quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

A crueldade fraternal II artigos sobre o marquês de sade

 

Agora posso entender a partir deste texto do Marquês de Sade a amplitude do significado desta figura literária.O texto a que me refiro,cuja leitura desencadeou estes meus novos artigos,é intitulado exatamente como “A crueldade fraternal”,em que dois irmãos ,para “proteger” uma irmã de ser enganada por um oportunista,o matam,ferindo o seu coração.

Mas depois eu retorno a este texto.Este artigo é para complementar o anterior e eu fiquei de explicar o que tem a ver tudo com o Marquês de Sade.

Ora,o que caracteriza o verdadeiro sadismo,que ficou “comprovado” com os grandes carniceiros dos últimos 100 anos é que tudo o que se faz de violência é por um motivo nobre.

O que caracteriza o destruidor é a sua certeza ,é esta certeza de que faz o melhor.Faz o certo.

Destrinchar esta ominosa contradição foi sempre o fazer do Marquês de Sade,além de escandalizar de alguma forma a sociedade que o reprimia.

Agora sim nós podemos tratar do que realmente motivou o Maquês,Alphonse Donatien a se tornar este personagem:eu me referi ao fato de a França ser um país extremamente repressivo e não me lembrei de citar um caso,objeto de um texto famoso de Diderot.

Em “ A religiosa” Diderot romanceia o caso de uma menina forçada a ser freira contra a vontade.O sistema de vida da aristocracia era de modo a permitir que o aristocrata fizesse o que bem entendesse,mas ela era também observada,o dia todo.

Maria Antonieta quando acordava,não era no horário de sua escolha,mas aquele determinado e já um monte de serviçais em volta de sua cama estavam a postos,para limpá-la,vesti-la,verificar as suas necessidades e assim por diante.

As minhas pesquisas me conduziram à constatação,que se encontra num Norbert Elias por exemplo,sobre a formalidade das relações até a segunda guerra mundial.

No youtube vi videos em que grandes figuras da história tinham a sua vida acompanhada por todos.

Quando em 1954 Churchill ficou doente e saiu do hospital milhares de pessoas,principalmente mulheres, estavam do lado de fora olhando o traslado dele da ambulância para um carro pessoal que iria conduzi-lo à casa.

No caso do Marquês de Sade,esta formalização/imposição se deu da pior forma possível:Alphonse se apaixonou pela caçula de duas irmãs,mas a sua família e a da menina combinaram que ele deveria se casar com a mais velha.

Donatien tentou evitar esta imposição e já casado,quis raptar a caçula(Anne Prospére),tendo sido impedido.

Após verificar a impossibilidade de seu amor,a sua narrativa pessoal se tornou o que nós conhecemos hoje.

Estas narratinas a respeito do Marquês são muito duvidosas,por razões óbvias:ninguém quis efetivamente guardar as memórias destes acontecimentos.Mas existem biógrafos e autores que tratam dele ,tornado-o um dos mais polêmicos personagens da história e da literatura.

Alguns destes autores contestam todo este desenho em torno do seu grande amor,visto abaixo.Outros o confirmam.Outros dizem que a sua esposa legal se prejudicava,mas alguns que ela participava das orgias.

Anne Prospére o grande amor de Sade

No emaranhado de dúvidas que é a sua vida vamos nos ater a alguns temas,como o que eu já coloquei acima,o bem feito através do mal.Mas também a análise da experiência humana no limite do desejo e as relações com o racionalismo iluminista.As relações com Kant e com a republica.



A crueldade fraternal Artigos sobre o Marquês de Sade

 


 

Depois de muitos anos consigo trabalhar um pouco com a figura do Marquês de Sade,amenizando certos aspectos de sua trajétória e sem tratar de aspectos propriamente médicos.Até porque não sou médico...Quero dizer aspectos mais escabrosos,tratando apenas dos conceitos ,do significado deste “ personagem”,que é um pouco mais do que o escândalo que provocou.

Em momento nenhum eu pretendo mostrar aqui o Marquês como alguém distorcido pela tradição posterior a ele.Mas esta tradição provou a qualidade literária do Marquês e alguns fatos atribuidos a ele não são verdadeiros.

A começar pelo fato de que todas as trangressões são na sua maioria fruto da imaginação.O Marquês praticou poucas orgias concretamente porque logo foi preso por causa do caso dos “bombons cantaridados”,que eu vou comentar depois.

Passando a maior parte da vida em prisões e manicômios escreveu estas violências e brutalidades,como forma,entre outras razões ,de chocar e atacar a sociedade francesa,profundamente repressiva em termos sexuais inclusive.

Costuma-se explicar a eclosão da Revolução Francesa pelos desatinos da aristocracia ,e isto é verdade.Mas alguns destes desatinos são importantes para entendermos os atos do Marquês.

O sistema da aristocracia francesa em Versalhes foi uma montagem politica do absolutismo monárquico para controlar a aristocracia,que vivia se rebelando.Mas este esquema de controle extrapolou para os costumes,para a sociedade.Há um autor que compara o absolutismo monárquico ao culto à personalidade e ao totalitarismo do século XX.

Hannah Arendt,pelo menos,nas “Origens do Totalitarismo”,identifica nisto aí um dos momentos antecessores reais do que viria a ocorrer.

Uma invasão constante da privacidade ,os pais decidindo absolutamente o destino dos filhos e uma repressão sexual que começa com isto aí mesmo,que não permite que os filhos se casem com pessoas de sua escolha,mas com as de decisão única dos pais.

Eu vou explicar no próximo artigo o que isto tem a ver com o Marquês.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

O dionisíaco e o apolineo em Nietzsche

 

Há dicotomias essenciais para explicar o ser humano,em geral.Uma delas é o dionisíaco e o apolineo,posta pelos gregos e interpretada de maneira criadora por Nietszche.Há outras como o Bem e o Mal,a Moral e a Ética,mas não trataremos delas aqui.

