terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Protágoras,o ensino da virtude

 

As minhas leituras profisionais de filosofia recomeçam com Platão,o Platão do diálogo Protágoras,dedicado à virtude e ao seu ensino,se é possivel ou não.

Antes de entrar propriamente na leitura faço algumas reflexões prévias.

Nos dias atuais a admissão de que é factivel  ensinar a virtude é maior ou totalmente aceita,em grande parte por causa da psicologia e da sócio-psicologia.Existem provas de que algumas pessoas que se desviam voltam para o caminho reto.

Mas na sua concepção rigida e dogmática e porque não dizer ideológica,Platão põe uma barreira ,quiçá definitiva,para justificar talvez a escravidão.

Na sua concepção utópica de estado ele admite a mobilidade ascendente,mas isto não é reservado a todos.

A questão,para mim mais importante,nestas palavras prévias,é que  efetivamente ninguém faz nada pelo outro,se este não  o quiser.

Curiosamente,na humanidade há esta barreira excepcional,que ,por paradoxo,é a condição de mudança individual e redenção.

O homem joga para os deuses,para o além, a tarefa de redenção,de expiação do crimes e erros cometidos.

Os gregos têm na figura de Hèrcules um exemplo de expiação pessoal,pelo uso da força para o bem,orientada para o bem,mas foram os deuses consultados para definir a saída redentora,cujos critérios são humanos e divinos,exigindo do criminoso ou pecador uma prova real da intenção de mudar.Uma prova divina é algo supostamente maior do que o homem suporta.

Com o tempo mais e mais o ser humano busca encontrar em si mesmo algo que ninguém lhe tira,que é exatamente a capacidade de se esforçar na expiação.

Quando alguém toma consciência dos graves erros que cometeu a primeira barreira(entre outras,em cada caso)é que esta auto-consciência acrescenta mais sofrimento.Somos induzidos a crer  que se tomarmos esta consciência,o alivio se apresenta.

Tal pode ser momentâneo:a constatação da verdade traz uma certa esperança de trilhar o caminho certo.Mas a idealidade não se identifica imediatmente com a complexidade do real e  do real subjetivo distorcido,que deve começar a ser compreendido.

Então no caminho da redenção por um bom tempo,duas ordens de problemas dificeis se colocam diante do sujeito:a luta para superar os problemas e os problemas propriamente ditos,que permanecem e não raro reagem à tentativa de sua supressão.

Esta verdade inicial,esta esperança inicial é que serve de mote,não ainda sentido,para se chegar ao fim.De certa maneira isto nos lembra a teoria da reminiscência de Platão:aquilo que está no inicio é o fim e o que está no fim,está no inicio.A alma que busca crescimento( e redenção)está na verdade indo para trás.

A autoconsciência inicial do homem o conduz para a frente onde e quando no momento de sua redenção,ele se esquece do passado,relembrando-o,pois superou o problema e se redimiu.(Hegel?).

Platão admite uma identidade entre esperança e realidade,depois do esforço.

 

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

Leituras de Hegel 1

 


Uma das coisas mais decisivas e importantes quando se fala de Hegel é mostrar os seus limites.Num momento preciso,1806,uma mudança em seu pensamento teve repercussões históricas notáveis,que vamos analisar aqui.

A diferença entre estes dois hegels a que afinal nos referimos,é entre o fenomenológico e o científico.No periodo conhecido como o de “ Jena”,em 1806,se dá a passagem tantas vezes debatida e conhecida entre este Hegel fenomenológico e o “científico”.

Ele mesmo nos fornece a diferenciação na ciência da lógica:

“Así es como, e n 1 a Fe no m en olo g í a de 1 Es p í r í tu , he intentado exponer la e o n e i en e i a . La conciencia es el espí- ritu en cuanto objeto concreto; pero su movimiento progresivo descansa únicamente -como ocurre con el desarrollo de toda vida, natural y espiritual- en la naturaleza de las es en e i a 1id a des puras. que constituyen el contenido de la lógica. La conciencia, en cuanto espíritu que aparece y que se libera en su camino de su carácter imediato y compacto, viene a ser saber puro, que tiene por objeto aquellas esencialidades puras mismas, tal como en y para sí son. Ellas son los pensamientos puros, el espíritu que piensa su propia esencia. El automovimiento de esos pensamientos es su vida espiritual, y es aquello por lo cual se constituye la ciencia y de lo cual es ella exposición.”

Como vemos nesta citação definidora de Hegel,a Fenomenologia trata da consciência que como movimento do pensamento reside na observação da realidade natural e social.Ela elabora o conceito sobre as coisas.

O automovimento próprio deste pensamento,Hegel diz,constitui a  ciência ,que por sua vez é uma ciência da lógica .

Vamos entender tudo isto:a fenomenologia é o movimento do pensamento puro,que elabora o conceito sobre as coisas;a ciência identifica os conteudos e essências das próprias coisas,em si e por si mesmas,no seu movimento real;um movimento que possui uma lógica, a qual se diferencia da metafísica,por deter em si um movimento que deixa em aberto a possibilidade de transformação do mundo,coisa que a metafísica não é capaz de fazer.Hegel pretende  substituir a metafísica pela lógica,sem o conseguir,como veremos depois.

Neste momento precisamos este passo da obra porque ele teve consequencias muito importantes para a história ulterior do pensamento e  da história em si mesma.

Isto porque o movimento identificado com esta forma de dialética moderna passou a ser dominante e a definir muito dos comportamentos de vários  movimentos,à esquerda e à direita.

Conforme nós já sabemos o que diferencia muito o pensamento dos intelectuais do seu tempo,é que ele entendia os desvios da Revolução Francesa como  naturais dentro do processo histórico geral.

Contudo,destas constatações iniciais  até o ano de 1806 a preocupação d e Hegel era de entender o processo geral do movimento a partir da consciência  ,mas não havia ainda algo semelhante com relação ao movimento próprio do Ser.

Os estudiosos demonstram que em determinados escritos da época em que ele morava em Iena a sua tendência foi atribuir o movimento dialético às coisas mesmas,aos conteudos sociais e naturais observados e que o mundo era lógico,uma alternativa à superação da metafísica,que Hegel desejava.

Quando  Revolução ocorreu notou-se que o passado tinha sido de alguma forma superado,pelo principio do movimento permanente,mas Hegel queria dar uma explicação lógica a este movimento.

Como fizera com a Revolução, agora ele entendia que o espirito de uma época podia ser abarcado por uma lógica cientifica,diriamos hoje objetiva.

Parece que a visão de Napoleão entrando soberano na cidade de Iena teve sobre ele o mesmo efeito que a constatação de que o terror e o termidor  eram partes do mesmo processo de auto-consciênccia da razão,esta razão ,primeiro fenomenológica e depois científica.