terça-feira, 31 de março de 2020

Nietzsche

Esclarecimentos sobre o artigo anterior

Muita gente não entendeu bem o que eu disse no artigo anterior sobre as obras de Nietzsche.Isto porque ao longo de minha atividade de pesquisador deixei ao léu muitas informações sobre o método e em alguns artigos não dá para simplificar sem vulgarizar ou comprometer as explicações.
O Nascimento da Tragédia” é fundamental porque é nele que Nietzsche rompe com a metafísica e com razão identificada com a metafísica.São coisas um pouco diferentes,mas eu não vou tratar disto aqui agora.
Para entender porque juntei razão e idealismo temos que entender o método racional dos gregos,especialmente Platão e Aristóteles,professor e aluno.Porque é sobre esta concepção básica racional dos gregos que Nietzsche irá fazer a sua rutura e construir a sua filosofia.
Em primeiro lugar nenhum saber humano tem condições de abarcar o mundo todo e o tempo.A busca do conhecimento é como perseguir a fuga cósmica e o que o ser humano faz é tocar parte desta fuga.
O mito de Dédalo e Icaro representa,como eu tenho citado constantemente,esta verdade,muito embora ela tenha significados mais éticos do que gnosiológicos,enfatizando mais a busca de uma medida subjetiva no labor,própria dos jovens,do que a questão dos limites do conhecimento.
Os antigos ,e estes de que estamos falando , eram monistas avant la lettre e isto porque ,entre outras coisas,não admitiam o movimento físico e não tinham noção da infintude do mundo,do cosmos,como temos hoje.Um principio único,um logos .
A intenção deles era construir um conhecimento universal ,necessário,que expressasse de algum modo o mundo real e o explicasse .
Para Platão a realidade era mera cópia dos arquétipos ideais e só pela razão e pela ascese da razão que repudia estas cópias para atingir estes modelos ideais, se poderia chegar à verdade,como algo universalmente válido.
O critério de Aristóteles para chegar ao universal é totalmente diferente porque ele parte do mundo sensível para racionalmente encontrar aquilo que é comum a todas as coisas e a todos os seres,deixando de lado o que é acidental,acessório.A ciência do conhecimento para Aristóteles é o estudo do Ser enquanto Ser,das sua leis permanentes internas em suas múltiplas manifestações.Uma unidade na diversidade.
Mas o que ambos os filósofos fazem é construir padrões,conceitos a partir de idéias ,ideações ,idealizações supostamente adequadas ao mundo real,seja ele arquetípico ou real.
Contudo se a razão toca o mundo real,a partir de ideias,não o toca totalmente,fazendo parte do processo de conhecimento racional a idealização do mundo.
O termo idealização tem vários significados,inclusive ético,no sentido de buscar um ideal,uma causa,mas no plano do conhecimento racionalizar o mundo é ideá-lo,idealizá-lo.
Neste sentido eu usei razão e idealismo juntos,já antecipando Nietzsche.
O fim do racionalismo clássico,do século XIX para cá,é uma negativa quanto ao caráter real da razão e de sua obrigatoriedade como modelo de comportamento,no caso próprio de Nietzsche.
No caso de Marx há um projeto anti-metafísico,que não se realiza,como demosntrou Benedetto Croce.Marx pretende pela antropologia do trabalho diluir a metafísica hegeliana,mas se mantém nela afinal e por isso continua no sistema (impossivelmente)fechado.Vou tratar disto nos artigos seguintes sobre o marxismo nietzschiano.
A metafísica se diluiu(não se esgotou)ne medida em que a fuga cósmica se tornou,com o reconhecimento do movimento,algo claro(Kant).
Os sistemas racionais metafísicos do passado foram e são progressivamente analisados segundo esta evidência de diluição,ou seja,percebem-se os elementos cristalinos de idealização presentes na razão.E ficam alguns de seus temas.
A Razão padroniza a vida para dar-lhe ordem e sentido e é aqui que Nietzsche lança a frase fundadora de sua carreira:” A metafísica é a continuidade errônea de um erro inicial”.Pensar que estes modelos são essenciais para manter a consciência no caminho da vida ,no sentido da vida é o que a inviabiliza.
Como um filósofo da vida,Nietzsche diz que a consciência pode se dissociar disto exatamente para estar na vida,para ser vida.
