terça-feira, 21 de abril de 2020

Freud e o pai VI

Pais e Filhos

Num determinado passo de sua critica da razão dialética Sartre se refere a um autor que supõe psosibilidades dialéticas em Freud,não necessariamente reconhecidas por ele.
No fundamento de sua teoria psicanalítica Freud afirma que a condição principal de crescimento e inserção no mundo dos filhos é deixar para trás os pais ,como norteadores de sua conduta.
Contudo,e isto nos revela as questões críticas em relação ao pensamento de Freud,no que tange a uma falta de concepção psicossocial,pois os pais também precisam se liberar psicológicamente dos filhos.
É aí que surge uma dialética,uma psicossocialidade,uma aufhebung.A relação entre pais e filhos só é dentro de uma sociedade,dentro de uma potencial troca simbólica,o que já aponta uma aufhebung ,ou seja,uma assimilação e superação como a dialética hegeliana ensina:os pais ,na relação com os filhos ,e vice-versa,produzem uma sintese na sociedade,em seu núcleo básico e esta sintese se põe permanentemente como exigência educativa(socialidade),afetiva (psicossocialidade) e formadora(pedagógica).
Ao se falar em formação muitos entenderão este termo como somente atinente aos filhos,mas se refere igualmente(dialética[de novo]) aos pais,porque a formação,que se insere na pedagogia em geral,se divide,como sabemos,em ensino e aprendizagem(filhos[alunos])e educação(em geral),afeita a todos os que possuem o interesse em aprender(se capacitando a ensinar).
É evidente que perpassa na dialética,que se constitui por dois termos opostos(A-A),um princípio de hierarquia ,psiquica e axiológica(hierarquia de valores),que é a precedência óbvia dos pais,mas,no tempo,no processo de formação,de continuidade da família,a dialética participa,assim considerada como diz Sartre “ produto da consciência”.
Então :A=Pais-B=filhos>Sintese=Familia.Mas a diferenciação,que pode incidir sobre os pais ou os filhos(A ou B=Pais e A ou B=filhos)marca a medida de consciência,pela diferenciação dos papéis(socialidade[psicossocialidade])adquirida,no tempo.
Há sim uma dialética entre pais e filhos,mas isto não significa que a obrigação de ensinar dos pais se dilua,como valor,mas psicologicamente porque ocorre o fenômeno,o fenômeno neurótico não visivel diante da assertiva prévia de Freud,o da neurotização dos pais.
A chamada sindrome do “ ninho vazio” deriva desta diluição e distorção,mas outras distorções e diluições são comuns,quando os pais não compreendem a sua obrigação e esta dialética inevitável da família:pais rituais,ou seja,que só se preocupam com os aspectos externos e sociais da edificação da família;pais mal formados,despreparados para a tarefa e que sentem impactados com esta constatação;pais que sentem obrigados a construir uma família;e pais que pensam mais em termos de poder do que de afeição.
Todas estas questões e neuroses são analisáveis ,mas podemos perceber claramente dois elementos constantes:falta de afeição e preocupação social,de poder.Supostamente teria escapado a Freud este lado da psicologia humana,mas como não sociólogo é natural que estes liames não o interessassem.A pergunta é se a inserção social deslegitima de vez a psicanálise e a neurose.Se tivesse ocorrido a ele esta dialética,ele seria filósofo ou sociólogo,mas não tendo ocorrido é de se saber o papel do método criado por ele.
Ora as distorções dos pais ,a repercutir eventualmente na formação dos filhos,têm uma origem social,como de resto em toda a psicologia humana,mas guardam autonomia e especificidade.
Dois exemplos do pensamento de Freud ilustram esta problemática e põe a dialética num lugar útil(ou não) na psicanálise.
A ideia de “ formação reativa” e “ a mãe fálica”.No entanto nestes dois casos Freud sempre se referiu aos filhos.Talvez no segundo caso não,mas não aprofundadamente e não reconhecendo a dialética.Deveria,no entanto, reconhecê-la?
Este artigo é para constatar a dialética mas para mostrar em que ela contribui para a psicanálise e mais ,para a cura de alguém.
No caso da socialidade está mais do que provada a aplicabilidade da psicosociologia.Mas a dialética contribuiria de que maneira?

