quarta-feira, 30 de setembro de 2020

A dialética não é universal,nem obrigatória

 

Todos conhecem a discussão sobre a natureza da dialética e não há porque retorná-la aqui.Basicamente duas posições giram em torno dela:que a dialética é objetiva ,posição do marxismo e que a dialética é produto da consciência,própria de um proto-marxista ,Sartre.

A vitória coube a esta última posição e neste sentido não há como falar que a dialética é a estrutura da realidade,porque não é.

Mais do que isto as consequencias são muitas para a compreensão da história da filosofia, a partir do iluminismo alemão.A dialética foi vista sempre como o fim da metafísica,porque ela descobrira as leis do movimento,o qual não pode ser abarcado por nenhum sistema fechado.Esta teria sido a maior contribuição da dialética para o mundo,se ela fosse realmente o movimento do Ser.

Com o tempo,com os avanços da ciência ,esse monismo ruiu.O tempo é multifacetado,como o movimento ,e a única de forma de encarar a visão de Hegel e da dialética como algo moderno,foi estabelecida por Habermas ao dizer que ao ser colocado no centro do mundo,o movimento exigiu a recolocação permanente dos seus fundamentos.O movimento se repropõe permanentemente.

Houve uma volta a Tales:a dialética não é o principio de tudo,como a água em Tales,mas é um princípio em filosofia,no pensamento, e este é o da constante auto-atualização,porque não há mais barreiras(medievais[tempo de superação do passado]).Não há,em princípio ,modelos intocáveis.Em princípio por que a dialética se propôs como modelo ,sem notar esta contradição,entre movimento e modelo.

O modelo ou está submetido ao tempo ,ao movimento e não o é mais,ou sendo modelo é falso,imposição,ilusão(e um monte de coisas a se analisar separadamente),pois nada é absoluto.

Mesmo aquilo que tarnscende as épocas,os momentos,numa aufhebung,mudar conservando,ambos os lados,a mudança e o que fica,sofrem influência da passagem.

No plano subjetivo,psicológico,este transcendente é percebido de várias formas,de várias maneiras.Um exemplo:a eternidade existe de diversas maneiras ao longo do tempo,embora o seu conceito seja transepocal.

Assim sendo,como modelo proposto ,discurso explicativo ,a dialética é metafísica,no nexo Hegel/Marx.

A dialética não é universal,como metafísica,modelo total de explicação e nem,ipso facto,obrigatória,necessária,mas é um método de prospecção de relações contraditórias,no mais amplo sentido desta expressão ,capazes de produzir um “ terceiro incluído”,um algo a mais ,diferente da metafísica,que se pretende não tocar e não ser tocada pelo real.

segunda-feira, 14 de setembro de 2020

formação da dialética em hegel

 

Analisando o livro de Roger Garaudy “Dieu est mort” nós vemos que existe um desenvolvimento na filosofia alemã que redunda em Hegel e sua dialética.Qual é a herança que Hegel recebe e transforma?

Nós temos que ter em mente que seu caminho é o da subjetividade autônoma para compreender o mundo.A subjetividade começa na História de diversas maneiras,através da contribuição de vários autores e personagens,o primeiro deles Lutero e a reforma protestante.

Aqueles que lêem os meus artigos sabem o que digo sobre Lutero e a reforma protestante.Muita gente,principalmente no radicalismo de esquerda,pensa que com isto eu defendo a figura individual de Lutero.É o famoso “ espirito de partido” do comunismo ortodoxo que distorce as coisas.Eu me reporto ao significado histórico da figura,assim como faço com Napoleão.Napoleão representa o avanço do capitalismo,que em relação ao passado medieval configura progresso.

Algo simile se dá com Lutero: conforme as análises e interpretações de Nietzsche,quando o reformador afirma em Worms “ penso assim,não posso agir de outro modo”,está fundando a subjetividade moderna,o individualismo moderno,que aponta o direito e a liberdade de se posicionar diante do mundo.Garaudy atribui a este nascimento do subjetivismo o nascimento do monismo,mas são coisas diferentes(1).



segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Lukacs e o problema nacional

 

Quando da Copa do mundo de 74,a Polônia reapareceu para o mundo com um time muito bom,em que despontavam Lato e Deina.Eu era comunista aos 12 anos e defendia a ética destes jogadores,pensando que o que acontecia lá no país deles era uma evolução a favor do socialismo.Não eram jogadores profissionais,mas operários predominantemente ,que viviam deste trabalho produtivo e não do futebol,mera diversão.

Quatro anos depois,eu tinha 16 anos e entrei no segundo grau e fiquei chocado que aqueles mesmos poloneses evoluídos fizessem uma greve contra o governo comunista.

Não havia de forma alguma evolução no sentido do socialismo,mas um falsa impressão,vendida pelos comunistas e não consentânea com a realidade.

Se o leitor acompanhou o meu artigo anterior vai ver que não houve a prevista desalienação do trabalhador sob o regime de orientação comunista.O operário polonês continuou católico,reproduzindo a “forma alienada de consciência social” e a usando para vencer seus governantes ilegitimos.