Um exemplo que explicita bem esta situação:o conceito de culpa .
A culpa é uma categoria ,um padrão racional,metafísico,uma realidade além da vida real ,imposta a ela,pelo moralismo , pelo cristianismo.
A consciência não tem porque ,de forma pré-dada ,assumir uma culpa,se não a tem.Entranhá-la em si mesma diminui a potência ,reprime a vontade e distorce a perspectiva.Adoece, diriam os delleuzianos baseados em Spinoza.
A consciência age no sentido da vida,da potência,se deixa de lado esta conexão e repudia a culpa.Por isso em genealogia da moral Nietzsche fala em “ má consciência” ou “boa consciência”,quando respectivamente se conecta com a culpa ou a repudia.
Este ponto é o que motiva Luckács a fazer a relação de Nietzsche com o barbarismo nazista e é um dos fortes exemplos desta verdade.
Mas eu tenho dito coisa semelhante sempre a respeito de Nietzsche e é o que me impulsiona a discutir o marxismo niezschiano ou o contrário o nietschianismo(se é que existe)marxista(antecipado ,parece,por Franz Mehring):o que deve ser repudiado é a sistematicidade fechada ,proposta pelo racionalismo antigo.Diluída, a relação entre a consciência e a razão é inevitável,no plano da experiência.
Não há como não concordar com Luckács de que se não se pode dissociar esta concepção genealógica de Nietzsche de uma visão psicopática da vida,que ,de forma pré-dada,inocenta aquele que impõe dor a outrem ou obriga aquele que sofre a banalizá-la.É como se o torturador não tivesse culpa e o torturado não pudesse procurar justiça,no afã de ser vital .
Quando comecei os meus estudos sobre Nietzsche ,há muitos anos,pensava que esta perspectiva era referenciada a um sistema de valores éticos(não morais)que separa de vez a consciência(valor[hierarquia de valores])da moralidade(razão[metafísica])e que,portanto,o comportamento ético(não moral)impunha uma consideração do outro(do sofrimento do outro)como atributo inarredável do valor:a estimação do (sofrimento)do outro é a da dor de si mesmo.Se eu mesmo não sofro não há porque não considerar a do outro como algo de mim mesmo,mesmo que não venha(não há dialética).
Ao ler no livro do filósofo as célebres diatribes de Nietzsche contra os fiéis que saíam da Igreja sem se modificar interiormente(tão ao gosto de meu mestre leonardo boff e dos cristãos de esquerda)pensava numa empatia psicológica e axiológica com o outro ,mas ,embora,tenha dúvidas ainda,dos textos,não se há de depreender isto não.A má e a boa consciências o são na medida em que ela se favorece,se potencializa.
Ao exigir dos corintios a lembrança do sofrimento de Cristo na cruz,como dogma essencial da prática cristã verdadeira(no entender dele)São Paulo falseia a culpa,Nietszche tem razão: não é a humanidade toda que é culpada ,mas aqueles que estiveram lá e cometeram o crime da crucifixão.É a história da música do Biquini Cavadão “ eu não matei Joana Darc”.A lembrança,porém do sofrimento,enquanto permanece no presente,é uma exigência,compassiva,da empatia necessária ao bem,considerado em termos genéricos,não em termos do que vai além do bem e do mal.
Se o sofrimento tivesse sido já extirpado nem à história interessaria abordar o sofrimento do passado,a não ser como lembrança,memória,no sentido de advertência que o filósofo Max Scheler usou quanto ao nazismo.A não ser como análise permanente e defensiva de futuras re-voltas do passado.Como um mlitar que estuda as possibilidades futuras de ataque para se defender e aos seus.
Nietzsche propõe uma filosofia da vida que só se sustenta no presente(o nascimento da das-ein,do presente em Heidegger?),porque o passado não importa e o futuro não chegou.Ou não chega se não for presente.Quando chega já não é.
Mas eu entendo que ,pelas razões supraditas,passado,presente e futuro estão interligados(tempo tribio em Santo Agostinho).Para o cristão a memória(do sofrimento[de cristo])é um dogma de comportamento,mas para um agnóstico como eu,nos termos acima,o futuro orienta o presente e rearranja o passado,na medida em que ele não mais se repete no presente,sendo este presente a condição da utopia(futuro).
E se a razão idealiza ,Nietszche,também,de outra forma,como explicarei no próximo artigo.

