terça-feira, 29 de outubro de 2019

Freud e o Pai II

O que me impressiona nesta história é que Freud conviveu a vida toda com as irmãs ,o que prova que não houve ressentimento,com a decisão do pai.
Em que condições o ressentimento de uns com relação a outros é diluível?A meu ver só se houver uma consciência coletiva da natural diferença de capacidade inata dos homens(Locke).
Isto se constrói pela educação e pela consciência que se tem deste conceito,que é transmitido neste contexto logo de inicio às famílias.
Mas de modo geral,os povos,vivendo em extrema escassez,ao longo da história,desenvolvem muito mais critérios de rapinagem,competição e violência,do que de compreensão e nesta hora o favorecimento reverbera como ressentimento nos outros,seja porque razões.
É aqui neste ponto que penso que os caminhos de Marx e Freud se unem e se distanciam.
Se unem porque a problemática social que permite a compreensão da desigualdade natural dos homens esté presente nos dois autores,muito embora comentadores de Freud afirmem que Freud não reconhece o significado psicosocial das neurores,privilegiando o individual.Isto é parcialmente verdade.
E eles se distanciam na medida em que Marx aborda mais o coletivo.
Mas podem ser reunidos,se erros de ambos,se a parcialidade acima demonstrada de ambos,for deixada de lado em nome da constatação de que existem a individualidade e a coletividade interrelacionadas,num processo que vai do ego ao eu e vice-versa,da experiência para a consciência e vice-versa,sem rupturas ou com rupturas psicológicas.
O comunismo,segundo Freud,falha quando não reconhece esta individualidade,mas eu diria que é mais do que isto:embora o comunismo se preocupe com a sociedade e procure as suas “ tonalidades”,as suas mediações,se rende à consideração falsa de que a simples implantação do comunismo iguala os homens no seu propósito mais elevado de distribuição equânime de riquezas e possibilidade de sua fruição para todos.Isto não é assim uma verdade imediata e não necessáriamente acaba com o critério natural de desigualdade.
Antes de chegar a este estado de coisas há que construir uma sociedade capáz de entender a desigualdade natural dos homens ,inclusive e pricnipalmente transferindo este conceito para as crianças,nos primeiros anos,como fez o pai de Freud.

domingo, 27 de outubro de 2019

O que é e o que é isto

A grande questão que ponho diante de Heidegger desde que tomei contato com sua filosofia,numa especialização na UERJ,é que o modo de ser do ser,o seu isto,a partir do qual se constrói um sentido não prescinde de uma essência(e de uma substância[aristotélica]) e ,por outro lado,o sentido só vale como projeto para o homem,que ,já,não é sujeito/objeto cartesiano,mas sentido.
Heidegger só se refere a este sentido pretendendo uma ruptura com Aristóteles e diz que as coisas,não o homem,podem ter sentido,se este der a elas,mas a verdade é que o isto só se revela pela presentificação(persiste uma discussão se o modo como Emanuel Carneiro Leão traduz Das-ein está certo:presença e não presentificação).Aquilo que se manifesta como existir,o faz no tempo,no modo como se apresenta,como se torna presente e aí Heidegger pretende ver uma interseção entre o homem e o Ser em geral,porque todo ser é sentido enquanto torna-se algo.O algo é o ente,aquilo que se coloca a maneira de algo.O Ser do ente é este(Das-ein) por-se permanente(-mente),como existente.
Nem mesmo a classificação fenomenológica sobre Heidegger é bem vista por ele.A classificação de modo geral não abarca o ser em seu sentido,em seu movimento,mas não há como dissociar o filósofo e seu pensamento da redução fenomenológico,ao eidós.O eidós é aquilo que se apresenta como tal,como existente,não limitado por nenhuma classificação,só o puro apresentar-se.
Aqui ,no entanto,há sim a ruptura pretendida por Heidegger em relação a Aristóteles,mas não se pode negar que mesmo na acontecência ,no sentido, há uma essência,minimamente substantiva,na medida em que os atos se definem por uma razão de ser:há uma diferença em agir como um professor e como uma porta-bandeira;um livro que se me apresenta é diferente de uma bola de tênis.
Esta concepção ,de sentido e de acontecência,une a vida com a arte,com uma narrativa poética(romanesca),porque tudo passa a ser descrito ,acompanhamento deste sentido.Mas a observação anterior sobre essência continua valendo.
É curioso como Guimarães Rosa em seu livro de contos “Acontecências” pespegou o sentido da filosofia heideggeriana,mas nada vai além disto,porque a filosofia de Heidegger tem um significado artístico evidente.

sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Kant e a experiência

Kant de novo

A questão da experiência aparece em Kant desta forma:o que Kant queria fazer era recuperar a metafísica.Reconhecendo que qualquer um poderia filosofar com ela.Então a experiência,juízo a posteriori, é reconhecido como parte do processo de conhecimento,mas sem as categorias do pensamento ,dadas a priori,ele não tem valor.
O conhecimento só tem valor de acréscimo,como já expliquei, quando a consciência acrescenta um predicado a um sujeito.Quando não acrescenta ele é óbvio,tautológico.
Mas ainda não é conhecimento acrescentativo o que Kant procura, mas os juizos abstratos,transcendentais,como as figuras geométricas e matemáticas “criadas” pela razão,deduzidas pela razão.1+1=2,não há referência,segundo Kant,a uma experiência,a uma percepção,a algo trazido pela sensibilidade(Locke).
Então porque falar em experiência,sensibilidade?Pelas razões a que já aludi:todo homem pode conhecer,por uso e concurso de sua consciência capaz,sem nenhum modelo(religioso)pré-dado essencial.O século XVIII é o momento em que os cientistas recebem constantemente a pergunta:onde está o fundamento divino(transcendental) desta sua tese?Benjamin Franklin,Laplace e D´Alembert respondem com a negativa da necessidade disto e aduzem que o trabalho pura e simples em busca da descoberta é suficiente para lhe dar legitimidade(prova da hipótese).
Este homem comum,autônomo ,no entanto,não pode ficar diante de um objeto,para conhecer o mundo,para construir verdades universais,permanentes,trans-históricas:ele usa o seu a priori,as categorias do pensamento.Então a percepção não é tão importante assim porque o a priori é que decide e o a posteriori não joga um papel tão decisivo também,mas o mundo tem que ser apreendido pela intuição,o objeto o tem ,não o mundo inteiro(o ser em si incognoscível),para gerar a noção da diferença entre o particular e o geral,o universal.
Kant ainda não reconhece esta distinção como experiência subjetiva,porque ele não tem ainda condições de entendê-la.Mas com o tempo,com o surgimento de Hartmann,Freud,a subjetividade adquire autonomia,como experiência,entre outras coisas.
Para Kant ,e isto é bem racional e iluminista nele,a verdade é a adequação do sujeito ,da consciência, com o real,ainda que particular.
Amadurecer,deixar de ser criança é compreender esta verdade.Quando o homem medieval imaginava bruxas e basiliscos no céu ele era como uma criança que inventa personagens irreais.Aqui está a origem do pensamento positivista segundo o qual a humanidade só amadurece no século XVIII,por,pela primeira vez,ver o mundo despojado de ilusões.
Mas é uma pretensão iluminista e racionalista analisar o passado com a sua perspectiva científica.Embora as limitações do saber passado pudessem “ infantilizar” o homem,a sua inconsciência quanto a estes limites o “ inocenta” ,mesmo porque não é só o saber racional que define a maturidade,mas a ... experiência,algo mais complexo e inserido no tempo,categorias não muito compreendidas por Kant e os iluministas ,ainda.
É só com a psicologia moderna que mesmo estas ilusões têm um significado subjetivo ,atribuído pelos racionalistas de então,às doenças e à religião,com suas “superstições e crendices”,que separam o homem do mundo real.
Freud ,em sua “ Interpretação dos Sonhos”,expõe os primeiros estudiosos dos sonhos,não reconhecidos ainda,como reveladores de significados e até valores subentendidos no material onirico.Mesmo as superstições supõem uma lógica e uma tentativa não (necessariamente)distorcida de interação com o mundo.Ainda que a inadequação com o real deslegitime o conhecimento(para a razão[pura]),a adequação com a subjetividade,ameaçada sempre pela frustração e desilusão,tem autenticidade.Além do quê esta adequação não é absoluta,como pensavam Kant e os racionalistas e iluministas,mas uma construção com o objeto intuido(Kant de novo),cercado de um mar de inconsciência,erros(errância em Nitezsche[método de tentativa e erro])que a razão deve discernir para caminhar e amadurecer.Kant não tem ,como os outros,elementos para compreender isto,mas põe as condições desta integração futura sujeito/objeto.
Há anos atrás,para explicar Kant eu usei um exemplo concreto do provador de café,que diante de múltiplas xícaras identifica a origem dos liquidos.Para Kant esta capacidade estaria dada a priori,mas o provador só o faz depois de um aprendizado e da aquisição de uma experiência profissional.Kant retira a sua concepção de aprendizado de Rousseau,do “Emilio”,no qual se invectiva contra as repressões aos impulsos naturais legitimos do homem,mas sem levar em conta esta questão.O conhecimento do provador não é universal,quero dizer,quer dizer Kant.
O aprendizado e a experiência adquiridos,são o inicio e a continuidade da autonomia cada vez maior(infinita?)da subjetividade e constituem o surgimento de uma psicologia do ego e do eu.
O eu é a escolha racional,o ego,esta experiência.Para Kant só importava o eu,a escolha racional,mas com o tempo fica clara esta inevitável relação.Toda escolha é referenciada direta ou indiretamente com o ego.
Se digo para uma mulher:”Te amo Milla” e não recebo resposta,isto não invalida a experiência adquirida,mas singulariza esta escolha frustrada(se há frustração)que fica sem efeito.É aqui que os autores localizam a transcendentalidade de Kant e seu pensamento,uma ideia pura,em algo não referenciado à sensibilidade,mas isto não tem sentido porque a escolha só se faz tendo este fundamento.E ademais o que Kant chama de transcendentalidade são os princípios universais e abstratos.
Aqui é que o problema se complica porque é possível imaginar que um primitivo homo sapiens tenha feito uma figura geométrica sem analisar coisas naturais,pedras ou mesmo suas produções culturais,como cestos e roupas?Os empiristas o negariam,dizendo que não há nada no pensamento que não seja percebido antes(Locke)e é realmente dificil que não seja assim,mas há um principio filosófico que diz que tudo que o homem imagina pode se adequar ao real,no futuro,não na imaginação,mas no real mesmo.Não sei de casos confirmados,mas não se pode negar.Ninguém sabe se um basilisco não pode ser encontrado em outro planeta ou mesmo construído em laboratório.A própria clonagem é um pouco a imaginação de Mary Shelley em “ Frankenstein”.Só não casa com a questão da morte e ressurreição.
A questão do ego e do eu,assim posta,apresenta outras consequências:Freud ao apresentar sua tríade Id,Ego e Superego ,exceto pelo primeiro,está muito consentâneo com Kant(sem o saber).A escolha ,localizada no superego,nele,no ego, se fundamenta.Sartre afirma que (pode)existir uma dialética entre estes três termos e(logo)entre os dois de Kant,mas não necessariamente,digo eu,porque um sentimento de amor(igual não contraditório) fundamenta a expressão linguística dele,no “ te amo Milla”.Talvez a obsessão(como outras doenças e neuroses)se fundamente na necessidade(pela recusa da necessária frustração da negação do amor,ou não reconhecimento da inadequação do sujeito com o mundo,como condição de vida e crescimento)seja a necessidade(fetichista?)de reiteração(tautológica,experiência de mesmidade,sem significado e algo novo,sem acréscimo)para satisfazer um desejo enorme,reprimido(pelo trauma[por isso enorme]),que quer se manifestar(e precisa).Então a dialética é saúde.
A dialética,supostamente só de Hegel(e de Marx)entra escondidinha em Kant,que não a aceitava(antinomias da razão),entrando nesta proposta de Sartre e confirmando que ela é cultural,construída pela consciência.
Se a reiteração,pelos motivos supraditos,não é saudável é porque o fundamento pode ser no mesmo sentido da linguagem,da assertiva(eu te amo),mas distinto,diferente,não contraditório,no sentido de que só existe o macho por causa da fêmea e assim por diante,mas porque algo(ente:aquilo que se põe[como existente]à maneira de algo)é diferente ou distinto da afirmação:a emoção e o sentimento(diferentes,distintos)complexos do amor e do afeto(mais distinção)são o fundamento do “eu te amo”.Pode haver adequação entre o amor e a sua correspondência,mas mesmo na negação,o amor é dialético,porque se funda na ideia formada a partir de outro corpo(talvez tendendo para o fetichismo ou obsessão,pela idealização).Precisa do outro percebido para existir.Pode se “ acusar” esta adequação de pobre mas não de ilegítima ou irreal,no sentido dialético.
A fundamentação em algo contraditório carrega o perigo de esquizofrenia ou algo pior,mas se funda numa experiência subjetiva real(biológica),por exemplo,só ama a mulher aquele que é macho,ou porque o é.Mas então a homoafetividade não é dialética?Existe uma negativa neurótica na busca do igual?E no homofóbico,a destruição do outro não revela,entre outras coisas,pelo outro,da presença de um desejo pelo igual?A recusa( pela destruição[o outro é risco de revelação]) não é esconder-se?Em outro artigo tratarei disto aqui.
Para finalizar,o que fica claro na dialética incrustada em Kant,passando por Sartre,é que a dialética (contradição,diferente,distinto)só é possível nesta experiência:só existe o amor se existe o sentimento interagindo e ambos (se)dependem(embora haja hierarquia na escolha[o fato amoroso pode existir sem se manifestar,no entanto]).