Mas diferentemente do que falei no artigo anterior aqui se trata do problema da nação,do comprometimento deste trabalhador e de outros no leste europeu (húngaros)com a nação.

Ainda me lembro de muito comunista se lamentando diante da classe operária abrindo mão do seu direito ao socialismo em favor do conceito burguês de nação,onde exploradores e explorados vivem numa falsa igualdade.

A afirmação de Marx ,seguida por Lukacs,de que “ a classe operária não tem pátria” caiu por terra(alguns radicais do Brasil aí tinham que entender).

O puro reconhecimento das necessidades da classe principal e decisiva não elimina os outros setores de classe,as outras necessidades,culturais,identificadas erradamente com a classe média, mas que faziam parte também dos desejos dos operários,o que não se coadunava com o regime totalitário.

Logicamente muitas explicações para relativizar estas conclusões foram feitas:sabotagem externa;má condução das lideranças;traição da classe operária.mas quando o regime estava de pé a vitória da desalienação era tida como eterna ,num assomo de verdade religiosa no socialismo,que não se sustentou.



domingo, 6 de setembro de 2020

A questão de classe em Lukacs

 

Marx nunca afirmou que ipso facto,havendo um regime socialista a alienação desapareceria,muito menos que suas condições estariam dadas.

Os descaminhos da revolução russa puseram em xeque esta suposta verdade dita por Marx.Como ficou evidente que no minimo havia uma dúvida quanto à desalienação no socialismo real,a esquentar a cabeça dos teóricos,era preciso tomar uma decisão quanto a isto.

Naturalmente o regime stalinista da URSS vendia a ideia de que a desalienação estava em curso ,porque o regime soviético expressava as necessidades dos trabalhadores e as supria.Então o mundo da necessidade tinha sido superado e substituido pelo da liberdade,como prevera e preconizara Marx.Todo o pensamento do socialismo real justifica a sua vida cotidiana com isto:a certeza de ter o essencial para viver torna a vida tranquila e cria tempo livre para aproveitá-la.

E naturalmente Trotsky e seus seguidores ,exilados pelos stalinismo, mostraram o absurdo desta igualação com o pensamento de Marx:”o estado de todo o povo” da constituição de 37 na URSS só ocultava pela força a luta de classes ,que continuava subsumida,como mostrou o trostskista Charles Bettelheim em “ As lutas de Classe na URSS”;o próprio Trotsky afirmava que a hegemonia da classe operária na URSS contrariava Marx porque o comunismo era para acabar com todas as classes e não manter uma só,que seria inevitavelmente opressora.

Mas o que legitima a situação na URSS e confunde todo o debate é a posição de Lukacs,baseada em “ História e Consciência de classe”,em que ele condiciona a consciência dos indivíduos ,vistos como trabalhadores e atores sociais,à sua posição objetiva na classe,por sua vez definida dentro do modo-de-produção.

Na medida em que o estado reconhece a classe operária,única capaz de acabar com todas as outras(sem violência em princípio),a sua consciência é decisiva para a desalienação:a consciência da necessidade satisfeita pelo estado transforma-se em liberdade.

Contudo o que Marx entendia como base para o “ reino da liberdade” não era uma “ democracia de trabalhadores” como dizia o meu professor Roland Corbisier;nem era muito menos um “ estado de todo o povo”.Era um regime que libertava o homem do trabalho exaustivo;não um trabalho para outrem mas para a comunidade humana toda,que usufruiria de todos os bens a qualquer tempo:aí sim haveria tempo livre,a liberdade.O trabalho em Marx é uma mediação da capacidade criativa do ser humano.

Ernst Mandel ,em seu “ Formação do pensamento de Marx”,último capitulo,como trostskista, aprofunda as ideias de seu mestre,mostrando que o sistema de distribuição no socialismo real privilegiava,não supria as necessidades e isto,digo eu,é óbvio para um país isolado,dependente do mercado capitalista e caracterizado por...trabalho exaustivo e inconclusivo para produzir a abundância necessária para a distribuição equitativa,constante e sem privilégios dos bens produzidos.

E mais:com a desalienação,as formas alienadas de consciência social como a religião(entre outras[ciência burguesa])desapareceriam.

Eu tinha 12 anos quando assisti ,como pequeno comunista, a Copa de 74 na Alemanha Ocidental,em que a Polônia reapareceu para o mundo após muitas décadas.E nas entrevistas dos jogadores loas ao socialismo,à despreocupação com o dinheiro.Os jogadores e o técnico contavam que viviam de seus trabalhos e empregos especificos e não do futebol.Recebiam presentes,mas nada de dinheiro injusto ,resultante da exploração.A religião ,na entrevista, não foi abordada,mas estava subentendida.

Quatro anos depois ,em 1978,quando tinha 16 anos e estudava no Arte e Instrução espoucaram as greves de Gdansk e todas aquelas ilusões do menino cairam por terra.E as de Lukacs,Stalin....