Este artigo continua o artigo anterior e organiza os meus estudos sobre esta que é uma das cabeças da contemporaneidade.

O que quero tratar aqui é da minha convicção de que Nietszche acompanhou os gregos nesta distinção.Como é sabido os gregos faziam uma distinção absoluta entre a sensibilidade e a razão.Em todos os setores da sociedade,a sensibilidade tem a ver com o que é baixo,sem explicação ou finalidade.Contudo com o desenvolvimento histórico do mundo grego figuras contrárias a esta atitude distintiva surgem a apontar um outro e novo caminho:hefaistos,deus do trabalho e dionisos deus do vinho,mas do bem estar geral,da alegria da vida.

Como tenho dito frequentemente, Nietszche não vê nas suas distinções e conceitos a respeito do além do homem,que a humanidade é uma experiência também.

Supostamente e como premissa os gregos clássicos privilegiavam a razão em detrimento da experiência da vida real e concreta e é isso o que Nietzsche pretende recuperar,acertadamente ,dentro do espirito de sua época européia,em busca da vida,como alternativa à ciência aplastante.

Mas no momento seguinte parece voltar ao erro que ele denuncia no grego clássico ao não incluir a razão no processo humano geral.

Nietzsche quer substituir a explicação,por uma linguagem que expresse sentido,que expresse a vida e a ação humana ,mais do que o processo de explicação das coisas,que no entender dele despotencializa o ser humano,que passa a se importar mais com o que está fora dele.Mais do que isto o ser humano racional se parte em dois ao submeter tudo o mais a este principio explicativo.Passe a se medir por ele.

No “livro do filósofo” Nietzsche delinea a sua visão do papel da linguagem exemplificando com as novelas espanholas,como Dom Quixote:em cada capitulo Cervantes antecipava de maneira simplificada e resumida o que iria acontecer.Os seus termos eram postos assim:”de como nosso herói chegou na taberna e aprontou um escarcéu”;” de como se tornou cavaleiro” e assim por diante.Sentenças pequenas e como tais significativas.

Mas mesmo nesta linguagem não explicativa não se rompe o vinculo,por minimo que seja,com a racionalidade,porque só é possível fazer esta escolha a partir de uma capacidade racional e com o instrumental dado por ela.

Neste sentido me parece que embora Nietzsche critique os gregos por esta distinção,ele não foge dela,apesar de não notar esta contradição.Isto sem falar no cotidiano em que não é simplesmente possível separar estas coisas.Em que isto tem a ver com a dicotomia?Próximo artigo.Para ser justo e para continuar no próximo artigo Nietzsche não continua com a distinão dos greos,valorizando aquilo que não é explicativo,mas no mundo real estes objetivos não são alcançáveis.Próximo artigo.

domingo, 19 de dezembro de 2021

Nietzsche e Lou Andreas Salomé

 

O exemplo da grande paixão de Nietzsche serve para mostrar as limitações do seu pensamento.Retornei a este tema depois de muito tempo.Mas as minhas conclusões foram as seguintes,neste periodo inicial dos meus estudos:apesar das visões sobre o “ além do homem”,aquele que não se submete a este conceito abstrato de humanidade ,que padroniza os comportamentos,segundo um principio humanista geral,ele não pode construir esta figura dissociada de toda a experiência humana geral.

Por mais que se busque alguém que tenha uma singularidade absoluta isto não é possível,porque em Hitler tem algo de São Francisco e vice-versa.

Não se pode idealizar o ser humano.Por incrivel que pareça o “uber-mensch” não tem como passar por cima da experiência coletiva da espécie humana e é ele também uma forma de idealização abstrata.

Em termos racionais o humanismo indica um sentido ,uma certa tendência à unidade da espécie humana ou uma tendência para valores indicativos de sua prerservação e continuidade.

Concretamente esta abstração nada tem a ver com o ser humano real,que não necessariamente age e vive segundo estes critérios.É aqui que Nietzsche pretende uma ruptura com este modelo,sendo este indivíduo o modelo de si mesmo.

Contudo é ilusório que alguém se constitua como singularidade absoluta.Ninguém é tão original que não tenha nada em comum com qualquer outro.

A objeção seria dizer que Nietzsche queria apenas construir uma perspectiva a partir deste “individuo concreto vivo”,mas mesmo esta redução não elimina que na experiência humana o abstrato está presente como experiência também.O abstrato humano, o humano genérico não é vazio,tendo pontos de contato com a experiência humana cotidiana e temporal.

Há certas características da humanidade,inscritas na sua natureza,que o diferenciam de tudo o que existe.Neste aspecto,dizer que o homem tem asas não tem sentido,mas que ele possui razão tem e isto está na sua vivência real.

Quando Nietzsche encontrou um exemplar deste “ueber mensch” na figura de Lou Andreas Salomé,deveria ter aceitado a negativa de amor dela,respeitando a sua perspectiva,o seu sentido,mas a frustração que lhe sobreveio prova a contradição de sua visão com a realidade:por mais que a pessoa queira ir além dos padrões que a sociedade apresenta(e impõe, no entender dele),como os do romantismo,do sentimento amoroso(amplamente considerado),estes liames permanecem a exigir um desvio no sentido,um desvio em direção ao padrão e ao...rebanho.

terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Existe uma dialética em Platão?

 

Eu sou daqueles que entendem que não,que a intenção dele não era de fazer um discurso constituido de oposições,mas de um que fosse puramente racional.Platão é um dos filósofos realmente idealistas,porque repudia a sensibilidade.

Contudo a consideração desta sensibilidade como algo oposto à razão,no pensamento de Platão,não impediu a percepção cada vez maior de que ela existia de fato e estava de um certo modo na razão humana.