domingo, 13 de outubro de 2019

Massacrados de todos os países uni-vos.

Há anos passados era muito mais fácil ser caridoso e falar com e dos pobres e miseráveis.Tal tradição começou com o livro de Vitor Hugo,do mesmo nome,mas depois do fim do comunismo e com todos os episódios terríveis destes ismos modernos,imperialismo,comunismo,fascismo,os pobres e miseráveis,ficam,no mínimo,desconfiados destas intenções,muitas vezes,realmente,auto-promocionais,de ajuda,de caridade.
Fui criado com estes valores de auxilio e preocupação com os desvalidos,mas recebi em troca não flores mas pedradas:classe média,área de conforto,egoista,brancão e a minha perspectiva passada,naturalmente,teve que mudar,não no sentido de deixar de lado os que sofrem,mas de recolocar a minha relação com eles.
E fiz isto colocando algumas mediações entre mim e eles.Já que o transporte emocional,piedoso ,não serve,sendo rechaçado,fundamentei a minha preocupação emocional piedosa no direito de exigir dos governos que o meu dinheiro pago em impostos solucione estes sofrimentos.Isto tirei de Hannah Arendt,cuja visão do papel do dinheiro mudou a minha antiga rejeição:vivemos num mundo em que o dinheiro move montanhas e facilita soluções.A rejeição pura e simples do dinheiro,aliás,é muito conveniente para os poderes politicos dominantes(à esquerda e à direita),que transitam bem entre cidadãos desinteressados.O contato com o mundo real é muito necessário.
Lutero é o primeiro a formular este conceito,na medida em que preconizou o enfrentamento do mal,em vez de sua recusa.Mas o enfrentamento do mal(na figura do diabo),é o reconhecimento do mundo,como lugar de glorificação divina.O mundo se torna um lugar de participação,de auto-transformação.E é o lugar onde estão os pobres,os oprimidos e os miseráveis.
A mediação do dinheiro é sempre rejeitada por separar o homem do homem:do cristianismo a Marx,de Rousseau a Nietzsche,não há mediação nenhuma,como condição de uma humanidade autêntica,mas as obras humanas,as relações humanas concretas pedem o reconhecimento da realidade ,mesmo que o universo futuro imaginado(imaginário[utopia])seja o melhor dos mundos.
O modo de relacionar-se com o mundo é a estrada da utopia.

