Porque
não possuo mestrado ou doutorado não escrevo nesta nefanda revista
Terra é Redonda,mas sou obrigado a receber artigos de pessoas que
escrevem lá e que ,naturalmente,no minimo,estão fazendo doutorado.
Como
é o caso do Sr. Mateus Silveira,já meu conhecido do facebook,de
muitos anos.Ele me enviou ontem um artigo sobre classe média e
ressentimento,repetindo coisas que eu cnheço há mais de trinta
anos:acusações a esta classe de sofrer de ressentimento e servir
de apoio à “ exploração burguesa”,etc.,etc,o receituario comum
do marxismo ortodoxo,que não muda de jeito nenhum.
É
aquele velho milenarismo,o enclave religioso no marxismo,que eu já
expliquei tantas vezes e que estabelece quem são os “ eleitos”
do futuro,como fazia e faz a religião em todas as épocas.
Eu
publiquei um livro recentemente sobre classe média,que eu não sei
se este senhor e a revista nefanda tomaram conhecimento,mas lá eu
trato dos fundamentos desta besteira recorrente:talvez o próprio
Marx tenha s e sentido um pouco deslocado em defender o caráter
essencial da classe operária como fautora da Revolução
salvadora.Ele era pessoalmente de classe média e possivelmente
inventou que o trabalhador de classe média produzia
mais-valia(vol.II de “ O Capital”)quando recebia salário.
Assim
o sentimento eventual de culpa de Marx de ser beneficiário da
exploração acabava.Contudo,seu amigo pessoal Bernstei,n mostrou-lhe
a falácia deste argumento:ou pelo menos eu entendo assim.
Marx
não tem uma relação total com Kant na medida em que ele entende
que o mercado não é o paradigma da humanidade,a partir do
reconhecimento da capacidade de escolha do homem,quanto às suas
necessidades.
Marx
é materialista e deriva o seu materialismo da “Filosofia do
Direito” de Hegel,principalmente do sistema de carecimento.
E
é por isto que na “Contribuição à Crítica da Economia
Politica” ele “localiza” tudo na produção .
Há
certos carecimentos que são inarredáveis.Não são passiveis de
escolha e marcam o grau de independência de um povo e são a base do
comunismo,na sua acepção real(não socialismo).
Isto
não é uma escolha kantiana,nem uma afirmação definitiva do
mercado como instãncia da liberdade.Marx tem razão aqui.
Tais
afirmações básicas já estão na “ Miséria da Filosofia”e é
em razão disto que ele escanteia esta dicotomia da “ oferta e da
procura”:ela é falsa por natureza ou limitada pelo problema
definitivo da capacidade produtiva.
Contudo,
estas afirmações verdadeiras limitam a sua tentativa de incluir o
assalariado em geral no grupo de trabalhadores aptos a construir o
comunismo:é aí que entra Bernstein em seu “Socialismo
Evolutivo”,mostrando que certas industrias são inarredáveis.Não
são todas as industrias que produzem mais-valia.
O
capitalista usa outras formas de obtençao de mais-valia para o seu “
jogo de exploração”:o capital variável,venha de onde vier “
colabora”.
Mas
a origem da mais-valia vem deste nucleo inarredável aí.Uma
industria de camisa de jogador de futebol produz mais-valia,mas
ninguém vive independentemente por uma industria deste tipo,pois
será sempre dependente da contribuição essencial de outros
lugares.
Os
países nórdicos ,por exemplo,não têm estas industrias e portanto
o comércio é fundamental para a sua existência.Não têm
,pois,condição ,de por si mesmos,produzir o comunismo.
Tal
discussão quebrou a cabeça do último Guevara,o qual perdeu sua
posição na Revolução Cubana,por suas concepções a respeito.
O
Japão conseguiu sair do feudalismo para a era industrial imitando a
industria ocidental,mas precisa de matérias-primas,porque no seu
território não tem nada.
Em
vista do monismo marxista o ortodoxo de modo geral confunde o
problema econômico com a questão pessoal.
Este
tipo de acusação me é feita frequentemente,mas eu é que separo
os conceitos,não os meus críticos,como este senhor Mateus
Silveira(e Terra é Redonda).
Não
importa a maneira como uma determinada classe social se comporta
culturalmente em certas épocas,importa o papel que ela exerce na
economia.
É
certo que no inicio do século passado as classes médias apoiaram o
fascismo,mas outras defenderam o estado de direito,que permitiu a
liberdade dos comunistas de atuar ainda hoje(dentro de uma kombi).
A
realidade é dinâmica:os ortodoxos no fundo,seguindo Hegel,pensam
que acompanham o movimento,mas ,na verdade,se paralisam,que é a
bestimung (destinação)da dialética hegeliana.Pior do que
isto:é o retorno ao passado ou ficar nele ,sempre,achando que está
no futuro.
Mesmo
no tempo de Marx não há como pensar numa sociedade que prescinde do
trabalho da classe média.A crença estúpida de Marx(e de outros)de
que a vinda do “ comunismo” acabaria com a necessidade destas
atividades já era tola no periodo em que “ formulou” tais
bobagens:duas partes do pensamento de Marx( e de Lukacs)são as
coisas mais idiotas que eu já pude ler, a questão do trabalho
produtivo e a consciência de classe.
Ambas
foram desmentidas fragorosamente nos anos de sua vida:as reflexões
de Marx sobre a Comuna de Paris não levam em conta aquilo que já
era percebido por todos:a Comuna só teria chances razoáveis de
sucesso se a França toda como nação estivesse empenhada em
participar da Revolução.Não sei como isto escapou à Marx,em “ A
guerra civil em frança”.
Não
é uma caracteristica inarredável da classe média ser ressentida e
ficou claro desde a parte final da vida de Marx que era inevitável o
seu crescimento:não tem anda a ver com um propósito malévolo da
burguesia “ crescê-la”,como aparato justificador da burguesia.
A
ascensão histórica da burguesia não se deu como conspiração e
não foi totalmente ilegitima na marcha da liberdade.A conspiração
da burguesia se fez presente quando ela foi contestada.
O
ortodoxo tem tendências deliroides de transferir anacronicamente
para o passado o seu modo de interpretação (desta vez) “
cientifica”.
Aquilo
que aconteceu no passado não era claro pelos seus atores e só agora
se pode saber a causa,como se o passado não tivesse nada.
É
o paroxismo de Voltaire que não via nada na Idade Média.É um
preconceito iluminista e cientificista.E sobretudo também uma
egocentria infantilóide inacreditável.A história convergiu para
mim.
O
ressentimento atinge não só a classe média,mas a classe
operária,que interagiu em todo o lugar da burguesia(leia Hobsbawn
meu caro Mateus Silveira),bem como qualquer pessoa e eu
especificamente ,que me senti indiretamente citado,deixei este
ressentimento de esquerda quando passei a pensar no meu caminho só.
Todos
os comunistas que eu conheci ,com exceções(euzinho incluido)eram e
são recalcados,ressentidos,com a burguesia,mas o comunismo não é
para ter o que burguesia tem, é para liberar o ser humano das
amarras que o prendem.Não é a inveja da burguesia que nos move,mas
garantir de vez a liberdade humana.