O conceito de ôntico (ontisch) em Heidegger é fundamental para compreender a diferença entre os níveis de análise do ser em sua filosofia. Em Ser e Tempo, Heidegger distingue o ôntico do ontológico para mostrar que a investigação filosófica do ser não se confunde com o simples exame dos entes. O ôntico refere-se ao nível do ente enquanto tal, na sua facticidade, particularidade e presença no mundo. Ou seja, diz respeito ao “fato de que” algo é, lidando com os entes em sua concretude, como uma árvore, uma casa, um corpo humano ou um planeta.
No cotidiano, o ser humano vive imerso em preocupações ônticas: suas atividades, seus projetos imediatos, suas dores, alegrias e o uso dos instrumentos que o cercam. A ciência, enquanto tal, também opera no nível ôntico ao estudar os entes a partir de suas propriedades, estruturas e leis. Contudo, Heidegger observa que essa abordagem não questiona o ser destes entes, mas apenas os toma como dados para análise, sem perguntar pelo sentido do ser que os faz serem o que são. Assim, a ciência permanece “ôntica” porque descreve entes, mas não reflete sobre o “ser” que funda a possibilidade de aparecerem como entes.
A originalidade de Heidegger está em mostrar que o ser humano (Dasein) possui uma peculiaridade: é um ente que, ao existir, possui uma compreensão prévia de ser, mesmo que vaga e não tematizada. O Dasein, portanto, tem um modo de ser que é ontológico, pois se interroga sobre o seu próprio ser, mas simultaneamente é ôntico, pois existe de fato no mundo entre outros entes, com suas necessidades e finitudes. Heidegger chama isso de “facticidade” do Dasein: o ser humano está lançado em um mundo de entes, vivendo de maneira ôntica, mas possui a abertura para questionar o ser destes entes, o que o torna ontológico.
Outro ponto importante é que, para Heidegger, a filosofia tradicional esqueceu o ser por ter reduzido toda a sua investigação ao nível ôntico, transformando a metafísica em uma ciência dos entes supremos em vez de questionar o sentido do ser em si. A superação deste esquecimento exige que o Dasein suspenda o olhar meramente ôntico, transformando sua relação com os entes para abrir o horizonte ontológico, onde a questão do ser pode surgir novamente de modo radical.
No entanto, a análise ôntica não é desprezada por Heidegger; ela é necessária como ponto de partida, pois o Dasein só pode empreender a análise ontológica a partir de sua condição ôntica concreta. Em outras palavras, a existência cotidiana, mesmo imersa em preocupações e ambiguidades, contém o germe da abertura ontológica, pois é nela que o ser se dá de modo velado, e é por meio dela que o Dasein pode desvelar-se para si mesmo.
Assim, compreender o ôntico em Heidegger é reconhecer que nossa relação imediata com o mundo e com os entes não é suficiente para nos fazer compreender o sentido do ser, mas é o campo a partir do qual essa questão pode emergir. O desafio heideggeriano permanece: partir do ôntico sem ficar prisioneiro nele, abrindo-se ao ontológico, para que a pergunta pelo ser possa iluminar nossa existência de modo mais autêntico.
Como eu tenho dito nos textos anteriores,penso que no ôntico há essências.O “ homem não é isto ou aquilo”,mas sentido.Para,no entanto, construir sentido há que trabalhar com essências,compreender as essências ,modificá-las ,tratá-las.
É aqui que eu vejo um elemento profissional da filosofia,porque ao tentar melhorar a condição existencial de uma pessoa,o seu sentido perdido,nós podemos saber o que está errado com a essência e modificá-la ou substituí-la.
Uma vez eu discuti com uma pessoa ,uma menina,que estava deixando o magistério,para o qual se preparara trinta anos,para se casar,pois segundo ela,a sua verdadeira vocação era a família.
Eu citei então um caso de uma pessoa que fez a mesma coisa que ela e que se arrependeu.Eu disse que depois de se preparar por tanto tempo para conseguir um ideal e descobrir que não o era,significava desqualificar a vida inteira e demonstrava incapacidade da pessoa de definir os seus rumos,quer dizer,reconhecer uma certa inaptidão para a vida.Um certo desaquilibrio e ambiguidade.
Esta menina negou ,mas anos depois sentiu que eu estava certo.A aconselhei a não sair do magistério,mas ela substituiu tudo.Ela trocou uma vida por outra e se deu mal.
Ao longo dos textos sobre Heidegger eu vou tratar de exemplos como este,para evidenciar como,a partir de sua filosofia,se pode,não necessariamente caindo na psicologia,entender o sentido da vida ,o seu sentido e o dos outros,de modo a ter saúde e felicidade e bem-estar na vida.
A essência de professor,tanto tempo buscada,foi substituida pela de mãe,um tanto quanto natural e obrigacional e porque não dizer,automática.
Uma essência desapareceu para dar lugar a outra,mas ,no final,não teve a mesma força que a do magistério.
Por razões óbvias ela trocou a sua procura,que se provou,tanto tempo,por uma que não era almejada.Porquê?
Para fazer o que a sociedade quer?Por não resistir à pressão e ser solteira?E não ter discurso para ser solteira,apesar da pressão dos outros?Neste momento as perguntas típicas heideggerianas adquirem um significado de apontar para os outros(e a filosofia apontar)o caminho verdadeiro da pessoa que decide.
Em princípio a rutura não teve consequencias,mas depois teve ,porque a pessoa sentiu que o que ela queria era o magistério,porque procurou a vida inteira.Ela se descolou de algo real por uma noção ideal,sempiterna até,de casamento e família.