Este processo histórico de reconhecimento do sensível se dá progressivamente no mundo helenistico e se cristaliza no cristianismo.O cristianismo inverteu a ascese de Platão,mas porque reconheceu o sensível.O sensível através do sofrimento humano,o qual devia ser considerado pelo pensamento.

As relações entre os homens ,entre a razão e a sensibilidade passam a ser o terreno da filosofia e do pensamento.O homem como finalidade e a dialética como uma integração entre os homens e entre os conceitos e fundamentos de sua existência.

Não é que a dialética tenha se tornado o único método:visões racionalistas,idealistas,duais,materialistas prosseguem,mas a experiência humana sensível nunca mais deixa de fazer parte do caminho investigativo da filosofia.

Mesmo sob discussões consideradas bizantinas,como a da relação alma/corpo,subentende-se a tentativa do ser humano de dar um sentido à vida ,à sua experiência.

Muitas vezes é contra os filósofos que se produz novas ideias.Mostrando os seus limites outros conhecimentos são produzidos.

Não deixa de ser uma ironia da história que aquele filósofo preocupado em manter as barreiras de classe acabasse virando de cabeça para baixo por ação cultural,prática e filosófica dos escravos.Mas isto revela como os filósofos não são absolutos,aliás ninguém.

O processo pelo qual a barreira entre as classes vai sendo superada não é só puramente mental,mas também tem este lado.

O grego clássico,como o que vinha da época arcaica sempre, defendeu uma virtude aristocrática(arete),copiada da ação dos deuses heróicos,mas transplantada para as virtudes humanas da coragem e do esforço.

Em toda a História da Grécia estas barreiras proclamadas vão sendo progressivamente diluídas.No quarto século,o século de Aristóteles,a presença cada vez maior do deus do trabalho Hefaistos e de Dionisos marcava uma tendência que não se realizou por causa de Alexandre e a guerra com os persas.

Esta tendência indicava uma progressiva autonomização do homem frente aos deuses.

Mas com Alexandre e depois com a dominação romana tudo se estiolou ,mas se modificou num sentido que estava ab ovo no passado grego:o mundo do trabalho modificou o senso de honra aristocrático dos gregos e dos romanos,mostrando que para a sobrevivência dos impérios era preciso igualar todos num projeto politico que legitimasse a todos e expressasse a todos.Como não foi possível,o imperio romano caiu,mas um dos seus elementos constituivos permaneceu:o cristianismo.

É no âmbito do cristianismo que o principio de honra aristotélico é progressivamente modificado para significar um senso de grandeza mais afeito ao sacrificio,ao esforço,do que virtudes guerreiras,aristocráticas e heróicas.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

Os quatro santos rússia O povo universal II

 

Para Dostoievski e Tolstoi o que unificava o povo universal e a humanidade era o compromisso cristão,os valores cristãos.Tal os motivava.A minha perspectiva ,como de todo laico e republicano,é diferente,porque inclui todas as pessoas,não por sua fé religiosa(mas não a excluindo),mas por sua natureza social e por seus valores positivos de bondade e solidariedade.

Mas evidentemente que esta postura ,aparentemente democrática, cria contradições entre aqueles que não estão na religião e os que estão.

Além do mais,pela força que a religião tem,fica mais fácil imaginar que reunir as religiões todas é a solução da utopia do que uma luta constante para republicanizar ou laicizar o mundo e a sociedade.

Contudo,por mais que a religião tenha uma amplitude que nenhum outro movimento alcança,ela é sim,parte da sociedade e não ela toda.

Entre a religião e as pessoas que não são religiosas reside o problema todo da humanidade ,mas não porque a minoria de descrentes (ateus e agnósticos)quer ter mais poder do que a maioria,mas porque o direito de ser ou não qualquer coisa na sociedade se sobrepõe às exigências de qualquer grupo ideológico,pregando nela.

O que define evidentemente a pessoa é a forma prática pela qual ela prova a sua bondade ,o seu desejo de ajudar,o seu esforço em melhorar a vida da humanidade.

Mas eu não contraponho a religião ao humanismo ou ao materialismo histórico que só vêm caracterizações gerais e materiais da humanidade.

Não é a questão de ser um homem,coisa dificil de se definir e nem só um trabalhador ou um produtor,ou como queria o iluminismo,um homem dotado de razão cientifica,isto é,capaz de identificar as causas de um fenômeno e modificá-lo.

O homem,no sentido próprio do termo é aquele que tem a possibilidade real,material,de fazer escolhas,como qualquer outro homem.

O marxismo tem a limitação de não levar em conta este direito.O iluminismo supõe erradamente que a pura mentalidade racional e investigativa é capaz de conduzir a humanidade;e o humanismo idealiza.

Assim sendo o termo cidadania é mais apto a definir o que deve ser o homem daqui por diante:alguém que represente a intersecção entre a vida social objetiva e a consciência humana,no seu sentido mais completo,mais bem formado,que pode haver,sem estabelecer quaisquer barreiras,como é próprio de uma concepção republicana de cidadania.


quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Jacob Boehme e Platão

 

Dentro da minha formação e dos meus critérios a situação básica de Jacob Boehme é muito parecida com a de Platão e não era para menos em se tratando de um autor cristão.

O cristianismo ,todo mundo sabe,tem uma origem em Platão,que foi progressivamente invertido na sua ascese para exaltar não os aristocratas,mas os escravos,os servos,os pobres.

Mas tanto nele quanto no cristianismo ,quero dizer,nos fundamentos de ambos ,há um “estupro” conceitual,que lhes permite dar prosseguimento ao seu pensamento.

Platão chamou este estupro de “ parricidio” em relação ao filósofo que ele considerva o seu pai espiritual ,Parmênides,para quem a identidade do Ser era rígida e incontrastável.Ao elaborar a sua ascese a partir da oposição do Ser e o Nada,teria ele cometido este atentado contra seu mentor.