sábado, 12 de outubro de 2019

Mais fundamentos da minha atividade de pesquisador II

Seguindo o raciocinio do artigo anterior é importantíssimo manter a tradição deste intelectual clássico,humanista italiano,ao qual me filio.
A minha formação é semelhante a do professor Antônio Cândido,cujos pais lhe deram ,quando pequeno,uma enciclopédia,para ir se ilustrando.Esta história está contada em um dos volumes da revista ciência hoje(olha aí a citação...).Assim o professor foi adquirindo conhecimentos essenciais para a sua futura atividade intelectual.
Caiu-me nas mãos a “ Grande Enciclopédia Delta Larousse”,aí por volta de 1970.Esta enciclopédia foi constituída pelos trabalhistas exilados por causa da ditadura,para dar emprego a toda esquerda que tinha perdido o seu meio de sobrevivência.Meu pai a comprou para ajudar a estas pessoas e eu a li totalmente durante 25 anos ,até à idade adulta.Na verdade até hoje ela é muito inspiradora para mim.
Ler um livro,para mim,é uma atividade para a vida toda.Reler também e eu ,que sempre de gostei de livros clássicos e fundamentais,releio mais do que leio.Em cada época da vida a leitura se modifica e tem efeitos novos e diferentes sobre mim.
Mas o que ressalto na leitura inicial desta enciclopédia é que ganhei o gosto da interdisciplinaridade,das relações entre os saberes.
Esta interdisciplinaridade,como tudo na vida,tem que ser vista dentro de uma certa prudência aristotélica:nem tanto ao mar nem tanto à terra.É lógico que uma dispersão total,sem fundamentos,não tem sentido.Alguns autores chegaram até a fazer uam crítica deste tipo sobre Leonardo Da Vinci(assunto para um outro artigo).Penso que o mesmo vale para Marx e outros,mas a interdisciplinaridade contém uma vantagem que este sistema capitalista ,burguês e protestante,resultante da racionalização do trabalho,a partir da Reforma e da Contra-Reforma,e que causa ,entre outras coisas, o desemprego,é que o trabalhador ,tendo várias aptidões,se perder o seu ganha-pão,tem alternativa.Muitas vezes o desemprego se dá porque a pessoa se especializa.

Seguindo o raciocinio do artigo anterior é importantíssimo manter a tradição deste intelectual clássico,humanista italiano,ao qual me filio.
A minha formação é semelhante a do professor Antônio Cândido,cujos pais lhe deram ,quando pequeno,uma enciclopédia,para ir se ilustrando.Esta história está contada em um dos volumes da revista ciência hoje(olha aí a citação...).Assim o professor foi adquirindo conhecimentos essenciais para a sua futura atividade intelectual.
Caiu-me nas mãos a “ Grande Enciclopédia Delta Larousse”,aí por volta de 1970.Esta enciclopédia foi constituída pelos trabalhistas exilados por causa da ditadura,para dar emprego a toda esquerda que tinha perdido o seu meio de sobrevivência.Meu pai a comprou para ajudar a estas pessoas e eu a li totalmente durante 25 anos ,até à idade adulta.Na verdade até hoje ela é muito inspiradora para mim.
Ler um livro,para mim,é uma atividade para a vida toda.Reler também e eu ,que sempre de gostei de livros clássicos e fundamentais,releio mais do que leio.Em cada época da vida a leitura se modifica e tem efeitos novos e diferentes sobre mim.
Mas o que ressalto na leitura inicial desta enciclopédia é que ganhei o gosto da interdisciplinaridade,das relações entre os saberes.
Esta interdisciplinaridade,como tudo na vida,tem que ser vista dentro de uma certa prudência aristotélica:nem tanto ao mar nem tanto à terra.É lógico que uma dispersão total,sem fundamentos,não tem sentido.Alguns autores chegaram até a fazer uam crítica deste tipo sobre Leonardo Da Vinci(assunto para um outro artigo).Penso que o mesmo vale para Marx e outros,mas a interdisciplinaridade contém uma vantagem que este sistema capitalista ,burguês e protestante,resultante da racionalização do trabalho,a partir da Reforma e da Contra-Reforma,e que causa ,entre outras coisas, o desemprego,é que o trabalhador ,tendo várias aptidões,se perder o seu ganha-pão,tem alternativa.Muitas vezes o desemprego se dá porque a pessoa se especializa.

sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Mais fundamentos de minha atividade de pesquisador

