segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Autobiografia I


É realmente uma pretensão fazer uma autobiografia,uma pessoa comum como eu.Mas ao longo da vida,com as experiências vividas por mim dentro do movimento comunista e na relação com todas suas contradições,que me atingiram pessoalmente na vida familiar,não pude deixar de colocar esta possibilidade.
Isso foi se consolidando há muito tempo,mas num preciso momento em que vi esta foto


de Stalin carregando a filha caçula,Svetlana Aliluyeva,filha do segundo casamento do ditador com Nadia Aliluyeva(que supostamente se suicidou em 1932 diante do começo da sanha incontida de Stalin),me decidi.
Foi como se eu me achasse repentinamente,nestes anos de lembranças e memórias,no chamado “ círculo  hermético” de Goethe,um conceito emitido por ele ,segundo o qual algumas pessoas,no mundo,mesmo que não se conheçam,participam ou compartilham sentimentos,sensações,idéias,valores,coisas que as unem de maneira às vezes indelével,como os amantes que se conhecem e constróem o famoso “ amor à primeira vista” tão negado,mas que existe.
Os espiritas explicam isto de maneira evidentemente diferente,mas ,de qualquer forma,o efeito é o mesmo,o de mostrar afinidades eletivas(romance de Goethe em que ele define estas idéias)entre pessoas que não se conhecem.
Após uma infância e,porque não?,parte da vida adulta,de contato com todo este contexto impositivo,agitativo,do stalinismo,primeiro venerado e depois repudiado,a figura de uma menina,carregada pelo elemento fonte/cristalização de todo ele,me desencadeou sentimentos de pertencer ao  mundo,não da maneira que eu achava,como parte do movimento que iria dominar o mundo e construir a Utopia,mas como parte da humanidade em seus descaminhos,esperanças e desilusões.
Assim como esta menina viveu  a alegria da infância com um “ herói” eu também.Assim como teve que encarar a realidade na vida madura,eu também e aí ficou claro que escrever sobre mim não significava narrar fatos pessoais,mas as relações de uma pessoa comum com um fenômeno histórico complexo,que me atingiu tanto quanto a outros em outros lugares que se  sentiram instados,como eu agora, a expressar o significado deste contato.
Na verdade é uma tentativa(como a maioria da dos outros)de percorrer o caminho psicológico que vai da exultação para a melancolia,da infância solar para um fim de vida cheio de desolação.



Nietzsche e a beleza



Os gregos(livres)com sabemos passavam o dia cuidando do corpo e da beleza. No livro do filósofo,um dos últimos de Nietzsche ,ele faz acerbas críticas à  Sócrates,quanto ao seu posicionamento diante desta atitude dos gregos(livres).
Na busca pela “ verdade”,pela” justiça” ,Sócrates,segundo Nietzsche, teria “inventado” a metafísica,como “verdade “ abstrata que “orienta” a conduta dos homens.O Bem e o Mal definidos previamente,sem consideração do individuo,da perspectiva subjetiva.
Esta afirmação feita no fim da vida o remete(e a nós)ao começo da sua atividade criativa e crítica em relação à metafísica,quando escreveu “O Dionisiaco e o Apolineo na Tragédia Grega”(1871):o racionalismo nasce exatamente neste momento socrático,o nascimento da consciência,da ética a ela associada,sobrepassando o ethos individual,tido por ele como legítimo,real,verdadeiro de fato.Os gregos,num determinado momento,deixaram de lado o dionisíaco adotando a racionalidade apolínea,deixando as manifestações legítimas de bem-estar pela explicação,pela consciência,pela racionalidade e moralidade do Deus da “Luz”.
Não se trata disso,para Nietzsche,de seguir uma verdade,mas “criar” a sua,independemente dos esquemas racionais universais e abstratos.O concreto  se sobrepõe ao abstrato.A afirmação,apotenciação sobre a explicação e a busca de modelos.
Na minha perspectiva ,já exposta em outros artigos passados,é possível ,na experiência humana ,juntar estas duas coisas,o abstrato e o concreto,mas não há  como negar que este último é real e o abstrato depende dele.
O corpo é real e o pensamento dele depende,não havendo porquê submetê-lo obrigatoriamente a critérios racionais que o limitem nas suas atribuições afirmativas(potenciadoras).
Neste sentido e como crítico,Nietzsche tem razão e eu   aplico os seus “ valores” ao problema de classes e ao problema da belezacomo fazia Nietzsche).
Os gregos(livres)buscavam permanentemente a beleza do corpo,pelos seus cuidados e isto era um atributo possível do aristocrata ,que desfrutava do “ otium cum dignitate”(se existe neste caso “ dignitate”).
Superada(em termos)esta divisão de classes(senhores e escravos),o modo de ser aristocrático só foi resgatado pela figura de Monstesquieu,fundando na teoria dos “ melhores” os fundamentos da representação moderna,contra a democracia direta:só os mais capazes devem dirigir o estado,porque nem todos estão aptos ou vocacionados para tal,para a política.A critica socialista acusou as benesses injustas concedidas aos aristocratas,inquinando-as de se valer da exploração e dos privilégios. A condição da beleza e qualificação da aristocracia adviria desta fonte ilegítima .Uma beleza social injusta,que deveria ser  extendida a todos(pelo socialismo,comunismo).
Nietzsche oferece uma possibilidade desta distribuição sem recorrer a estes esquemas socialistas supostamente “populares”, num tempo em que a falta dele é a regra,pois mesmo  a aristocracia,depois da Revolução Francesa,achou por bem trabalhar(sem necessidade e por fins políticos de “ igualação” com a classe operária cada vez mais rebelde):a  postura “ ética “,no sentido da perspectiva subjetiva,de potenciação do corpo,de asserção,de afirmação(os positivistas diriam psicologia  positiva )gera  beleza,gera bem-estar e o que se quiser de bem.O cuidar-se permanentemente, e não necessariamente do corpo, é uma postura social aristocrática,na medida em que  a escolha de fazer é ,de algum modo factível(por todos).
A postura plebéia ou religiosa se baseia no despojamento(humilde)frente à vida e conduz a um inevitável descaso consigo próprio.
Mas não é só isso, e aí nós retornamos à crítica de Nietzsche a Sócrates.A preocupação com o pensamento(ao invés da existência,do agir,do “ ethos”)desmobiliza quanto ao corpo,sede do bem-estar.
Não há razão para crer que o acesso ao tempo livre ,social(aristocracia e burguesia)seja a condição disto,pois o homem comum tem também os elementos para fazer esta escolha.
A escolha aristocrática(ou burguesa)é aberta a todos.Escolha implica em elegância,pois a etimologia da palavra a conecta com a escolha,o ato de escolher.
O pensamento anti-burguês de Nietzsche se revela também aqui:a mediação do dinheiro como base psicológica daquele que o ganha (ou produz?)o perverte ainda mais,perturbando a finalidade da escolha,que é o bem-estar de si mesmo e não um ato obsessivo,externo,que o abarca e domina(e define).
Clodovil Hernández dizia que há pessoas que nascem em “ grandes famílias” que não conseguem nem andar direito,enquanto que outras,nascidas nas comunidades, podem “ cair” num palácio que não se sentem estranhas(como as porta-bandeiras das escolas  de samba...).
Nietzsche exagerava um pouco(não sei o que é exagerar um pouco...)ao intentar ver na atitude pessoal metafísica de Sócrates os motivos de sua proverbial feiúra fisionômica(que seria a causa,para alguns comentadores gaiatos, do “ ódio” de sua esposa Xantipa).
Nietzsche chegou a usar os erradíssimos e preconceituosíssimos critérios nosográficos penais de Cesare Lombroso para estabelecer tal elo entre falta de beleza e racionalidade extrema.
No final a conclusão é que apesar da realidade concreta das classes sociais ,as suas posturas básicas e psicológicas impulsionadoras, são utilizáveis por outros setores sociais,porque a psicologia transcende às classes.Os sentimentos não são de classe.