domingo, 19 de abril de 2020

O Deus Ateu

De uma ideia de Slavoi Zizek

Observando um documentário de Slavoi Zizek sobre ideologia e cinema,lá pelas tantas ele se refere a Cristo como “ o Deus mais ateístico que já existiu”.
Esta afirmação aparentemente escandalosa faz sentido na medida em que a figura de um Deus que sofre como um ser humano comum,era necessária diante de um Deus absconso que não participava dos sofrimentos terrenos e não oferecia soluções para estes males.
Para uma nova aliança um deus-humano,um deus-igual,um deus-comum apresentava mais condições de,ao menos,mostrar uma luz no fim do túnel,uma vez que seu sacrificio impunha um engajamento real nos problemas humanos,já agora misturados com os de Deus(se é que Deus tem problemas[seu filho tem]).
O cristianismo,que repudia o politeísmo como idolatrico e próprio de pagãos,cai nele a partir do nascimento do cordeiro,pois não é mais um Deus ,mas dois,ou ,respeitando o catecismo,três,pai-filho-espirito santo.Isto sem falar na pletora de santos,alguns puro sincretismo com mitos gregos(são cosme e são damião/castor e pólux).
Esta queda no mundo,onde está a corrupção dos tempos,era uma exigência destes mesmos tempos para recuperar a confiança em Deus e dar-lhe uma presença(Heidegger)maior.Este é o nucleo essencial do messianismo:a salvação(real).
Contudo esta nova aliança ,através de um salvador real,implica num risco sério de prescindir de algo(Heidegger)mais que o soterós(salvador):Deus,o Deus-pai.Dentro do espirito do monoteísmo,o certo seria,como Kierkegaard colocou,Ou Cristo,Ou Deus.
Cristo,o Deus que se apresenta(Heidegger),é suficiente,até porque nasceu por decisão de Deus-pai,que já não era mais capaz de propor outra aliança,a partir de si.E um Deus assim,não o é de uma religião,mas ,no máximo,se sustém como simbolo ou valor ou os dois de quem não necessariamente acredita em Deus.Mesmo para quem acredita, a sua natureza humana é suficiente.
Tudo o mais é interpretação,a servir ou não a quaisquer propósitos,legítimos e ilegitmos.Quando trato de Cristo aqui já analiso estas interpretações,mas entendo que há um traço divisivo nestas interpretações:o crente e o não crente,aquele que se liga à divindade e o que não.
Normalmente(salvo seitas que eu não conheço)o crente segue o princípio de que Cristo é mais afeito ao além-mundo(e daqui outras interpretações)e o não crente,que Cristo está no mundo,embora não seja identificado com ele(não é um Deus panteísta).
Neste último aspecto me incluo.Vejo Cristo da perspectiva de um agnóstico,que o entende como um simbolo(aceitá(do[vel]{ou não}).Um simbolo representativo de muitas coisas,mas fundamentalmente de unidade(proposta)da humanidade.
Os crentes compreendem esta unidade em termos de uma idealização ,baseada na divindade de Cristo-Deus,cujo messianismo promete o prêmio da ressurreição(oposto ao pecado[morte]),pelo sofrimento(na cruz).É idealização porque não há provas destas passagens.
Os não-crentes estão naquele ponto de São Paulo,falando aos corintios,aconselhando-os a não esquecer da cruz.São Paulo une o mundo à divindade,como sabemos,mas os agnósticos ficam com o mundo e com esta lembrança(memória,no caso do sofrimento de Cristo[que está no passado]) do sofrimento,que se repete na vida humana,sempre,e contra o qual o agnóstico e o ateu de bem deve lutar.Explicarei porque no próximo artigo.