Eu também sou muito acusado de dispersão,de querer fazer muitas coisas ao mesmo tempo,perdendo,com isto,profissionalidade e me tornando “ pau para toda obra”,indistinto e só força.
Em primeiro lugar só uma coisa me interessou na vida:a Utopia,como emancipar a humanidade da miséria e do sofrimento(Razão emancipatória de Habermas).Nisto Marx ainda está comigo,mas não só ele.Outros antes e depois dele me serviram e me servem de referência para este objetivo de vida.
Então toda a minha atividade se funda em conhecimentos interdisciplinares.Eu já disse em outro artigo que a interdisciplinaridade é própria das ciências sociais e também das naturais.Desenvoverei este conceito que já abordei em um texto mais alentado,proximamente.
Mas eu disse na ocasião que era impossível um professor de filosofia ser só estudioso de filosofia,sem saber um pouco de história,ao ponto,neste último caso,de ser capaz também de expor a matéria.Mais ainda o absurdo da impossibilidade de um professor de ciência politica não saber história e assim por diante.
Mas é o que mais tem por aí:professor especializado.
Max Weber explicou que o renascimento,com seus intelectuais e cientistas interdisciplinares ,os quais desafiavam a autoridade dominante,por produzirem mais e mais conhecimento à vista do povo,em determinado momento,foi brutalmente reprimido e contido,pelos movimentos da Reforma e da Contra-Reforma,sendo o episódio de Galileu a centelha deste processo de manipulação e controle do conhecimento pelas monarquias absolutas,que fundaram sociedades científicas com este fim.
Como numa gangorra,desde então a humanidade tem alternado periodos de grande furor criativo,por liberdade conquistada(politicamente)de investigação e de controle,por motivos politicos contrários à pesquisa.
Aqui no Brasil, a introdução de mestrados e doutorados tipicamente inspirados nos Estados Unidos,criou a figura do scholar especializado.Esta tendência tem atingido niveis paroxísticos de formar especialistas em cocô de elefante,no plano da ciência natural zoológica,ou nas ciências sociais,especialistas em uma coisa só,às vezes uma pessoa ou um tema.
O objetivo deste tipo de mestrado e doutorado implantado pela ditadura militar no Brasil,por inspiração ,repito,do conservadorismo americano,como já expliquei,foi controlar o intelectual iluminista,crítico,interdisciplinar,comum antes da década de sessenta e que fez desta década a mais importante,criativamente,do século XX.
Até pessoas de esquerda cairam nesta esparrela e caem até hoje ,realizando um assistencialismo politico(ongs financiadas na Holanda por exemplo)muito dócil com certos conservadorismos em todos os lugares e muito no Brasil.
Mas eu entendo que é necessário este intelectual interdisciplinar ,iluminista e renascentista,um humanista italiano,como Agripino Grieco,hoje esquecido, e resisto aqui,esperando a gangorra voltar,até que ela pare algum dia e se mantenha estacionária,mantendo os dois tipos de criadores numa convivência democrática essencial.No próximo artigo eu falarei de como organizo os meus fudamentos para minha prática de pesquisador.

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Os fundamentos da minha atividade de pesquisador

Conforme prometido há muito tempo atrás,depois que concluí o meu livro petição de princípio,desejo desenvolvê-lo com um novo trabalho,mostrando os fundamentos,os autores e pensadores que estão por trás dos meus artigos e dos meus livros.
Muita gente me critica por não citar certos autores,mas no “ petição” eu já explicara os meus critérios de citação:a obrigatoriedade de citar funciona muitas vezes como uma correia de transmissão para promover pessoas que não têm valor nenhum.Isto acontece muito nos mestrados e doutorados.É uma espécie de personalismo que se coloca acima do conhecimento propriamente dito.
Por estas razões cito com muita parcimônia autores ,para preservar o princípio de que o conhecimento legitimo e relevante deve prevalecer sobre as personalidades.O nome deriva do que você faz .Assim preservo a minha formação julio verniana e não promovo nulidades e mantenho a ética de fazer conhecimento sem pensar nos “ guizos da alegria” que certos intelectuais procuram,quando fazem qualquer coisa:já querem os holofotes.Eu não quero holofotes,quero um reconhecimento do esforço que faço para ajudar a progredir a sociedade e a humanidade(modestamente[?]{Julio Verne}).
Pois bem:eu prometera,no entanto,estudar e encontrar autores,idéias,para,de uma certa forma,evitar que eu cometesse erros,do tipo de afirmar coisas minhas,mas que já teriam sido ditas por outros.Eu não faço citações de tipo acadêmico,porque,como também já expliquei,trabalho por fora dela e defendo a liberdade de busca de novas e alternativas formas metodológicas,como parte da liberdade essencial de pesquisa,que a história já provou ser uma das mediações necessárias de toda inovação:pluralidade.
Mas reinvindico uma inovação,esta é minha(ouviram ,alguns leitores especializados dos meus artigos?[radio tupi?]):procurando bases e autores pela internet,achei as bibliotecas americanas,famosas,inteiramente(ou quase inteiramente)digitalizadas e encontrei uma pletora de autores desconhecidos ,que antecipam ideias de autores conhecidos .
Quando era professor de Filosofia do Direito já percebera este fenômeno ao explicar Thomasius,a bem da verdade,o criador desta disciplina,que antecipou algumas concepções de Kant,neste mesmo século XVIII em que os dois viveram.Depois provarei esta minha afirmação(Mas isto já está no livro de filosofia do direito do professor Paulo Nader).
Hoje eu inicio este tipo de trabalho,para provar as minhas assertivas,demonstrar a minha ética rigorosa com um autor que encontrei numa destas bibliotecas:Charles Kirkland Wheeler,totalmente ignorado até hoje.
Charles Kirkland Wheeler
Este professor e autor que aparece acima,escreveu um livro

