quinta-feira, 24 de junho de 2021

A dialética como pensamento mágico

 

Repetindo uma afirmação de Engels ,Zizek se refere ao fato de que alguma coisa casual que se apresenta diante de nós e é apreendida como algo decisivo ou importante se torna necessária.

Eu quero questionar esta ideia,que vem de Hegel e que parece confirmar o papel real da dialética.

Ora se eu tenho me referido ,seguindo Sartre,que não existe uma causa só para todas as coisas,demolindo assim o significado monistico da dialética,porque haveria uma noção absoluta que unisse o casual e o causal?Como infinito e o finito,o casual seria um momento do causal e o confirmaria,como toda exceção supostamente confirma toda a regra.

Contudo,não só poderiamos questionar de imediato esta proposição ,esta dialética ,como,com as conquistas do conhecimento nos últimos 200 anos,repeli-la definitivamente.

Uma exceção que se tornasse na natureza uma nova realidade seria necessária?Algumas pessoas nascem com seis dedos.Algumas doenças são raras e acontecem...casualmente.Estes padrões casuais porque existem em alguns lugares são padrões reais e dialéticos?

A resposta é não claramente.Como é possível que uma pessoa que nasça com seis dedos confirme aquelas que têm 5?

Se nós partirmos da premissa supradita de que ,segundo Hegel(et al)o casual é um momento confirmativo da causalidade,em que medida um fato casual como este confirma ou interage de fato com o causal que é a certeza de que o ser humano tem cinco dedos?

No plano social aqueles que leram o meu texto sobre Sartre verão que o exemplo que ele usa lá sobre a multiplicidade de causas,tirado do historiador Lefebvre sobre a Revolução Francesa,acaba com o monismo,de considerar,como o marxismo faz,que a causa única desta revolução foi a iniciativa da burguesia,consagrando um movimento histórico necessário.Sartre,seguindo o historiador demonstra que se não houvessem aguns fatos outros,não haveria a revolução nos moldes que conhecemos.

Eu não sou exagerado como certas afirmações vindas da historiografia anglo-saxônica são:se Otavio Augusto não fosse um castradão a história poderia ser diferente?Se alguém tivesse matado o cabo Hitler em 1918 a segunda guerra não teria ocorrido?Se não houvesse apagado a luz em Porto Velho em 1961 ,num dia quente ,eu não estava aqui...

O que eu quero dizer é que a casualidade se transforma em necessidade por apreensão do sujeito,por inclusão em seu processo prático de vida.

Os movimentos históricos seguem uma tendência.Talvez se Otavio se apaixonasse por Cleópatra tendências que se tornaram dominantes depois,com a hegemonia das religiões orientais em Roma,se apresentassem antes ,mas se esta paixão tivesse ocorrido,outra conformação de fatos a história teria, revelando que o casual pode acontecer.Neste exemplo hipotético estes fatos seriam considerados necessários,mas não ocorrendo são descartados.Mas sua possibilidade mostra que também nas ciências sociais o casual existe por si mesmo,não necessariamente se tornando necessidade.

A dialética ,proposta por Hegel(et al)como ciência explicativa total do Ser pensa poder reunir tudo num processo lógico em que as partes possibilitam o todo e o todo confirma as partes.

Como no pensamento de Marx “ a anatomia do homem explica a do macaco”,a totalidade racional decomposta explica as partes e confirma o todo.Mas será assim mesmo?Não se consegue explicar a anatomia do macaco sem recorrer a do homem?Não será a vinculação supostamente evolutiva que determina esta comparação possível?

O fato é que as cadeias de fenômenos,como montadas por Engels em o “ Anti-Duhring”,não são verdadeiras,necessárias,antes são ilusórias e eventuais e na totalidade do campo de observações há fenômenos que se interligam e outros que não,não sendo esta casualidade descartável como meio de compreensão do real.

Isro tudo não legitima a hegemonia epistemológica do movimento dialético.Explicado dialéticamente.

A Revolução Francesa é parte de um processo de ascensão da burguesia sim,mas ela poderia ter ocorrido ou não e se ocorrido,de outras maneiras que não aquela.

Hitler parece significar uma maior concentração de poder na mão de um homem só,mas se ele não estivesse ali os conflitos próprios da segunda Guerra teriam continuado ou se prolongado.

No plano individual é anedótico o exemplo dado,mas na evolução da vida pessoal,através de uma anamnese, há como identificar que algo não acontecido poderia tê-la mudado ,se para melhor ou pior é outra coisa.

A explicação puramente racional,sob que forma for,dialética ou ideológica é idêntico ao processo mitico(e quiçá mistico)porque não inclui o casual de per si e aí falseia realidade.Ela se sustém como identificadora de tendências da realidade,mas a convicção de cadeias de fenômenos inter-relacionados é nada mais do que uma crença num sentido lógico pré-dado,quando nada está pré-dado no real.Nem mesmo a existência subjetiva.

A única diferença entre o pensamento mitico e o racional é que este último toma as coisas por elas próprias,analisando-as em si mesmas,enquanto que o pensamento mítico atribui qualidades(mágicas)às coisas para dar sentido ao mundo.

Mas quando a razão não vê,por auto-consciência,as suas limitações,não vendo que existem rupturas no real,que ela não tem como alcançar ou suprir,ela é simile ao mito e é arcaica.Arcaica no sentido de modelar e invasiva,abusiva,totalitária.



sábado, 12 de junho de 2021

Kepler e Newton


Após muitos anos quero abordar o problema da relação entre a contribuição cientifica de Kepler e a de Newton.Há muitos anos atrás eu citei uma observação de Engels constante da sua “ Dialética da Natureza”,atribuindo a Hegel a afirmação de que a gravitação universal já estava contida na primeira lei de Kepler.

Relembrando:Kepler quis entender como funcionavam os movimentos dos planetas,os movimentos dos corpos celestes e insistiu durante anos numa forma circular de movimentação.

Num determinado momento ele usou a elipse,como mostrado abaixo:

Como nós vemos, a solução do prolema que tinha sido colocado diante de Kepler,qual seja o de entender como funcionava a órbita extravagante do planeta Marte,está dada aí neste diagrama.A solução do circulo perfeito não funcionava e ele aplicou experimentalmente a elipse,o que solucionou tudo.

Mas a questão não é esta:segundo Hegel neste esquema está contida a gravitação universal,cuja descoberta foi atribuída ao inglês Isaac Newton.

Na parte de baixo está um circulo que representa o sol.Na parte de cima um planeta:a trajetória da elipse indica que o planeta vai na direção do sol “caindo” para na verdade circundá-lo e voltar.

Segundo Hegel ,nesta lei já está implicita a gravitação segundo as palavras posteriores de Newton: “matéria atrai matéria na razão direta das massas e no inverso do quadrado das distâncias”.No momento em que o planeta circunda o sol está sendo repelido nesta proproção inversa.

Contudo não há prova(pelo menos até agora)de que Newton houvesse plagiado Kepler.

Acontece que Hegel era mais esperto do que a sua imagem de professor de filosofia poderia supor:ele fez de sua filosofia uam conquista da Alemanhã e procurou ao longo do seu percurso intelectual valorizar o seu país dividido ,na confrontação com a Inglaterra ,fato que se repetiria sempre e redundaria nas duas guerras mundiais.