No cristianismo,a figura de Deus produz somente o bem.A crença no seu Deus é a crença no bem,na razão que está do lado de quem nele acredita,mas com Jacob Boehme algo parecido com Platão,ocorre com este filósofo e teólogo:na sua concepção de Deus o bem e o mal estão presentes e relacionados(antecipando Kant).

Para o cristianismo e qualquer concepção de Deus, admitir que dele provém também o mal é um “parricidio” semelhante àquele de Platão.

Evidente que Boehme despista muito esta verdade atribuindo a maldade à condição humana de Cristo,mas não tem como não separar estas duas coisas:Deus e sua criação.

Só assim,no entanto,é possível ao protestantismo fazer um discurso mais consentâneo com as suas concepções,isto é,entendendo ,entre outras coisas,que é preciso encarar o mundo real,o mundo do mal,de frente ,manipulando os seus elementos constitutivos(como o dinheiro)sem um sentimento de culpa tão avassalador como o dos católicos.

Por isto Boehme modifica um pouco a concepção da predestinação e articula um discurso menos fechado e impossibilitador do que o de Calvino.

Há muitos anos atrás fiz estudos sobre a queda no paraíso,de Adão e Eva,na interpretação católica e protestante e mostrei como no último caso a culpa e o anátema tinham sido mitigados:se Deus maculou o homem(e a mulher)pelo pecado original, a queda no mundo oferece grandes possibilidades de crescimento e... redenção(?)ao casal.

No fundo aqui começa uma diluição de certos dogmas do cristianismo,permitindo a ideia de que os homens ,transformando o mundo,transformam a si mesmos e podem se redimir,dialogando criadoramente com Deus.

Daqui,de Jacob Boehme nascem grandes discussões que desaguam no problema da alienação,do capitalismo,da verdadeira natureza de Deus e assim sucessivamente,que são os meus assuntos de sempre e os próximos.


terça-feira, 9 de novembro de 2021

Mais um trecho de meu livro sobre Aristóteles

 

No século XIX Aristóteles foi considerado uma criança,por “acreditar” na sua ciência e fundar uma filosofia nesta ciência rudimentar,mas apesar do erros ,dos problemas ,subsiste o logos, a discussão sobre o logos,sobre o papel da filosofia de Aristóteles e da filosofia em geral.

É sob este signo que nós vamos ler,junto com os leitores,este extraordinário livro intitulado “ Metafísica”.O termo,dado por seu úlitmo discipulo,indicava apenas a posição deste livro no computo das obras do Mestre,que estavam sendo organizadas por ele.Ele a chamou de “o livro depois da fisica”,o livro que vinha ,na edição geral,depois dos textos sobre fenômenos físicos.É só uma questão formal aparentemente,mas num certo sentido cabe como fundamento,na medida em que o “ depois da física” se torna um discurso que se ergue sobre o mundo real revelado por ela.

É sob este paradigma que nós temos que entender Aristóteles e a metafísica,mas de fato a metafisica é a ontologia,o estudo do Ser enquanto Ser.O que fica profissionalmente é isto,constituindo-se na relação com aquela ciência primitiva(no sentido de inicial),mas dela se separando.


segunda-feira, 8 de novembro de 2021

O monismo e Aristóteles

 

O ponto nevrálgico de todo o monismo é a sua origem na filosofia grega.Lá mesmo nós podemos analisar as suas incongruências.Mas se estivéssemos lá,no tempo em que o pensamento grego se formava ,muito provavelmente não teríamos esta perpsectiva crítica que temos hoje.

Aristóteles,assim como os filósofos gregos(e todo o mundo), são datados,como eu,mas o tempo corre a meu favor e a favor dos leitores.Dos que vêm depois.

Os filósofos anteriores a Aristóteles eram monistas e ele é monista na medida em que junta a filosofia e a ciência numa mesma causa,numa única causa.

E supondo dentro das suas (dele)limitações,que o discurso explicativo se adequa perfeitamente à realidade das coisas,do Ser, o monismo,como a Metafísica,são verdadeiros.No entanto,Metafísica e Monismo são modos de ver a mesma coisa:a metafísica é o sistema geral,fechado,enquanto que o monismo é a causa,a causa única que explica e movimenta este sistema(fechado).

O que tem importância neste meu artigo sobre Aristóteles é mostrar como o monismo falseia a realidade e esconde o fato de que o Ser não é fechado e que encontra sempre equivalentes ou aberturas no mundo,nele mesmo.

É uma questão complexa saber porque os pré-socráticos e Aristóteles não puderam ver estas aberturas.Para mim é a questão da compreensão cientifica da realidade,mas eu não vou tratar disto aqui.

O próprio processo de desenvolvimento da filosofia demonstra que tudo pode ser contestado e novos discursos explicativos surgir.No entanto esta abertura se verifica em toda a filosofia,por causa disto e porque toda linguagem jamais tem condições de abarcar o ser e o mundo de uma forma completa e total.

Isto quer dizer que Aristóteles está superado,como os outros?Não.Quer dizer que fica claro que o pensamento está sempre se repropondo e sempre se adequando,ele também, diante do esforço histórico de compreensão da humanidade.E que por trás das afirmações peremptórias e dogmáticas há um propósito ideológico de poder,como ficou evidente desde as posturas de Pitágoras,que escondeu um conhecimento que contestava seu projeto politico.

Aristóteles,embora partisse do real ,totalmente diferente de seu mestre Platão,manteve uma separação entre o conhecimento racional e o prático,justificando afinal a escravidão.Se tivesse questionado este pressuposto teria certamente descoberto uma extraordinária abertura.