escrito em 1870,que expressa a visão que esta época adquirira da filosofia de Kant.Os autores ,por mais conscientes que sejam,são datados e influenciados pelo tempo,pelo tempo pessoal de vida e pelo seu tempo “ externo” ,as suas circunstâncias,para lembrar o conceito de Ortega y Gasset.
E aquilo que é escrito ou produzido não é sempre o que o autor planejou(John Lennon costumava dizer isto sobre as suas obras).E mais,importantíssimo para o nosso artigo aqui:as consequencias do que o autor diz não são as esperadas por ele.Notadamente no tempo do cientificismo,que foi o século XIX( o século do doutor Frankenstein),diziam-se coisas que se pretendiam definitivas,porque a ciência,na sua luta contra a superstição,se achava intocável,impermeável e passava por cima das cosnequencias(Frankenstein).
O que Kant procurou fazer com “A Crítica da Razão Pura” foi recuperar a metafísica,que se tornara um tanto quanto antiquada na figuar do (sub-)filósofo Wolf(outro desconhecido).Só isso.
Ele queria provar que certos conceitos não eram tocados pela experiência.Ele reconhecia a experiência ,a sensibilidade,mas para diferenciar certos juízos nela fundados daqueles que ele considerava transcendentais(doutrina transcendental dos elementos),a matemática,a geometria.Só isso.
Mas quando reconhece a sensibilidade,que é comum a todos,ele admitia que não só os reis e os doutos tinham acesso a esta metafísica,mas o homem comum.A partir desta sua filosofia,chamada por ele de “ Prático/Dogmática”(“Prolegômenos a uma Metafísica Futura”),todos podiam formular o seu pensamento.É este o sentido da “ crítica kantiana”como projeto filosófico.O tempo de Kant,o século XVIII,é o de Benjamin Franklin,que afirmou na prática que o conhecimento científico derivava da atividade livre de qualquer homem,sem necessidade de recorrer a modelos e autoridades prévias,para sua legitimação e relevância.
Mas é evidente e fica claro isto desta exposição,que não existe esta barreira entre a consciência e a sensibilidade,aliás o termo consciência nasce desta integração entra a razão , metafísica, e a sensibilidade,que constrói a experiência.Mas a experiência,a sensibilidade, diluem aos poucos o “sistema metafísico”.Talvez (certamente),pelas limitações de Kant,ele não pode entender este fato,mas ao longo da primeira metade do século XIX, o seu pensamento foi seguido sem crítica,mas,de pouquinho em pouquinho as fraturas se tornaram claras.
O livro de Wheeler resume ,em 1870,uma data não fortuita, esta constatação,mas embora a sociologia e a psicologia que redundará ,esta última, em Freud,tenham contribuído para isto,ainda não se pode chegar às conclusões das escolas de Marburg e Baden,no final deste século,que recuperaram ,contra o mestre,a filosofia de Kant,deixando de lado a “ ding -an-sich”( a coisa em si incognoscível,que tantos debates errados causou no marxismo,por sua incompreensão),em nome de uma experiência subjetiva óbvia,que participa da compreensão do processo social.
A coisa-em-si significa que não é pela razão que se conhece o mundo.Não se pode intuir o real imediato,senão pela sensibilidade,que concorre para a apreensão do real.A intuição percebe,segundo Kant,aprioristicamente, o tempo e o espaço,mas não este real imediato.Só se conhece uma parede se se a percebe pelos sentidos.
Ainda me lembro que promovi um curso em 1984,no sindicato dos professores ,com Carlos Nelson Coutinho,sobre Gramsci,e o escândalo que ele provocou,no âmbito do marxismo em que eu atuava,ao dizer(concordando indiretamente com Kant),que a filosofia(a razão,digo eu,a metafísica)não prova que a realidade existe.
Um cego de nascença,só pode dizer o que é uma parede se senti-la e a sua impressão será diferente daquele que tem visão.Ou terá que recorrer à memória do que alguém lhe disse sobre o que é uma parede.
Muita gente me criticou em outros artigos sobre Kant me acusando de interpretar esta parte essencial da sua obra:eu teria dito que a coisa em si incognoscível é que não se pode apreender o cosmos integralmente,mas isto é uma derivação destas premissas.Agora eu especifico onde surgiu.
Mas realmente ,para falar de Kant,como de Marx, é preciso entender as modificações do seu pensamento,porque eles estão inseridos no fundamento básico da modernidade ,que é a exigência permanente de auto-fundamentação,no tempo( e só pode ser nele,que passa a ser uma categoria filosófica reconhecida).Hegel também se inclui nesta problemática.
As escolas de Marburg e Baden,recuperam Kant,apesar dele mesmo.Ultrapassam esta questão da intuição e trabalham já com os ganhos da sociologia e psicologia,numa progressiva filosofia da consciência ,da subjetividade,da experiência,forçando inclusive(no caso de Marx por exemplo) revisão de algumas teorias do século XIX,que em sua pretensão cientificista ficou um pouco datado.
O uso deste autor desconhecido ,Wheeler,por mim,atende aos obejtivos pessoais de fundamentação de meu trabalho,mas de acompanhar este processo de revisão de Kant,dos anos 1870 até a psicanálise.
E também para mostrar aos intelectuais acadêmicos(principalmente no Brasil)que a celebração da carreira deles não quer dizer nada.Que o vedetismo não é aceitável,ainda mais por causa da responsabilidade nacional educativa do magistério,que não existe para si mesmo,mas para a coletividade nacional.

