terça-feira, 25 de julho de 2023

Maquiavel


Assim como Shakespeare, Maquiavel tem uma característica muito importante para mim: nós sabemos que há certos autores em que as entrelinhas são tão importantes quanto as linhas.

Na verdade ,como se sabe, o ser humano só se alfabetiza quando consegue ler as entrelinhas e não fica só na literalidade das linhas

Muitos críticos ,como Bárbara Heliodora, não aceitam que alguém faça uma interpretação de Shakespeare além do que ele disse na literalidade de seus textos, mas tanto ele quanto Maquiavel permitem uma interpretação extensiva e livre que não nega necessariamente aquilo que eles escrevem.E isto é uma qualidade excepcional.

No caso de Maquiavel e de seu capítulo 8 ,de que eu tratei recentemente, fica claro. As interpretações sobre esse pequeno texto e esse pequeno capítulo são bastante possíveis e na verdade eu considero que é um dos elementos decisivos de toda a estratégia política em todas as épocas.

Já ouvi de muita gente boa dizer que as concepções de Maquiavel que são muito parecidas com as de Luiz XI e de outros políticos ao longo da história não são mais do que um recolha da experiência desses políticos e figuras , mas na verdade ele sintetiza essa experiência humana antes dele e depois tira as conclusões as mais importantes sobre o fazer política e ter estratégia política.Quero dizer analisa o passado e consegue projetar o futuro.

Muita gente acha que política é fácil.No entanto ela tem um grau de concreticidade muito grande e exige de quem a faz uma certa atenção e um certo sangue frio, nervos de aço, para poder fazer a sua estratégia e ganhar os seus objetivos.

Eu escrevi um artigo algum tempo atrás sobre como a figura do atual presidente americano Joe Biden é extremamente contraditória ao retirar os americanos do Afeganistão deixando para trás os talibãs contra os quais os Estados Unidos lutaram tanto e perderam vidas.

Assim outros exemplos provam que às vezes o desejo individual de um politico se contradiz com a sua atividade:o Presidente Franklin Roosevelt queria ter uma participação maior e inicial na segunda guerra,mas não podia,sem motivo,impô-la aos americanos que desejavam neutralidade.Este motivo foi Pearl Harbor.


quinta-feira, 20 de julho de 2023

O capítulo 8 de Maquiavel


Esse é um dos capítulos mais importantes do Príncipe de Maquiavel e eu considero, com outros conceitos elaborados por sun_tzu e outros pensadores e práticos da política, como aquele capítulo que permite ao político e ao estrategista em geral construir o seu timing de atuação.

Basicamente Maquiavel considera que aquilo que favorece uma pessoa ,um político ou um príncipe deve ser feito aos poucos e a vista de todos, enquanto que aquilo que não o favorece deve ser feito rapidamente e às escondidas.

É evidente que as considerações de Maquiavel não contemplam a questão moral. Ele é fundamentalmente um autor amoral porque considera que atos amorais podem ser participes da estratégia do príncipe.

Não há aqui da parte dele nenhuma preocupação em associar a estratégia do Príncipe com critérios de ordem moral que poderiam paralisá-lo.Se for possível juntar tudo bem,mas se não não.

O príncipe ,uma vez tomada a decisão de realização de seus objetivos deve se preocupar em chegar lá de uma maneira que possa ser legitimado e de uma maneira que não possa retornar.

Aliás esse capítulo trata exatamente de exemplos históricos em que os príncipes envolvidos,os políticos envolvidos ,não buscaram a legitimidade para permanecer no poder. O capítulo começa com essa preocupação e a causa apontada por Maquiavel para a queda desses príncipes citados lá no capítulo é exatamente a falta de legitimidade ,mas não no sentido moral, no sentido de que a estratégia se for bem feita alcançará esse objetivo e a sua legitimidade.

Em outra passagem ele desenvolve essa questão. No capítulo 8 a questão é exatamente mostrar o fulcro da estratégia: o timing do político se associa evidentemente a essa estratégia ,que visa conseguir ,custe o que custar, o objetivo.

Penso que de modo geral havendo moralidade ou não, é através dessa primeira referência maquiavélica do fazer político que se pode estabelecer os momentos próprios pelos quais ele age.

Dentro de uma política democrática, e da política em geral, o objetivo serve de referência para esse timing, mas acima de tudo o que se depreende desse capítulo e de sua leitura é exatamente que o político deve agir segundo a sua atividade segundo si mesmo e não levando em consideração a sua relação com outros participantes do processo .

Quer isso dizer que apesar das condenáveis coordenadas que Maquiavel põe aqui nesse capítulo a questão daquilo que favorece o político e daquilo que não favorece, depurada desses elementos perversos, serve a qualquer político e a atividade política em geral.

O que poderia ser ainda um problema, algo a ser criticado, é a necessidade de esconder a ação do político, mas mesmo nesse caso é possível em determinadas situações defender a atitude.

Um exemplo clássico ressaltado pelo diplomata Henry Kissinger é a atitude durante a década de 30 e no início da década de 40 do século passado, do presidente Franklin Roosevelt que não quis colocar-se contra o povo americano que não desejava a guerra.Ele se preparou para essa inevitabilidade entrando no processo de conflito geral sem parecer defender uma entrada na guerra de modo imediato.