A filosofia,que recebe tantas críticas por sua inutilidade revela ilusões quando propõe explicações totais desmentidas depois.Sobrevive aos cacos,mas continua sofrendo estes ataques e aí entra um comentário importante dentro desta crítica,que no fundo é por causa do monismo,é por causa da crença de que tudo tende para a unidade ou é a unidade.

Já me referi que a ciência pensou em jogar estes cacos fora,mostrando a eficiência do saber científico,esse sim capaz de identificar a causa real das coisas.Tal não acontece.

Mas existe uma crítica que eu acho importante contestar agora:certa vez eu disse a um ortodoxo de esquerda,que tinha todos estes preconceitos com relação à filosofia,que sem Kant a liberdade de que nos desfrutamos hoje não seria possível,ao que ele contraditou que a luta dos povos o conseguiria para além dos filófosos,cujo papel,segundo ele não era sozinho e nem o maior.Quer dizer, a luta do homem para se libertar é suficiente e os filósofos são como um grão de areia.

Tal admoestação seria indicável para Aristóteles e os outros:mas mais cedo ou mais tarde a linguagem ,a organização da linguagem e do mundo seria feita por outras pessoas.

Estas assertivas são válidas para quaisquer épocas e pessoas:se Santos Dumont na época em que o 14 bis foi(seria)feito,outro o faria,sem dúvida.

Dependendo de cada contribuição,de cada época,de seus recursos, esta verdade é imediata ou demorada,mas inegável.Num outro sentido,não raro,a contribuição de um intelectual,como Kant ou outro criador ,adianta as coisas,cristaliza num discurso,que talvez fosse mais dificil e demorado de fazer,algo que a sociedade pede,mas coletivamente não consegue.

Duas coisas decorrem destas conclusões:que existe sempre um equivalente que denega o monismo e a metafísica e que o discurso racional,o logos,diferentemente do senso comum,guarda não a revelação absoluta da realidade mas a sua passagem,fixando um momento,que subsiste ou não conforme às circunstâncias.

Tais critérios são válidos para as figuras históricas e elucidam o que está sendo dito:os movimentos de massa necessitam de um intérprete que cristaliza as reinvindicações e apura a responsabilidade geral deste movimento ,dando-lhe sentido e adiantando a sua direção para os fins desejados.É o caso de Lutero,de Lênin.E de outros.

Mas em um caso extraordinário tudo se mostra mais claro:Cristo representa o sofrimento da humanidade,mas não há de se dizer que só o cristianismo conhece o sofrimento,sendo este sentimento comum à humanidade.O papel de Cristo, e por isso ele tem relação com a filosofia ocidental racional,é cristalizar como um simbolo e uma lembrança esta verdade comum da humanidade,não só como fato imediato ,mas como mediação de aberturas e possibilidades de interpretação.

O discurso racional não é sozinho nem apartado do senso comum ,mas ele cumpre papéis temporais,na voragem do tempo,que nem as massas conseguem.


terça-feira, 26 de outubro de 2021

Massacrados VII

 

Eu escrevo estes textos para manter aquilo que eu prometi fazer quando comunista jovem:ficar do lado do homem oprimido ,do homem com fome(juramento de Maiacovski).

As coisas mudaram um pouquinho,nas pessoas sofridas e em mim mesmo.As pessoas que sofrem se tornaram mais militantes,não admitindo serem representadas por uma pessoa que nada tem a ver com elas(aparentemente).Os meus textos anteriores expressavam o que tinha se interposto entre mim e estas pessoas.Muitas interposições eu farei colocar depois,mas avulta em importância as diatribes de Nietzsche sobre a falsidade de toda a compaixão.A imagem célebre do compassivo comendo lagosta em grandes restaurantes foi criada por ele(ou por algum anônimo que ele ouviu).

No entanto,não aceito que este motivo prosaico me torne indiferente ao sofrimento geral e menos ainda menos compassivo do que sempre fui.Realmente,seguindo Nietzsche ,a pura compaixão pelo sofrimento não prova nada da sinceridade deste sentimento,que pode vir seguido de uma entrada num grande restaurante.Os mais radicais diriam que o engajamento supera esta barreira e de diversos modos isto é muito certo:na medida do possível a ajuda ao outro é uma ação no minimo nobre e correta.

Infelizmente ,contudo,em sociedades complexas como as nossas,pouco se pode fazer a partir do cidadão comum,que vai a restaurantes.

Em grande parte e resumidamente , uma das funções da democracia representativa é transferir para alguém a tarefa da ajuda.Em nome do Estado,que é comum a todos e que extrai para si os ganhos de quem vai a restaurantes,estes indicados a devem abordar prioritariamente e realizá-la.

Como,como se vê,não o fazem,o cidadão comum é instado a substitui-lo.Sempre é assim com a descontinuidade entre os representantes e os representados,ainda que sem eleições,sem algum processo legitimo de apuração da representação.

Pode todo o discurso explicar e propor,mas se os problemas não são solucionados,a realidade em si,para além da linguagem assume lugar.Passa por cima.

Nem sempre o cidadão comum como eu tem razão ou condição de participar destes movimentos,destas verdadeiras placas tectônicas que rearrumam a história,mas em qualquer situação deve ele protestar e denunciar o mau uso de suas escolhas e de seu dinheiro que era para ser aplicado na ajuda e solução dos problemas dos mais desvalidos.

Ainda que os menos afortunados não aceitem mais(muito justamente até)uma representação auto-arrogada de pessoas como eu,elas têm o direito de manifestar o seu desacordo com esta situação toda e denunciar o que está errado.É o que eu farei nos próximos artigos desta série.


quarta-feira, 20 de outubro de 2021

mais uma palinha de meu livro sobre freud já em fase de publicação

 

Conforme tenho dito anos a fio ,não sou psicanalista de formação nem médico,mas há que reconhecer que a contribuição de Freud extrapola os limites destas ciências e influencia diversas áreas da vida.