domingo, 6 de outubro de 2019

Freud e o pai

Ao publicar o meu livro sobre Marx e Freud inicialmente coloquei um fato de sua infância que,quando soube,me impressionou bastante:as qualidades de estudioso do pequeno Freud se revelaram muito cedo e o menino começou a exigir condições para seu desenvolvimento intelectual,atrapalhado pelo piano das irmãs.
Estas acusavam o irmão de pretensão,individualismo,de querer ser melhor do que os outros,mas o pai de Freud,Gabriel,percebendo as diferenças entre eles ,apoiou o garoto e modificou a ergonomia da casa para favorecê-lo,sem,no entanto,reprimir ou excluir o piano.
Desde pequeno,acostumado a um clima familiar de igualitarismo comunista,esta história me fez refletir,ao longo das minhas idades,sobre a justeza deste mesmo igualitarismo,tido pelos totalitarismos e pelas religiões como supra sumo da ética e moral.
O grande problema da humanidade(modestamente)é equilibrar o igualitarismo com as diferenças inevitáveis e naturais entre os homens.Locke e Rousseau se revezam ao longo do tempo.
Quando as condições sociais pioram, os laços de solidariedade e o igualitarismo adquirem prioridade;quando existe afluência a tendência oposta se manifesta.Mas não só no tempo ocorre isto:em toda a vida da humanidade convivem uma humanidade lauta e outra inserida na miséria,fundamentando-se cada um dos lados em Locke ou Rousseau respectivamente.Cada um tenta impor a sua necessidade como uma verdade ao outro,mas é a condição objetiva que determina o fundamento.
As relações sociais exigem uma socialização desde que o homem nasce e se insere progressivamente na sociedade.O processo de integração exige um igualitarismo,aprender a não se colocar acima dos outros,mas ,na medida em que o homem se torna adulto,podendo conduzir a sua vontade como quiser ,este princípio é modificado e a pessoa se destaca e se distingue das outras,sem no entanto,agredi-las(se não tiver traumas).
A citada história de Freud pequeno,no entanto,impõe uma evidente nova perspectiva ao problema:desde a infância,na imaturidade do homem,esta questão já está presente e o seu desconhecimento gera problemas e dificuldades,porque um dilema surge,que é o de escolher induzir um solidarismo desde os primeiros tempos ou,contràriamente, uma capacidade de luta ,de afirmação.(É aquela cena do “ Super-homem no 1,em que Jor El interpretado por Marlon Brando,prefere mandar Clark para um planeta menor[a terra]]em que ele seria mais forte,por causa da kriptonita{a mãe preferia que ele fosse para um planeta igual,para ter mais amigos e não ficar solitário})
O problema social acima referido,que é dificil de harmonizar e mais ainda na infância,por causa das condições materiais de existência, acabam por influir também:uma criança que tivesse as mesmas dotações de Freud(e acontece sim)numa situação de carência,não poderia alegar o que o fundador da psicanálise alegou,tendo que adquirir uma profunda solidarização,ao arrepio das suas potencialidades individualíssimas,privilegiando a ajuda dos amigos e do grupo.Ela não poderia ter tempo para se dedicar a si mesma.
Se uma criança nasce numa situação de plenitude financeira, já não existe entrave.
O problema (comunista)de criar plenitude material para todos está presente como se vê,mas enquanto um regime assim não se implanta como igualar os dois contextos?
Por enquanto não é possível embaralhar tudo,então ,no meu modo de ver,só a sociedade,através do estado,representando a sociedade,pode fazer uma correção aí,priorizando aquele que tem mais adversidades contra si.
No entanto,seguindo o exemplo de Freud e de seu pai,penso que corresponde a isto um comportamento público,um comportamento baseado no conhecimento da natureza humana,na sua inevitável desigualdade(favorecendo Locke).A explicação disto para a criança,porém,demanda um esforço,para evitar os traumas e frustrações que ficam naqueles filhos que não compreenderem a solução.É muito fácil falar em desigualdade quando se está por cima,mas quando isto significa perder a sua posição,tudo muda,principalmente se as condições econômicas são uma barreira,apesar das qualidades da pessoa.
No episódio do reconhecimento do valor de Freud,uma série de questões sociais surgem,mas não é só isto o que me chamou a atenção nos primeiros anos de contato com a biografia do criador da psicanálise.
Intuitivamente algumas dúvidas penetraram em minha cabecinha de púbere quanto ao comunismo que eu estava ,então,aprendendo(às forças sem muita vontade[entre um jogo de botão e outro]).
Primeira dúvida,que eu hoje,supero(momento histórico):as pessoas não são iguais.Pode-se e deve-se diminuir as distâncias pela educação e superação das barreiras econômicas e sociais( a questão social continua),mas Locke é quem tinha razão;
Segunda dúvida ,superada:igualar à forceps as pessoas,como Lênin e a Revolução Russa quiseram ,só gera distorções e monstruosidades( “ os sonho da razão produz monstros” Goya).O solidarismo como forma única,monista de moralidade e de utopia,expressa no princípio de colaboração com os outros é uma verdade parcial,porque ela está situada na vida social,no processo histórico.Nem toda socialização é boa.Platão já tinha identificado isto na “República “,dizendo que igualar a todos,sem levar em conta as diferenças,favorecia os espertos,que,às escondidas,manipulam estas coletividades forçadas,que reprimem o talento individual em nome do todo,do bem de todos,quando,talvez,tudo melhorasse se o equilibrio entre a individualidade e a coletividade fosse construída.Nem toda relação,igualação é boa.Esta é uma das razões porque forçar o comunismo,o “ comunismo absoluto” de Nelson Levy,é tão violento(ou mais em alguns casos)do que as ditaduras da burguesia.