E assim outros políticos em outros exemplos escondem certas questões técnicas e diplomáticas de sua atividade para exatamente defender o seu povo e quando precisarem dele poderão expor o que fizeram sem perder a legitimidade.


quarta-feira, 19 de julho de 2023

Marx e o pedreiro


Uma das defesas que se faz em relação a Marx no que tange ao problema da autonomia das ideias é citar aquela frase famosa da diferença entre uma aranha e um pedreiro.Sabemos como se construiu essa frase: “o que diferencia a melhor aranha quando faz a teia do pedreiro que constrói uma casa é que esse último projetou em sua mente o que ia fazer “.

Os defensores de Marx sempre citam este conceito como a prova de que ele reconhecia o valor das ideias.Mas não é isso o que os críticos dizem não. Marx submete esse pensamento prévio do pedreiro a um encaixe perfeito e dialético (prévio) com a realidade, fazendo com que a subjetividade tenha uma dependência dessa conexão e dessa objetividade.

Quando se trata da autonomia das ideias o que se está dizendo é que a subjetividade tem autonomia e que é referência para uma eventual ciência ou abordagem autônoma dos seus mais diversos aspectos.

De modo geral o marxista ortodoxo não suporta reconhecer a validade desses múltiplos aspectos da subjetividade. Ele não suporta associar ,como fez Eric Fromm, Marx com Freud e assim como com outras abordagens capazes de dar conta de um aspecto particular da subjetividade.Tudo bem .Ainda que se admita a recusa um tanto quanto absurda dessa pluralidade de mediações explicativas da subjetividade não se pode negar que algo fica de autônomo na subjetividade e que não pode ser reduzido à relação do pensamento com a realidade objetiva: a experiência, retida na memória.Se é verdade que a subjetividade não pode viver fora do mundo e da objetividade, é também pela experiência retida que possui uma autonomia enquanto base da ação humana e enquanto possível objeto de investigação.O ortodoxo pode ficar por aqui revalorizando e ressignificando o materialismo histórico e perder outras facetas da subjetividade ,o seu conhecimento.

Não poderá negar ,no entanto, que a experiência como parte do conhecimento humano e da ação humana transcende a visão materialista dialética que conecta e encaixa o sujeito ao objeto.De modo geral os materialistas são imanentistas e encaixam o sujeito e objeto de alguma forma ,mas a verdade é que o ser humano e o bom conhecimento e a boa ciência são aqueles que não se limitam e isto se dá nas filosofias e nas ciências que admitem o transcendente,admitindo algo além do puro encaixe.

É nesse sentido que o materialismo de Marx é limitado e tem o alcance muito limitado diferentemente do que ele queria.


terça-feira, 18 de julho de 2023

Kant é saúde,Hegel(e Marx) não

 

A comparação necessária que se faz agora entre Kant e Hegel (e Marx), as duas maiores tradições filosóficas do século XIX e que tiveram influência decisiva sobre o século 20 e até aos dias de hoje, faço em termos dos problemas que ambas causam para a subjetividade.

A subjetividade nasce no século XVIII com a figura de Kant ,mas essa pretensão também é atribuída a Hegel.Contudo nesse último caso “há” como diz o outro “controversias”.Não se sabe bem se em Hegel vem primeiro a dialética ou a subjetividade que compreende a dialética. Na verdade sempre foi um problema a discussão sobre o espírito subjetivo e o espírito absoluto.Se considerarmos a dialética ,o espírito absoluto e o subjetivo se integram ,assim como o espírito subjetivo com o espírito objetivo.

Para mim o termo espírito objetivo é muito problemático porque ele só é na medida em que é apreendido pela subjetividade e se integra com ela dialeticamente.Mas nesse artigo quero tratar somente da subjetividade que compreende não só a objetividade mas também essa ideia de absoluto que Hegel tirou de mestre Eckhart.

Na medida em que a subjetividade está integrada pela dialética nessas duas outras mediações supõe-se que é possível um encaixe real sujeito/objeto sujeito/Deus, o qual está também sob a dialética(assiste razão a Garaudy em dizer que em Hegel se completa o ateísmo) .

Este encaixe não é saudável porque cria impressão falsa de que é possível compreender o movimento total do mundo natural e do mundo social e isto é totalmente contestável na medida em que se sabe que não existe uma dialética no mundo todo, que o mundo não se movimenta por contradições dialéticas, como eu já demonstrei em outros artigos citando Popper.

Para mim Kant é saúde exatamente porque coloca essa limitação essencial que não se encontra na tradição Hegel/Marx. No caso deste último penso até que a subjetividade está amarrada a esse princípio dialético como já está na dialética hegeliana. O que para mim significa que a subjetividade fica vai não vai entre a realidade objetiva e a subjetividade com prejuízo para essa última. Podemos dizer talvez mais radicalmente que em Marx a subjetividade acaba, o que induz no futuro toda a desconsideração sobre a vida privada,excetuando-se alguns de seus seguidores que buscaram autonomizá-la ,como Gramsci.