Freud é legatário da tradição filosófica do final do século XIX(sem falar na da ciência logicamente),a “ filosofia da vida” que marcou a sua diferença com o passado recente do cientificismo monista,abrindo perspectivas novas para a compreensão do mundo.

Se neste passado recente a perspectiva é fechada ,vai se descobrindo depois que a ciência não é única ,que a sua previsibilidade é discutível e que sempre que o mundo é abordado há uma fratura em todo esquema explicativo causal fechado.


segunda-feira, 18 de outubro de 2021

Leitura de Aristóteles

                                                                 A definição II

Quando Aristóteles pretendeu dar os principios de uma ciência primeira,definitiva ,buscou a ordem do mundo,de modo a que esta servissse de modelo ao comportamento humano.

Na Metafísica Aristóteles procura os principios mais gerais de tudo o que existe,o Ser.O termo metafísica não é dele,é de seu discipulo Andronico de Rodes e significa o logos que está além da physis propiamente dita e que a explica.

Aqui é que as questões relativas ao problema da metafísica aparecem.Nietzsche culpa Sócrates pela Metafísica e suas limitações,mas a verdade é que ela vem dos pré-socráticos e atinge a sua sistematização em Aristóteles.

Dentro deste meu propósito de marcar a importância e validade da Filosofia como saber profissional devo dizer algumas palavras prévias sobre Aristóteles e sobre ela antes de entrar propriamente no texto.

Umas das críticas que tenho feito ao marxismo e ao século XIX é ter consagrado o princípio do monismo,sucedâneo da metafísica.De qualquer modo ,desde o inicio da filosofia, se busca um principio geral de todas as coisas,uma “ ciência primeira”.Tales foi o primeiro a lançar esta ideia e Aristóteles continua esta tradição,só que reunindo uma complexidade maior do mundo.Ma s no final das contas o monismo nasceu aí,porque ele é igual à metafísica:supõe causas primeiras,finais,de tudo o que existe,o que não o real.

Sempre sofro críticas por ter uma postura eminentemente critica em relação aos “grandes homens”,aos grandes intelectuais e cientistas,porque os seus seguidores vendem a intocabilidade deles,no afã de obter a sua.

Mas os maiores intelectuais e cientistas são datados ,sofrem com a influência do tempo e com as suas limitações.Nem sempre tudo o que produzem transcende ao tempo em que viveram.

A “ ciência primeira” que foi chamada depois de metafísica pelo seu referido discipulo peripatético é a busca de um sistema que dê conta do mundo inteiro e tal não é possível.

Isto quer dizer que Nietzsche tem razão,a metafísica está toda errada?O sistema fechado da metafísica ,a pretensão de abarcar tudo sim,está ultrapassado e foi sempre ilusório.É a tal limitação de tempo histórico.Mas alguns dos seus temas e ideias permanecem.

Para mim a filosofia é influenciada por tudo,mas principalmente pela ciência ,que lhe traz pelo menos parcialmente o que é o mundo ,o que o real é.

O filósofo não é,por definição,um cientista,mas não é à toa que os primeiros filósofos ,exceptuando Platão e Sócrates ,tinham uma ligação extrema,prática, com ela. Aristóteles era médico e biólogo.E como seguidor de Tales ele tem um contribuição essencialmente filosófica para a humanidade,mas sempre relacionando com a ciência do seu tempo que ele praticava e pensava contribuir.

Como Hegel mostra em sua história da Filosofia, muito embora a afirmação de Tales seja cientificamente errada(tudo é agua) ele marca o inicio da filosofia porque constrói um logos explicativo geral que gera uma continuidade racional.

Aristóteles segue esta tendência ,mas a relaciona diretamente com a ciência que diriamos hoje “objetiva”,”particular”.Há pré-socráticos que têm a mesma relação com a ciência(Empédocles,Anaximenes,Anaximandro),mas nenhum deles com a amplitude de Aristóteles.

No século XIX Aristóteles foi considerado uma criança,por “acreditar” na sua ciência e fundar uma filosofia nesta ciência rudimentar,mas apesar do erros ,dos problemas ,subsiste o logos, a discussão sobre o logos,sobre o papel da filosofia de Aristóteles e da filosofia em geral.

É sob este signo que nós vamos ler,junto com os leitores,este extraordinário livro intitulado “ Metafísica”.O termo,dado por seu úlitmo discipulo,indicava apenas a posição deste livro no computo das obras do Mestre,que estavam sendo organizadas por ele.Ele a chamou de “o livro depois da fisica”,o livro que vinha ,na edição geral,depois dos textos sobre fenômenos físicos.É só uma questão formal aparentemente,mas num certo sentido cabe como fundamento,na medida em que o “ depois da física” se torna um discurso que se ergue sobre o mundo real revelado por ela.

É sob este paradigma que nós temos que entender Aristóteles e a metafísica,mas de fato a metafisica é a ontologia,o estudo do Ser enquanto Ser.O que fica profissionalmente é isto,constituindo-se na relação com aquela ciência primitiva(no sentido de inicial),mas dela se separando.