quinta-feira, 9 de agosto de 2018

Marques de Sade II

Amigos ,conforme eu já disse os meus textos sobre o Marquês de Sade são provados.Só com o pedido dos possíveis leitores eu os forneço.Este agora Marquês de Sade II crueldade fraternal,está já disposição

terça-feira, 7 de agosto de 2018

Pais e filhos III


A questão da “ saída dos filhos de casa”,é sempre obscurecida por discursos,simulacros e moralismo ,já que a verdadeira motivação é sexual e erótica.É o fulcro do conflito de gerações.Os pais,reprimidos,antes, na família, se vêem diante de filhos na flor da idade e com uma vida pela frente.Então surgem as justificativas para reprimir,cuja base é o ressentimento,o recalque.
A relação dinheiro/poder,a preservação da continuidade da espécie,a maior experiência dos mais velhos,tudo aparece para esconder a plenitude dos filhos e o ressentimento dos pais,que já foram jovens e que não admitem romper com estes elos perversos que percorrem a história da humanidade.
Esta foi a ordem da humanidade até ao surgimento da sociedade moderna industrial,mas mesmo nesta em que o projeto contém destruição destas cadeias,o processo de libertação não é fácil.
O momento mais radical de tentativa de libertação, foi a década de 60 do século passado,mas os seus efeitos desejados estão longe ainda.Formou-se uma relativa consciência desta realidade,que permeia os pais e os filhos,mas o que continua é a realidade das formas diretas,tradicionais ,de repressão,bem como as indiretas.
No passado a constituição da família dos filhos garantia uma saída sob controle,mas hoje se quer o mesmo,sem ser possível,em face do desemprego,da falta de trabalho,da falta de perspectiva de gerações tomadas pela droga.
Dentro deste contexto a exacerbação da pedofilia não é só um fato da exposição única em nossa época, do problema,mas a constatação de que sempre foi assim.
O livro famoso de Diderot “ A Religiosa” já demonstrava que as vocações de sacerdócio impostas eram geradas pelo desejo de reprimir a sexualidade dos filhos.Um dos aspectos da reforma protestante foi liberar mulheres confinadas em mosteiros.E assim por diante,as épocas vão sofisticando os meios de repressão.
Sim,a pedofilia é uma forma de repressão sobre os filhos,uma forma de não encará-los ,de não reconhecê-los,de atribuir a responsabilidade de procriação aos poderes deste mundo,que tornam o sentimento familiar e amoroso como parte da engrenagem.O bastardismo  é um fenômeno psíquico,à disposição dos pais,que só reconhecem os filhos se estes abandonarem a carência afetiva(como algo normal)pelo poder(pela autoridade dos pais).
O nascimento humano já é,em grande parte,um ato político de cooptação e corrupção,de repressão.Não é como Hobbes diz “ nascer” já com o medo do lado,mas com a perversão.