Em Kant é possível compreender alguns padrões aristotélicos pelos quais se apreende o mundo em suas manifestações, mas não todo ele ,admitindo assim que há coisas ,fatos e realidades novas. Além dos limites essenciais, Kant coloca de forma real a existência de um processo de mudança, coisa que a dialética hegeliana nega ,como identificou Proudhon.

No fundo no fundo Hegel é paralisia porque todo o suposto novo que aparece já está limitado pela dialética.O que de certa maneira transforma a mudança em algo do passado. Como no processo psicológico da revolta a dialética coloca o novo, o atual ,a presença ,sob o critério do passado ,o que compromete a realidade da mudança.Porque a dialética é sempre o passado,enquanto pré-dada como mediação explicativa.

O fulcro,no entanto,deste meu artigo é a questão da saude:há uma intersecção entre a filosofia e a psicologia aqui,muito embora Kant não quisesse ver.

A dialética hegeliana é uma forma de idealismo,que remonta à Platão e à sua visão das ideias perfeitas.Todo idealista distorce o real,porque não o apreende na sua complexidade,mas dentro de algo pré-dado,um modelo pré-dado escolhido pela subjetividade.

A objetividade e a figura de Deus passam para eles como modelos supostamente perfeitos,mas a consequencia mais perigosa desta concepção é que a subjetividade se condiciona por este idealismo,qual nome que ele tenha,que ela pensa derivar de si mesma,na sua apreensão do real.

Mas é só pensamento e esta dependência do modelo é a origem possível e arriscada de doenças e debilidades do sujeito.

Lacan,que eu cito pela primeira vez aqui,achava Platão débil e Brunschveig,considerava Hegel um infantil.A razão disto é a subjetividade se colocar como modelo explicativo único do mundo,repetindo uma limitação do humanismo renascentista.

Kant padece do mesmo problema no chamado “imperativo categórico”.Mas neste caso a pura formalidade e equilibrio entre a comunidade e a subjetividade individualizada permite a inclusão de novos conteudos,o que não acontece no caso do idealismo.

Senão vejamos:como salvar a concepção de Platão,adicionando novos conteudos,senão comprometendo a sua episteme ?

E no caso de Hegel(e Marx),como adicionar conteudos se não se admitir algo além da dialética?para ser diferente?Novo?

E no caso de Marx fica provada a sua inferioridade em relação a Kant uma vez que como critico da comunidade universal,que ele não aceita,não é possível adicionar novos elementos sem quebrar esta premissa,que é a sociedade de classes.Se Marx admitisse uma comunidade a sua crítica à sociedade capitalista não teria sentido.

Contudo existe uma comunidade.Parcial ,mas existe ,entre as classes ,sendo um idealismo considerar a dissensão entre elas como único motor da história.

A distorção que leva às doenças começa nesta atroz crença idealista da subjetividade.De apreender o real de forma parcial colocando-se numa dependência desta crença.Daí vêm possivelmente os fetiches,as esquizofrenias e debilidades.

 Con todos os defeitos e limites, o pensamento de Kant começa a por o real no lugar dele e a subjetividade também.Enquanto que Hegel(e Marx)não.


terça-feira, 4 de julho de 2023

Descartes e Pascal

 

Na análise das figuras históricas do pensamento humano,avulta em importância discutir o máximo da capacidade produtiva delas,para servir a um propósito pedagógico.

Inumeras vezes já disse que não é uma questão de vontade ser um grande homem,um grande criador e realizador.

Tudo depende da oportunidade e do esforço de cada um.Quer dizer:estar no lugar certo e na hora certa.Saber dar a resposta certa no momento certo aos desafios do seu tempo.

Mesmo,evidente,há que reconhecer que faculdades mentais especiais precisam ser reconhecidas não só para dar o devido valor à pessoa,mas também reconhecer a medida de sua contrbuição para a sociedade.

Como os homens são inevitavelmente desiguais,a contribuição d e cada um,segundo as necessidades sociais,deve ser apurada não para efeitos de exaltação,mas de contribuição.

Igualar estes realizadores é,no final,reprimir o valor individual e este é um dos erros fatais do socialismo,que de ideal de justiça,tornou-se uma forma corriqueira e igualmente deletéria de totalitarismo destrutivo e auto-destrutivo.

As duas maiores cabeças ,no meu modo de entender,são Descartes e Pascal porque deram contribuições decisivas tanto nas ciências humanas quanto nas ciências naturais e neste último caso não se trata de filosofia expontânea dos cientistas,mas de contribuição real,embora os dois lados da atividade se condicionem.

Em relação a Galileu pode-se dizer que as suas elucubrações são derivativas da sua atividade cientifica,ainda que não percam por causa disto qualidade.

Galileu criou o conceito fundamental de experimentação,mas este conceito foi sendo elaborado progressivamente e as suas afirmações dando conta de que criou uma ciência,perderam sentido ultimamente.

Descartes e Pascal souberam trabalhar bem esta relação ,com os dois lados, e a análise de suas contribuições nos permite ver como estes dois lados funcionam,como são feitos ,como se interpenetram e se separam.

Veremos no próximos artigos.