domingo, 29 de março de 2020

Nietzsche

o estudo das obras

Volto aqui para analisar a obra de Nietzsche ,sempre levando em conta algo de novo a apresentar.Este algo de novo pode ser algumas pedrinhas,algumas coisas,como dizia Heidegger.
Na floresta negra Heidegger recebia alunos e lhes dizia que o mais importante era tirar da leitura dos livros alguma coisa que fosse nova.Quando tomei conhecimento deste “ método” pela primeira vez achei(e ainda acho)que isto era um truque para os professores impedirem um vôo mais livre dos alunos,vôo que os ameaçaria em suas posições.Naquele contexto eu ainda acho isto,mas ,hoje,como pesquisador,entendo que buscar estas pedrinhas é um possível começo para uma viagem mais audaciosa.
Assim sendo muito já se disse a respeito de Nietzsche mas o que seria novo na sua abordagem?Na sua obra?
Os estudos sobre a obra de Nietzsche devem começar pelo inicio,porque toda ela é importante.Desde o “ Nascimento da Tragédia” até o “Livro do Filósofo”,tudo se aproveita,tudo pode dar origem a reflexões importantes.
Começando do começo,a distinção entre o apolineo e o dionisíaco apresenta diversas possibilidades não só de interpretação mas de consequencias possíveis.
Chamo de consequencias possíveis ideias que derivam do discurso ,qualquer que seja ele,que ,inclusive,não são percebidos pelos autores.
Há críticos que deploram esta minha atitude,mas os discursos bem fundamentados são sempre aqueles que possuem este condão de potencializar outros fundamentos e concepções,a ele subjacentes.
Aliás muitos doutores são preparados exatamente para isto.Distinguindo aquilo que o autor disse do que o intérprete descobre,é perfeitamente legitimo tirar outras conclusões.
No que diz respeito a esta distinção entre o apolineo,a razão, e o dionisiaco,a emoção,digamos assim grosso modo ,Nietzsche a faz para priorizar o segundo e realizar o questionamento da razão abstrata que nada tem a ver com o mundo real.
Era uma questão cada vez mais forte no século XIX,deixar de lado a Grécia Clássica para utilizar criadoramente outros periodos do helenismo.Basta pensar num Gauguin para ver como isto era influente neste século referido.Gauguin não usava os modelos clássicos e hauria dos periodos arcaicos da Grécia os elementos de sua arte,considerada discutivelmente naif (primitiva,ingênua),mas verdadeira,autêntica.
Num século também cada vez mais cientificista a reação existencialista de um Kierkegaard;a reação da psicologia e da arte apontam uma saída para os impasses da razão e Nietzsche se imbrica com este movimento geral,discutivelmente chamado de irracionalismo .
A filosofia da consciência posta por Nietzsche só é irracionalista no sentido de que rompe de vez com a razão,no sentido de uma explicação modelar da vida e da sociedade, em favor de uma realidade concreta,real,positiva,potencial,que,não prescinde ,de fato, da razão(como vou explicar mais abaixo).
A rutura entre a consciência e a razão é algo de extremamente irreal e marca uma postura de recusa ideológica de parte do mundo,fundando um desinteresse egoístico pelo ideal.
As mesmíssimas críticas que faço ao marxismo(especialmente Althusser),faço-as à Nietzsche e não é à toa que um certo marxismo nietzschiano surgiu na década de 60,mas que já tinha sido anunciado por Franz Mehring(citação de Luckács em “ A Destruição da Razão”).
Vejo uma similitude(aqui está a minha pedrinha de Heidegger)entre esta visão de Nietzsche e o anti-humanismo teórico de Althusser(discutivelmente aplicavel a Marx):ambos procurando ver só o mundo real se desfazem supostamente de toda a razão e idealismo .
O mito racional fundante do ocidente é o de Dédalo e Icaro:o esforço de idealização conduz à morte e então há que viver no mundo real.Se o sól é inalcançável fiquemos no chão.
Da mesma forma, falar ,como Cristo, em “ Amai-vos uns aos outros” é uma idealização impossível de realizar(eu vou tratar deste tema mais abaixo).
È como as pessoas que dizem “ Há que ser mais humanos”,sem perceber que dentro da humanidade existem os bons,como São Francisco de Assis e os maus ,como Hitler.
De novo ,a solução desta contradição é Kant:dizer que se deve ser “ mais humano” significa defender a sua existência ,a sua permanência(da humanidade),ou seja,a permanência do bem,que se identifica com a defesa da vida,sendo o mal a sua destruição.È o que se depreende do texto de Kant “ A religião nos limites da simples razão”.
Isto é uma idealização porque não se identifica ou adequa com o mundo real,mas induz um esforço para mudar o real.O problema de Icaro é só a imaturidade,mas o seu desejo é mais que legitimo e autentico.
O virar as costas à razão de Nietzsche é uma decisão que baseia-se na falsa concepção de que há esta separação e a consciência.Se é certo que a razão,através do moralismo,se impõe indevidamente,o é também a recusa da consciência.Mas não será esta uma postura moralista,quer dizer,a crítica a esta recusa?
Viver a sua existência,despreocupadamente,como Ivan Karamazov, não é também potencializar a vida?Ou o engajamento no viver com os outros, na luta pelo bem da humanidade,esta abstração,não o é mais?
A visão(visada)do mundo real,do chão,de dédalo ,falseia a realidade,torna-se consciência falsa,(ideologia)porque não reconhece os nexos inevitáveis entre a consciência e a razão e a idealização,que,na experiência humana,não se rompem.
A questão ética do individualismo eu vou discutir no próximo artigo “ As razões de Nietzsche”.