Curiosamente a Metafísica começa com uma petição de principio de Aristóteles,uma proposição que nós diriamos hoje, “ideológica”,como consciência falsa.



terça-feira, 12 de outubro de 2021

palinha d e meu novo livro sobre freud

 

O sujeito não reconhece o mundo porque diz que reconheceu,mas proque estabeleceu uma relação básica com ele,inarredável.Esta relação só pode ser uma experiência um modo básico de relação com o mundo,que consagra certas inevitabilidades( o reconhecimento da inadequação[e da impossibilidade do retorno à adequação{adequação como ausência de consciência,infância,infantilidade}] )e aponta para a compreensão do limite primeiro da cosnciência ,que a empurra para a frente.O não reconhecimento da inevitável perda da adequação pode ser em função de traumas,distorções,que formam as patologias.Mas com patologia ou não a consciência está lá,a não ser nas psicoses em que o trauma e a distorção vencem.


segunda-feira, 11 de outubro de 2021

conclusões de meu próximo livro sobre dialética

 

É lógico que do que falamos resulta que uma coisa:um ser, não pode ser ele e outra coisa ao mesmo tempo,pondo por terra a dialética criada por Hegel e continuada por Marx.As alternativas a esta concepção de dialética tenho colocado em outros textos,mas devo dizer que na época mesmo de Hegel e de Marx ela o fora contestada,por exemplo,por um Proudhon,que usava as antinomias da razão de Kant.Depois continuadas por Sartre.

A dialética que sobrevive é esta oposicional,desde a antiguidade.Não ocorreu a Marx estudar esta realidade,apenas seguiu Hegel e com isto comprometeu toda a sua concepção,aplicada inclusive no Capital.

Mas a ideia de comunismo proposta por ele sai chamuscada:para Marx o comunismo sai de dentro do capitalismo,já está contido nele.É por esta concepção que Marx entendia a sua inevitabilidade e a necessidade de empurrá-lo um pouquinho,para que viesse rápido.Todas as análises posteriores padecem do mesmo problema:já que uma coisa é ela e outra e se isto é a razão do movimento em tudo e na história o critério para a analisar o fim do socialismo real é este também ,que dá conta de que a URSS foi destruída,o seu fim veio com o empurrão do capitalismo.

O socialismo,o comunismo ,vão se fazendo vão se constituindo.Ele não está pré-dado,como movimento.Ele é mais uma acontecência no dizer de Guimarães Rosa e Heidegger do que uma preisão cientifica.

A sociologia ,que não extrai do imediato o mediato,segundo leis dialéticas,não impede o socialismo e o comunismo,mas os coloca em outro patamar e impõe outro método e outra concepção.Pela sociologa também se chega ao comunismo.

Leitura de Aristóteles

 


a definição

Ao longo destes textos farei análises que têm a ver com o texto mesmo ,mas também com tudo o que foi dito a respeito de Aristóteles.Reuni outros autores em volta para explicá-lo,mas também para ver a sua repercussão e suas possibilidades,no que é o objetivo destas leituras,bem como ressaltar o caráter útil e profissional da filosofia.

Fazer esta defesa da filosofia para mim é muito importante do ponto de vista pessoal.Não tenho diploma de mestre ou doutor e não me proponho como autoridade de nada.Mas o gosto de fazer filosofia e desde pequeno ser criticado por intentar algo inútil me mobilizou sempre a defender a presença deste saber na vida e mostrar como ele a modifica.

Existem muitas coisas,uma pluralidade de coisas na vida humana que nos chama a atenção.Diante desta “ floresta” precisamos de critérios para cruzá-la.O mais importante dentro de nossas escolhas é nos manter vivos,sobrevivendo ,porque nada nos é dado de bandeja.

A partir daí as escolhas se fazem no sentido de garantir a nossa vida,de forma imediata.A filosofia é criticada desde priscas eras,desde antes de Aristóteles de não contribuir para a sobrevivência humana.

Os gregos e os antigos de modo geral não faziam esta acusação,mas os menos abonados ,os despossuidos,aqueles que viviam do seu trabalho,não estavam nem aí para o pensamento.

Contudo se nós observarmos o desenvolvimento da Filosofia nas suas relações com a vida cotidiana ela está sempre “ ajudando”,como uma intrusa noturna,que acaba por se “ impor”.

Em meio à referida pluralidade ,em meio a tantas coisas individualizadas, o homem precisa de algo que lhe é ensinado na vida e que ele não reconhece:não é só trabalhar e ganhar a vida.Tal tarefa ,como qualquer outra,não é a única.Por mais materialistas que sejamos,este momento de não fazer nada e pensar se impõe sim,permeando a vida cotidiana,íntima,sempre.


terça-feira, 28 de setembro de 2021

A leitura da metafísica de Aristóteles

 

intróito

Ler conscienciosamente a “ Metafísica” de Aristóteles é como ler Shakespeare:acessar um pouquinho a divindade.Mas por um pormenor Aristóteles causa uma sensação ainda mais mitica e mistica do que o inglês.É como acessar tudo o que existe.Todos os ciclos,todas as realidades.Isto o aproxima de Michelângelo,mas este é mais “limitado” na sua arte.

Assim como apreciar o florentino é apreciar o mármore ,em Shakepeare e Aristóteles é como colocar na boca este mesmo mármore,este mesmo monumento.

Certas obras deviam ser colocadas num monumento,num local comum a toda a humanidade para serem admirados.Admirados mas não idolatrados.

Até mesmo a crítica necessária à limitações eventuais e humanas destes “ pais da humanidade”,contribui para o mito que os cerca e os fundamenta.

Lógico que nenhum deles ,e entre eles Aristóteles,que é meu tema aqui,está livre de limitações,mas o que sobejamente os mantém nesta condição mitológica é que mesmo estas “ lacunas” propiciam continuidades,múltiplas interpretações .

É próprio dos deuses,de Deus,permitir aos homens muitos caminhos para se chegar a ele.Porque não há prova de que as palavras conhecidas de Deus não são uma atribuição humana.Nesta intersecção entre a dúvida e a palavra a leitura de homens como Aristóteles assume um caráter de libação,de busca do pensamento de Deus.De Deus ou de Aristóteles?

O que é a metafísica?

Aristóteles nunca usou o termo metafísica nesta sua obra capital.Este termo foi lhe atribuido na idade média pelo cristianismo e significa,para lembrar “ além da phisica”,um discurso que explica o mundo real,principalmente a natureza ou tudo o que existe,o ser,que será,em seu livro, sistematizado e compreendido(compreendido?).

