Kant
de novo
A
questão da experiência aparece em Kant desta forma:o que Kant
queria fazer era recuperar a metafísica.Reconhecendo que qualquer um
poderia filosofar com ela.Então a experiência,juízo a posteriori,
é reconhecido como parte do processo de conhecimento,mas sem as
categorias do pensamento ,dadas a priori,ele não tem valor.
O
conhecimento só tem valor de acréscimo,como já expliquei, quando a
consciência acrescenta um predicado a um sujeito.Quando não
acrescenta ele é óbvio,tautológico.
Mas
ainda não é conhecimento acrescentativo o que Kant procura, mas os
juizos abstratos,transcendentais,como as figuras geométricas e
matemáticas “criadas” pela razão,deduzidas pela razão.1+1=2,não
há referência,segundo Kant,a uma experiência,a uma percepção,a
algo trazido pela sensibilidade(Locke).
Então
porque falar em experiência,sensibilidade?Pelas razões a que já
aludi:todo homem pode conhecer,por uso e concurso de sua consciência
capaz,sem nenhum modelo(religioso)pré-dado essencial.O século XVIII
é o momento em que os cientistas recebem constantemente a
pergunta:onde está o fundamento divino(transcendental) desta sua
tese?Benjamin Franklin,Laplace e D´Alembert respondem com a negativa
da necessidade disto e aduzem que o trabalho pura e simples em busca
da descoberta é suficiente para lhe dar legitimidade(prova da
hipótese).
Este
homem comum,autônomo ,no entanto,não pode ficar diante de um
objeto,para conhecer o mundo,para construir verdades
universais,permanentes,trans-históricas:ele usa o seu a priori,as
categorias do pensamento.Então a percepção não é tão importante
assim porque o a priori é que decide e o a posteriori não joga um
papel tão decisivo também,mas o mundo tem que ser apreendido pela
intuição,o objeto o tem ,não o mundo inteiro(o ser em si
incognoscível),para gerar a noção da diferença entre o particular
e o geral,o universal.
Kant
ainda não reconhece esta distinção como experiência
subjetiva,porque ele não tem ainda condições de entendê-la.Mas
com o tempo,com o surgimento de Hartmann,Freud,a subjetividade
adquire autonomia,como experiência,entre outras coisas.
Para
Kant ,e isto é bem racional e iluminista nele,a verdade é a
adequação do sujeito ,da consciência, com o real,ainda que
particular.
Amadurecer,deixar
de ser criança é compreender esta verdade.Quando o homem medieval
imaginava bruxas e basiliscos no céu ele era como uma criança que
inventa personagens irreais.Aqui está a origem do pensamento
positivista segundo o qual a humanidade só amadurece no século
XVIII,por,pela primeira vez,ver o mundo despojado de ilusões.
Mas
é uma pretensão iluminista e racionalista analisar o passado com a
sua perspectiva científica.Embora as limitações do saber passado
pudessem “ infantilizar” o homem,a sua inconsciência quanto a
estes limites o “ inocenta” ,mesmo porque não é só o saber
racional que define a maturidade,mas a ... experiência,algo mais
complexo e inserido no tempo,categorias não muito compreendidas por
Kant e os iluministas ,ainda.
É
só com a psicologia moderna que mesmo estas ilusões têm um
significado subjetivo ,atribuído pelos racionalistas de então,às
doenças e à religião,com suas “superstições e crendices”,que
separam o homem do mundo real.
Freud
,em sua “ Interpretação dos Sonhos”,expõe os primeiros
estudiosos dos sonhos,não reconhecidos ainda,como reveladores de
significados e até valores subentendidos no material onirico.Mesmo
as superstições supõem uma lógica e uma tentativa não
(necessariamente)distorcida de interação com o mundo.Ainda que a
inadequação com o real deslegitime o conhecimento(para a
razão[pura]),a adequação com a subjetividade,ameaçada sempre pela
frustração e desilusão,tem autenticidade.Além do quê esta
adequação não é absoluta,como pensavam Kant e os racionalistas e
iluministas,mas uma construção com o objeto intuido(Kant de
novo),cercado de um mar de inconsciência,erros(errância em
Nitezsche[método de tentativa e erro])que a razão deve discernir
para caminhar e amadurecer.Kant não tem ,como os outros,elementos
para compreender isto,mas põe as condições desta integração
futura sujeito/objeto.
Há
anos atrás,para explicar Kant eu usei um exemplo concreto do
provador de café,que diante de múltiplas xícaras identifica a
origem dos liquidos.Para Kant esta capacidade estaria dada a
priori,mas o provador só o faz depois de um aprendizado e da
aquisição de uma experiência profissional.Kant retira a sua
concepção de aprendizado de Rousseau,do “Emilio”,no qual se
invectiva contra as repressões aos impulsos naturais legitimos do
homem,mas sem levar em conta esta questão.O conhecimento do provador
não é universal,quero dizer,quer dizer Kant.