sexta-feira, 13 de março de 2020

Alienação

A escolha da objetalidade

Entendi ser necessário esclarecer ainda mais a escolha do termo “ objetalização” para falar sobre este tema.No tempo de Marx (e Hegel)a questão da alienação ainda não tinha se espraiado para diversos ramos da vida social e do saber consequentemente.Ela se mantinha no plano geral filosófico da existência,do Ser.O problema é o Ser alienado,mas a alienação fazia parte(como faz ainda hoje)parte do ser Humano,no seu contato com o mundo(natureza)e consigo próprio,nas relações sociais(Ideologia Alemã).
Neste primeiro momento em que o movimento das coisas passa a ser um problema filosófico e sociológico, as inúmeras mediações possíveis deste dois saberes,que correspondem às mediações possíveis do real,ainda não eram conhecidas ou ainda estavam em um momento incipiente de abordagem.
É o caso da antropologia,da psico-sociologia,do estudo da sexualidade(que está na psico-sociologia),a aplicação sobre as artes ,enfim uma pletora de conhecimentos a serem adquiridos e que o foram e o são até aos dias de hoje.
Mas ,assim como Marx afirmava que a anatomia do homem explica a do macaco,dentro de sua visão da totalidade(tema que vou abordar mais proximamente),a presença atual destes novos saberes explica muito do passado,do movimento,nos seus albores inclusive.
Como qualquer conceito,estes,da alienação e do fetichismo da mercadoria,têm uma temporalidade e uma história,porque eles se amplificam e se especificam continuamente.
Como eu disse no artigo anterior e faço questão de repetir, este conceito importantíssimo de fetichismo não suprimiu o de alienação.Leandro Konder em seu “ marxismo e alienação” provou-o.O que Marx disse é que o processo objetivo da alienação e dialeticamente,desalienação, não se faz integralmente pela consciência subjetiva mas pela inserção desta mesma subjetividade no processo mágico fetichista do capitalismo onde predomina a “ vendabilidade universal”.O processo irresistivel de tudo ser transformado e ter esta condição potencial ,em mercadoria.
Eu pessoalmente,como outros e inclusive por causa destes referidos outros saberes nascidos depois da contribuição de Hegel e de Marx, acho que existem fraturas,aberturas subjetivas no plano pura e simples da alienação(que analisarei proximamente também ).Mas Marx tem razão em dizer que ,em grande parte, a desalienação só se dará quando se freiar ou superar a tal vendabilidade.
Para os fins,contudo,deste artigo,me atenho a estas aberturas subjetivas para explicar e provar a hipótese proposta no titulo:não digo que só com a subjetividade se possa ultrapassar ou transcender(kantianamente)a alienação e muito menos o fetichismo,mas ,nos interstícios do modo de produção capitalista,passando por cima das pessoas,há uma real possibilidade de frear a vendabilidade ou mesmo diluí-la,no cotidiano,na vida,em determinados lugares , com isto apontar para um futuro.Há uma resistência factivel.
O subjetivo só se constitui na relação cartesiana de sujeito/objeto.A auto-consciência se dá nesta relação.No seu momento fundante(da auto-consciência)a subjetividade percebe quando e porque não (se-)dirige a si mesma e a seu corpo([objetividade]onde está a existência[não dirige a sua existência inclusive]),na medida em que os critérios objetivos,fetichistas ,sociais(no aspecto distorcido do fetichismo e da vendabilidade)se impõem a ela.
É nesta dicotomia sujeito/objeto que se une o processo inicial de compreenção da alienação com as novas mediações sociais aparecidas posteriormente e que só tendem a crescer:a psico-sociedade,a sexualidade,a antropologia(questões de preconceito,etnias),por isto não só escolhi este termo,como entendo ser ele obrigatório para resumir toda a problemática.E também porque inclui estas supraditas aberturas,que admitem uma desalienação neste nível subjetivo,ainda que não no plano geral,social,no interior do modo de produção.
Vou dar um exemplo brasileiro disto que acabei de dizer:Anitta quando expõe o seu corpo na midia pensa estar empoderando a mulher(é o seu discurso) e ela,não sentindo culpa nenhuma(inlcuido a culpa católica),é auto-consciente deste “ dever” com seu gênero,mas até que ponto ,eu pergunto,o empoderamento pelo corpo não induz ,em mulheres menos conscientes do que ela,a objetalização do feminino e não induz também a “ vendabilidade”,transformando o corpo em mercadoria,sem falar na indução à sua manipulação,inclusive sexual?
Por isto uso ,nestes meus artigos,este elo,o da objetalização,que é só uma especificação da alienação e do fetichismo(da mercadoria,mas não só,veremos depois)

