não se trata aqui de discutir este tema,mas é citado para mostrar como o problema do movimento progressivamente foi mobilizando a ciência e a filosofia.Esta distinção entre ciência e filosofia deve ser guardada,leitor para logo abaixo.

Dentro desta oposição e superando Fichte,Schelling afirma que a natureza é tão importante quanto o eu e que ela fornece,como objetividade,o material necessário para a consciência e para reprodução da consciência e do eu,no plano simbólico,conceito que não vou explicitar agora aqui.

A essência do Eu é espirito(espirito em filosofia não é alma[afeita à religião],mas reprodução simbólica,sentido,um conceito tipico do romantismo,no qual a filosofia de Schelling é gestada).A da natureza é matéria e da matéria ,a força.Força é uma noção que existia em Fichte,mas que Schelling desenvolve.

Como atração a força é materia ,natureza,objetividade;como repulsão é o eu(onde está o espirito e o simbolo,o sujeito).A natureza é uma tendência à dispersão infinita,contida pelo eu ,oposição que gera uma sintese e assim sucessivamente.Qual é o nome disto? Aufhebung ,assimilação-superação,conceito central em Hegel.A dialética surge em Schelling.Pela primeira vez a oposição no discurso admitida por Platão(no contexto de seu parricidio em relação a Parmênides),torna-se endógena,substantiva.Aristóteles adquire um movimento.

Mas neste momento,perceba bem o leitor,nós temos uma dialética entre o eu,o sujeito e o mundo,a natureza,a matéria,mediatizado pela força,que vem do eu no afã de superar a dispersão da natureza.

É nesta hora que as condições para o surgimento de uma experiência humana,para além de Kant e de Descartes,estão dadas.Porque as condições para a integração entre o sujeito e o objeto estão provadas.O sujeito ainda não é objeto autônomo de investigação que justifique considerar a dialética como produto só desta consciência e nem a ciência evoluira para mostrar que a natureza é probabilistica e não fechada,como era vista nestes tempos de Schelling e Hegel,mas nasceram novas entidades neste percurso de Schelling.

Vamos exemplificar:a ciência apresenta ,pelo eu investigativo, as leis da natureza que modificam este eu,na sua relação com ela.

Num outro passo,na estética, na arte,Schelling trata da elaboração de simbolos e hoje nós temos como transformar,pela autonomia do sujeito,capaz de reprodução simbólica(lebenswelt),qualquer coisa em símbolo.Mas trataremos disto em outro trabalho.

Em que medida Hegel acrescenta a esta dialética nascente,para além de sua ampliação,algo mais?Ele pode ser considerado um ne-schelingiano?Por agora eu só posso responder a esta segunda pergunta e é não,porque estes albores da dialética não foram desenvolvidos por Schelling,mas por Hegel e ele não pode ser considerado um seguidor de Schelling.

A mesma coisa não acontece com Marx,em relação a Ricardo e a Hegel mesmo,porque toda a estrutura básica de o capital é colocada por Ricardo e os economistas neo ricardianos.Marx é hegeliano enquanto usa a dialética e não é na medida em que analisa apenas o movimento do real social e não do pensamento e não é neo-hegeliano porque os neo-hegelianos cometiam o mesmo erro de Hegel e esta é uma conclusão importante para o nosso trabalho,o de compreender o mundo real a partir de um modelo pensamental subjetivo,repleto de leis que organizam o real na relação integrativa sujeito/objeto.O mundo real subsiste por si mesmo e a subjetividade adquire autonomia.Nem Hegel,nem Marx tinham condições de entender isto pelas suas limitações de época.O que Marx faz é diluir esta explicação dialética e deixar o mundo em si mesmo,funcionando por si mesmo,que é o que vocifera contra a sagrada família,mas o mundo só é perceptivel pelo sujeito ,que o organiza,para si ,sem negar a sua existência real,objetiva.

Esta digressão é importante para mostrar como Hegel constrói a dialética por si mesmo,no dizer de Jean Hypolite.A dialética é obra dele.A subjetividade e objetividade são tocadas pela dialética,tudo é tocado,porque tudo existe,tudo é o Ser e se apresenta dialéticamente.Quando Marx propõe a inversão da dialética idealista pela materialista,ele está diluindo o pensamento de Hegel e retirando a subjetividade do processo existencial,do Ser em geral,porque como Hegel,o da Ciência da Lògica,pretende fundar uma ciência da filosofia,uma ciência e não mais uma filosofia,vista como mera especulação sem contato com o real.Esta oposição destrutiva(para o pensamento)entre o mundo real e o sujeito,entre a ciência e a ideologia,é o que Marx joga na cara de Bruno Bauer e os outros,mas ao reconhecer os talentos de Hegel,Marx reconhece a descoberta científica da dialética por parte do filósofo de Berlim,somente repudiando o idealismo,mas o idealismo e as idéias fazem parte do mundo,não se opõem à matéria,no que é uma vingança da filosofia clássica alemã em face do materialismo em geral e do histórico em particular.

Esquema da Filosofia clássica alemã de Kant até Hegel,formação da dialética moderna.