O
aprendizado e a experiência adquiridos,são o inicio e a
continuidade da autonomia cada vez maior(infinita?)da subjetividade e
constituem o surgimento de uma psicologia do ego e do eu.
O eu é
a escolha racional,o ego,esta experiência.Para Kant só importava o
eu,a escolha racional,mas com o tempo fica clara esta inevitável
relação.Toda escolha é referenciada direta ou indiretamente com o
ego.
Se
digo para uma mulher:”Te amo Milla” e não recebo resposta,isto
não invalida a experiência adquirida,mas singulariza esta escolha
frustrada(se há frustração)que fica sem efeito.É aqui que os
autores localizam a transcendentalidade de Kant e seu pensamento,uma
ideia pura,em algo não referenciado à sensibilidade,mas isto não
tem sentido porque a escolha só se faz tendo este fundamento.E
ademais o que Kant chama de transcendentalidade são os princípios
universais e abstratos.
Aqui
é que o problema se complica porque é possível imaginar que um
primitivo homo sapiens tenha feito uma figura geométrica sem
analisar coisas naturais,pedras ou mesmo suas produções
culturais,como cestos e roupas?Os empiristas o negariam,dizendo que
não há nada no pensamento que não seja percebido antes(Locke)e é
realmente dificil que não seja assim,mas há um principio filosófico
que diz que tudo que o homem imagina pode se adequar ao real,no
futuro,não na imaginação,mas no real mesmo.Não sei de casos
confirmados,mas não se pode negar.Ninguém sabe se um basilisco não
pode ser encontrado em outro planeta ou mesmo construído em
laboratório.A própria clonagem é um pouco a imaginação de Mary
Shelley em “ Frankenstein”.Só não casa com a questão da morte
e ressurreição.
A
questão do ego e do eu,assim posta,apresenta outras
consequências:Freud ao apresentar sua tríade Id,Ego e Superego
,exceto pelo primeiro,está muito consentâneo com Kant(sem o
saber).A escolha ,localizada no superego,nele,no ego, se
fundamenta.Sartre afirma que (pode)existir uma dialética entre estes
três termos e(logo)entre os dois de Kant,mas não
necessariamente,digo eu,porque um sentimento de amor(igual não
contraditório) fundamenta a expressão linguística dele,no “ te
amo Milla”.Talvez a obsessão(como outras doenças e neuroses)se
fundamente na necessidade(pela recusa da necessária frustração da
negação do amor,ou não reconhecimento da inadequação do sujeito
com o mundo,como condição de vida e crescimento)seja a
necessidade(fetichista?)de reiteração(tautológica,experiência de
mesmidade,sem significado e algo novo,sem acréscimo)para satisfazer
um desejo enorme,reprimido(pelo trauma[por isso enorme]),que quer se
manifestar(e precisa).Então a dialética é saúde.
A
dialética,supostamente só de Hegel(e de Marx)entra escondidinha em
Kant,que não a aceitava(antinomias da razão),entrando nesta
proposta de Sartre e confirmando que ela é cultural,construída
pela consciência.
Se
a reiteração,pelos motivos supraditos,não é saudável é porque o
fundamento pode ser no mesmo sentido da linguagem,da assertiva(eu te
amo),mas distinto,diferente,não contraditório,no sentido de que só
existe o macho por causa da fêmea e assim por diante,mas porque
algo(ente:aquilo que se põe[como existente]à maneira de algo)é
diferente ou distinto da afirmação:a emoção e o
sentimento(diferentes,distintos)complexos do amor e do afeto(mais
distinção)são o fundamento do “eu te amo”.Pode haver adequação
entre o amor e a sua correspondência,mas mesmo na negação,o amor é
dialético,porque se funda na ideia formada a partir de outro
corpo(talvez tendendo para o fetichismo ou obsessão,pela
idealização).Precisa do outro percebido para existir.Pode se “
acusar” esta adequação de pobre mas não de ilegítima ou
irreal,no sentido dialético.
A
fundamentação em algo contraditório carrega o perigo de
esquizofrenia ou algo pior,mas se funda numa experiência subjetiva
real(biológica),por exemplo,só ama a mulher aquele que é macho,ou
porque o é.Mas então a homoafetividade não é dialética?Existe
uma negativa neurótica na busca do igual?E no homofóbico,a
destruição do outro não revela,entre outras coisas,pelo outro,da
presença de um desejo pelo igual?A recusa( pela destruição[o outro
é risco de revelação]) não é esconder-se?Em outro artigo
tratarei disto aqui.
Para
finalizar,o que fica claro na dialética incrustada em Kant,passando
por Sartre,é que a dialética (contradição,diferente,distinto)só
é possível nesta experiência:só existe o amor se existe o
sentimento interagindo e ambos (se)dependem(embora haja hierarquia na
escolha[o fato amoroso pode existir sem se manifestar,no entanto]).