quarta-feira, 11 de março de 2020

A alienação

No sentido que lhe é dado por Marx, ação pela qual (ou estado no qual) um indivíduo, um
grupo, uma instituição ou uma sociedade se tornam (ou permanecem) alheios, estranhos, enfim,
alienados [1] aos resultados ou produtos de sua própria atividade (e à atividade ela mesma), e/ou [2]
à natureza na qual vivem, e/ou [3] a outros seres humanos, e – além de, e através de, [1], [2] e [3] –
também [4] a si mesmos (às suas possibilidades humanas constituídas historicamente). Assim
concebida, a alienação é sempre alienação de si próprio ou autoalienação, isto é, alienação do
homem (ou de seu ser próprio) em relação a si mesmo (às suas possibilidades humanas), através dele
próprio (pela sua própria atividade). E a alienação de si mesmo não é apenas uma entre outras
formas de alienação, mas a sua própria essência e estrutura básica. Por outro lado, a “autoalienação” ou alienação de si mesmo não é apenas um conceito (descritivo), mas também um apelo
em favor de uma modificação revolucionária do mundo (desalienação).”
O trecho acima tirado do dicionário Bottomore de marxismo nos dá condições de analisar este conceito importantíssimo.Este artigo integra estudos preparatórios de um livro que estou terminando sobre a alienação,para reunir de vez as minhas conclusões sobre este tema.
No passado tomei contato com uma discussão decisiva lendo o livro de Leandro Konder “ Marxismo e Alienação”,sobre se Marx havia deixado de lado o conceito de alienação pelo de fetichismo da mercadoria.A alienação pela reificação ou coisificação.Diriam os psicólogos,objetalização.Mas na verdade todos estes termos indicam ,por sua polissemia,os diversos e distintos conceitos envoltos no termo alienação.
Sob um prisma dialético,sob uma lógica dialética ,talvez houvesse uma carapaça rigida que facilitaria a nossa compreensão do fenômeno,mas e a polissemia contribui para isto,a consciência da alienação introduz um caos no processo de seu entendimento.
Se a consciência da alienação não desaliena ,o fenômeno se impõe à humanidade?
Se alguém objetaliza o outro,digamos,um homem que só considera a mulher a partir de seu corpo ou um homem branco que considera uma raça inferior à sua (modos [sociais]de objetalização])e busca manipulá-la tal objetalização não é problema para ele e o é para quem é objetalizado somente na medida em que ela se traduz em formas de manipulação ou exploração(escravidão).A construção ,por parte do negro,de sua auto-estima,o mais decisivo passo subjetivo de superação desta objetalização que lhe é social e psicologicamente imposta considera esta imposição,mas a transcende ,porque se assim não fosse,a inevitabilidade da dominação seria confirmada,confirmando o preconceito,restando os processos sociais de objetalização,objetivos,de fato,como a excludência.
Existem modos de alienação.Eu escolhi a objetalização porque serve aqui melhor aos meus propósitos iniciais de exposição do problema,mas tratarei dos outros no artigos seguintes.
Já ,acima,pus o problema:a consciência desaliena?Ça depend !O processo de alienação se dá na relação com o mundo e consigo mesmo.Na relação consigo mesmo avulta em importância relação com a subjetividade e nesta mediação a auto-consciência desaliena,como nós vimos acima em que a alienação significa alinear-se das suas próprias capacidades,que não são reconhecidas(ainda)pelo sujeito.E também no que tange à consciência de algo que o separa de algo que é seu,pode sofrer desalienação se for possível ,como vimos nos exemplos supra-citados,mas estes mesmos exemplos demonstram que não é possível superar a alienação social,a exclusão,pela consciência,mas pela atividade social(politica[militância]),que não resulta de modo imediato.
Assim sendo quero deixar claro que o processo de alienação não obedece a uma lógica fechada(dir-se-ia dialética)em que tanto a consciência e a relação com o mundo seguem um esquema rigoroso,monista ,pelo qual se constrói uma regra de desalienação,mas depende das condições empiricas complexas do mundo em que a desalienação ocorre ou não,ocorre e retorna,se mantém ou se dilui,fatos que eu vou abordar proximamente.

