Os
gregos(livres)com sabemos passavam o dia cuidando do corpo e da beleza. No
livro do filósofo,um dos últimos de Nietzsche ,ele faz acerbas críticas à Sócrates,quanto ao seu posicionamento diante
desta atitude dos gregos(livres).
Na
busca pela “ verdade”,pela” justiça” ,Sócrates,segundo Nietzsche, teria
“inventado” a metafísica,como “verdade “ abstrata que “orienta” a conduta dos
homens.O Bem e o Mal definidos previamente,sem consideração do individuo,da
perspectiva subjetiva.
Esta
afirmação feita no fim da vida o remete(e a nós)ao começo da sua atividade
criativa e crítica em relação à metafísica,quando escreveu “O Dionisiaco e o
Apolineo na Tragédia Grega”(1871):o racionalismo nasce exatamente neste momento
socrático,o nascimento da consciência,da ética a ela associada,sobrepassando o
ethos individual,tido por ele como legítimo,real,verdadeiro de fato.Os
gregos,num determinado momento,deixaram de lado o dionisíaco adotando a
racionalidade apolínea,deixando as manifestações legítimas de bem-estar pela
explicação,pela consciência,pela racionalidade e moralidade do Deus da “Luz”.
Não
se trata disso,para Nietzsche,de seguir uma verdade,mas “criar” a
sua,independemente dos esquemas racionais universais e abstratos.O
concreto se sobrepõe ao abstrato.A
afirmação,apotenciação sobre a explicação e a busca de modelos.
Na
minha perspectiva ,já exposta em outros artigos passados,é possível ,na
experiência humana ,juntar estas duas coisas,o abstrato e o concreto,mas não
há como negar que este último é real e o
abstrato depende dele.
O
corpo é real e o pensamento dele depende,não havendo porquê submetê-lo
obrigatoriamente a critérios racionais que o limitem nas suas atribuições
afirmativas(potenciadoras).
Neste
sentido e como crítico,Nietzsche tem razão e eu aplico os
seus “ valores” ao problema de classes e ao problema da belezacomo fazia
Nietzsche).
Os
gregos(livres)buscavam permanentemente a beleza do corpo,pelos seus cuidados e
isto era um atributo possível do aristocrata ,que desfrutava do “ otium cum
dignitate”(se existe neste caso “ dignitate”).
Superada(em
termos)esta divisão de classes(senhores e escravos),o modo de ser aristocrático
só foi resgatado pela figura de Monstesquieu,fundando na teoria dos “ melhores”
os fundamentos da representação moderna,contra a democracia direta:só os mais
capazes devem dirigir o estado,porque nem todos estão aptos ou vocacionados
para tal,para a política.A critica socialista acusou as benesses injustas concedidas
aos aristocratas,inquinando-as de se valer da exploração e dos privilégios. A
condição da beleza e qualificação da aristocracia adviria desta fonte ilegítima
.Uma beleza social injusta,que deveria ser
extendida a todos(pelo socialismo,comunismo).
Nietzsche
oferece uma possibilidade desta distribuição sem recorrer a estes esquemas socialistas
supostamente “populares”, num tempo em que a falta dele é a regra,pois
mesmo a aristocracia,depois da Revolução
Francesa,achou por bem trabalhar(sem necessidade e por fins políticos de “
igualação” com a classe operária cada vez mais rebelde):a postura “ ética “,no sentido da perspectiva
subjetiva,de potenciação do corpo,de asserção,de afirmação(os positivistas
diriam psicologia positiva )gera beleza,gera
bem-estar e o que se quiser de bem.O cuidar-se permanentemente, e não
necessariamente do corpo, é uma postura social aristocrática,na medida em
que a escolha de fazer é ,de algum modo factível(por
todos).
A
postura plebéia ou religiosa se baseia no despojamento(humilde)frente à vida e
conduz a um inevitável descaso consigo próprio.
Mas
não é só isso, e aí nós retornamos à crítica de Nietzsche a Sócrates.A
preocupação com o pensamento(ao invés da existência,do agir,do “
ethos”)desmobiliza quanto ao corpo,sede do bem-estar.
Não
há razão para crer que o acesso ao tempo livre ,social(aristocracia e
burguesia)seja a condição disto,pois o homem comum tem também os elementos para
fazer esta escolha.
A
escolha aristocrática(ou burguesa)é aberta a todos.Escolha implica em
elegância,pois a etimologia da palavra a conecta com a escolha,o ato de
escolher.
O
pensamento anti-burguês de Nietzsche se revela também aqui:a mediação do
dinheiro como base psicológica daquele que o ganha (ou produz?)o perverte ainda
mais,perturbando a finalidade da escolha,que é o bem-estar de si mesmo e não um
ato obsessivo,externo,que o abarca e domina(e define).
Clodovil
Hernández dizia que há pessoas que nascem em “ grandes famílias” que não
conseguem nem andar direito,enquanto que outras,nascidas nas comunidades, podem
“ cair” num palácio que não se sentem estranhas(como as porta-bandeiras das
escolas de samba...).
Nietzsche
exagerava um pouco(não sei o que é exagerar um pouco...)ao intentar ver na
atitude pessoal metafísica de Sócrates os motivos de sua proverbial feiúra
fisionômica(que seria a causa,para alguns comentadores gaiatos, do “ ódio” de
sua esposa Xantipa).
Nietzsche
chegou a usar os erradíssimos e preconceituosíssimos critérios nosográficos
penais de Cesare Lombroso para estabelecer tal elo entre falta de beleza e
racionalidade extrema.
No
final a conclusão é que apesar da realidade concreta das classes sociais ,as
suas posturas básicas e psicológicas impulsionadoras, são utilizáveis por
outros setores sociais,porque a psicologia transcende às classes.Os sentimentos
não são de classe.