sábado, 5 de outubro de 2019

Platão e Cristo

É conhecida,através de Nietzsche,a relação contraditória do cristianismo com Platão.
Platão criou uma filosofia(ou discurso de poder?[ideológico?]{falsa consciência?})próprio das aristocracias.O cristianismo,ao contrário,é uma filosofia(?)(discurso de poder?ideologia=consciência falsa[forma ilusória de consciência social:Religião=consciência falsa ou verdadeira?]para os escravos,para os pobres e humildes,exaltando as suas carências e as transformando em virtudes.
Quem vence esta batalha?A meu ver esta batalha pode ser vista de ângulos infinitos,mas no aspecto fundamental citado,filosófico,Cristo vence,na medida em que o pensamento humano-geral se funda em Cristo,no seu epíteto real “Cristo-na-Cruz”.O sofrimento é o que une a humanidade toda.É o fenômeno,digamos assim,que une o máximo de mediações unficadoras da humanidade. A comunidade universal começa e se desenvolve a partir daí.
Esta verdade me foi revelada mais uma vez por Hegel e sua concepção da religião,através de Habermas,em seu “ Discurso Filosófico da Modernidade”.
Hegel aponta duas formas de religião:a religião teológica ou dos doutos e a popular.
A religião popular é definida como a das crenças,as práticas e costumeiras concepções do homem comum,do crente,cujo fundamento único de sua ação,a partir destas mediações,é o cristo-na-cruz.
A religião dos doutos busca os fundamentos complexos do cristianismo a partir do epiteto.
O que as une é o epiteto,mas o que os separa é a sua extensão.
Se a pura relação com ele funda a religião popular,a dos doutos o é com a principal consequencia do evento,a subida e sofrimento na cruz,ou, a constatação de que a humanidade se unifica progressivamente no seu reconhecimento.Mesmo o não-cristão não pode ser indiferente ao sofrimento.A extensão referida é esta progressividade do seu reconhecimento e a sua também progressivamente busca de superação(do sofrimento).
Por todo o período helenístico e medieval esta questão avulta.Ao surgir a ciência moderna o conhecimento passou a se constituir na relação com o mundo ,com a natureza,mas mesmo assim a problemática do conflito entre a ciência e Cristo permaneceu e permanece.Uma tentativa ,a meu ver,bem sucedida de superar este(falso)conflito,é Kant.
Toda a produção de conhecimento só existe porque há o subjetivo e o subjetivo não se separa do corpo.Este é o ensinamento(um deles)de Cristo:o conhecimento não é só racional,mas precisa dos atributos do corpo(antecipação de Kant).Cristo limita e acaba com a filosofia racional grega e propõe um caminho,no mínimo,alternativo.
E o subjetivo é humano,não religioso,então qualquer ser humano não é diferente dele(do sofrimento[de Cristo ou de qualquer sofrimento]).Ser o Cristo é não ser indiferente,ou seja,diferente,não sofrimento(hedonê[que é falsa{pois nega o limite do sofrimento}]).
Todas as discussões humanas,portanto,direta ou indiretamente,passam e passaram por esta constatação.Mesmo os gregos ,racionais,são tocados por algo que se consituiu no futuro para eles.O sofrimento não é presente e futuro,mas passado também ,tribio,como no tempo tribio de Santo Agostinho.
A utopia não é superar de vez o sofrimento e instituir a hedonê,mas tê-lo sempre como possibilidade a se evitar.Por isto São Paulo defende a necessária e permanente memória do sofrimento de Cristo,no dia a dia,como condição da ressurreição.Mesmo na Utopia,esta memória é sua condição de estabelecimento.E além do mais o termo sofrimento indica muitas coisas:limite,esforço,dor,não só sofrimento.
O tempo tribio,transferindo também para o passado o sofrimento como fundamento humano,funda a História,porque funda uma utopia(a superação do sofrimento),no tempo.
A compaixão não é ,como acusa Nietzsche,uma despotencialização do homem,ou melhor,da perspectiva ,mas um momento incial de mobilização da pessoa de bem cuja definição axiológica começa com o reconhecimento da dor.Não importa que a pessoa de bem não sofra como a pessoa que sofre,mas o rerconhecimento do sofrimento de Cristo cria a chance,no mínimo,de depô-lo da cruz.
O que eu quero marcar neste artigo que compara Platão e Cristo é que o conhecimento em Platão cria uma barreira instransponível entre a razão e os atributos corpóreos da sensibilidade,mas Cristo ,como vemos abaixo,repõe a dignidade desta última,como fonte do conhecimento,porque não somente pelas razões que colocamos acima, o corpo não está dissociado da Razão(e vice-versa[embora com uma hierarquia em favor da razão]),mas igualmente porque o conhecimento é humano e a crença em que o conhecimento se resume à Razão desumaniza,tanto a humanidade como a razão,por parcialidade,por distorcer a realidade.Não é à toa que Aristóteles e Platão justificavam a escravidão e o seu pensamento justificou barreiras séculos depois e até nos nossos dias.