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domingo, 8 de março de 2020

Massacrados de todos os países uni-vos.



Há anos passados era muito mais fácil ser caridoso e falar com e dos pobres e miseráveis.Tal tradição começou com o livro de Vitor Hugo,do mesmo nome,mas depois do fim do comunismo e com todos os episódios terríveis destes ismos modernos,imperialismo,comunismo,fascismo,os pobres e miseráveis,ficam,no mínimo,desconfiados destas intenções,muitas vezes,realmente,auto-promocionais,de ajuda,de caridade.
Fui criado com estes valores de auxilio e preocupação com os desvalidos,mas recebi em troca não flores, mas pedradas:classe média,área de conforto,egoista,brancão e a minha perspectiva passada,naturalmente,teve que mudar,não no sentido de deixar de lado os que sofrem,mas de recolocar a minha relação com eles.
E fiz isto colocando algumas mediações entre mim e eles.Já que o transporte emocional,piedoso ,não serve,sendo rechaçado,fundamentei a minha preocupação emocional piedosa no direito de exigir dos governos que o meu dinheiro pago em impostos solucione estes sofrimentos.Isto tirei de Hannah Arendt,cuja visão do papel do dinheiro mudou a minha antiga rejeição:vivemos num mundo em que o dinheiro move montanhas e facilita soluções.A rejeição pura e simples do dinheiro,aliás,é muito conveniente para os poderes politicos dominantes(à esquerda e à direita),que transitam bem entre cidadãos desinteressados.O contato com o mundo real é muito necessário.
Lutero é o primeiro a formular este conceito,na medida em que preconizou o enfrentamento do mal,em vez de sua recusa.Mas o enfrentamento do mal(na figura do diabo),é o reconhecimento do mundo,como lugar de glorificação divina.O mundo se torna um lugar de participação,de auto-transformação.E é o lugar onde estão os pobres,os oprimidos e os miseráveis.
A mediação do dinheiro é sempre rejeitada por separar o homem do homem:do cristianismo a Marx,de Rousseau a Nietzsche,não há mediação nenhuma,como condição de uma humanidade autêntica,mas as obras humanas,as relações humanas concretas pedem o reconhecimento da realidade ,mesmo que o universo futuro imaginado(imaginário[utopia])seja o melhor dos mundos.
O modo de relacionar-se com o mundo é a estrada da utopia.
Não há como construir um mundo ideal da noite para o dia.É uma ilusão de Lênin pensar num mundo sem dinheiro,no tempo de uma geração ou duas e a relação com o dinheiro não é uma aceitação do sistema da capitalista e dos regimes de exploração que passaram aí pela história.
É um passo necessário para realizar as transformações que um dia,talvez,prescindam dele.
O modo de relacionamento é que define s e estamos na estrada da utopia ou se tornamos o dinheiro finalidade.Finalidade em si mesmo.Como atividade-meio o dinheiro é chamado a ajudar na solução destes imensos problemas sociais,que nos aparecem como dramas humanos cotidianos.Depois é possível discutir esta diabolização do dinheiro tão cara aos comunistas e aos católicos e se ele deve ser suprimido.
Os textos que pretendo colocar aqui sobre estes dramas serão mediatizados por esta visão pessoal do dinheiro,mas de modo a mostrar que as pessoas são a atividade fim,não o meio.