Aristóteles chamou o seu livro de “ livro da ciência primeira” e hoje há uma discussão imensa sobre o termo que o designa,sendo o mais pertinente “ ontologia”,porque o é realmente.

Ao longo da leitura tratarei mais detlhadamente destes problemas já aventados aqui.Eu fiz há muitos anos uma leitura entrecortada pelas necessidades da vida deste livro,mas agora ,maduro ,eu posso e devo fazê-la ,por obrigação profissional e divido esta leitura com todos.

Uma outra coisa:pretendo fazer nestas leituras uma conexão essencial pouco estudada no Brasil pelo menos:a intersecção entre Aristóteles e seus intépretes árabes,Averrós e Ibn Sina(Avicena).

sábado, 25 de setembro de 2021

Os começos da dialética

 

Platão

Continuando as reflexões começadas no artigo sobre Hegel,há que se dizer que aquilo que se considera como dialética começou nos antigos gregos e entre eles Platão.

Certa feita quando eu estudava filosofia na uerj perguntei a um professor se as oposições construidas no seu esquema ascético eram uma dialética e ele demonstrou uma certa irritação para me dizer que não.
Mas no meu entender ele só entendia como dialética(hoje eu sei que era assim)o que Hegel e Marx diziam ser.

Com os artigos que tenho posto à disposição de todos fica claro que sempre houve uma discussão em torno desta concepção hegeliano/marxista da dialética.

Remontando a Proudhon,a Kant ,nós vemos que a dialética pode ser vista por uma relação entre termos opostos e que ela é produzida pela subjetividade humana.Não é que uma coisa é outra.Não é que ela seja ela e a outra.dois termos diferentes se opõem.A integração entre estes dois termos se dá pela experiência,pela prática,pela linguagem e muitas outras formas(sensibilidade),mas não por esta suposta “ mistura”.

Platão fez uma afirmação famosa depois que concebeu o seu esquema ascético:segundo ele ,teve que cometer um “ parricidio” em relação à Parmênides,o pai da identidade,para colocar dois termos opostos assim.

Mas nós diriamos:uma oposição no discurso,confirmando avant la lettre as assertivas acima sobre a dialética como é modernamente considerada.

O que sobrevive da identidade parmenidica em Platão é a barreira entre o pensamento racional e a sensibilidade.Platão rejeita o conhecimento sensível como falso e adota o racional como único verdadeiro,capaz de descobrir a harmonia real do universo.

O cristianismo é que rompeu com esta barreira ,tornando o conhecimento sensível como parte do conhecimento e isto confirma aquilo que eu disse no artigo sobre Hegel:quanto mais se retroage no pensamento cristão mais e mais se percebe que muitas noções e muitos conceitos estavam nele, ab ovo. Este é um deles e antecipa ,in limine, o pensamento de Kant.

Então em termos potenciais esta oposição no discurso ,não propriamente reconhecida por Platão e contra ele ,é o inicio da dialética como nós entendemos hoje.


quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Profissionalização da Filosofia e Hegel como plagiário

 

Tenho falado muito sobre a profissionalização da filosofia e hoje eu vou tratar de um assunto que acrescenta mais bases ao que tenho dito.

O estudo da filosofia,como de qualquer matéria,exige permanência,continuidade e isto vale para mim também.Ao longo da vida sempre separei a filosofia da teologia.

A partir da ciência moderna a filosofia tomou um rumo muito diferente,deixando de lado a base teológica imposta pela religião.Isto é parcialmente verdade,mas nos meus estudos continuados,cada vez mais percebo que a filosofia,digamos,laica,que vem deste periodo até hoje,é uma reinterpretação de alguns postulados da filosofia cristã.

Mesmo os filósofos que não tratam diretamente da teologia,influenciados pela ciência moderna,repercutem os seus efeitos sobre a crença.

Fica claro que no jusnaturalismo laico existem ainda ecos da religião,do jusnaturalismo religioso,porque no lugar de Deus está um principio que ocupa um lugar simile a ele:natureza.

As leis da natureza,propaladas desde os antigos,nada mais são do que uma crença fundada nas limitações da ciência do passado de que existe uma lógica no mundo,uma “inteligência” dada desde sempre.

Diante dos avanços da ciência,tanto os filósofos como os cientistas tiveram que reinterpretar a figura de Deus e no final tratar da natureza de per si,por ela própria,muitas vezes,a contragosto.

Contudo , e é por isto que importa estudar sempre a filosofia ou qualquer saber ,como um todo,permanentemente,este ruido entre cabeças pensantes,a natureza e Deus é ,em grande parte “ solucionado” por figuras mais ligadas à teologia que acabam por contornar este problema e oferecer uma lógica mais coerente,ainda que se lhe possa questionar ,naturalmente.

Um destes,ou melhor,o principal e quase único exemplo disto é Jacob Boehme,um filósofo e teólogo luterano alemão dos séculos XVI e XVII que aprofundou algumas consequencias das teses da Reforma.

Se para a Igreja Católica ela própria é a intercessora do homem,decaido pelo pecado original,perante Deus,no interesse de recuperar a graça perdida no paraíso,para os protestantes a relação entre os homens e Deus é direta,localizada no coração do homem que toca no sangue derramado de Cristo na cruz.

Para Boehme,seguindo o credo reformado,o sacrificio de Cristo não é para perdoar os pecados humanos,mas uma oferta de generosidade(abnegação significativa),para revelar a vontade de Deus,segundo a qual o sofrimento é parte da criação e elemento necessário para se recuperar a graça,isto é ,o seu reconhecimento é condição para que os homens voltem ao regaço divino.

Ver no sofrimento do outro o de Cristo é o meio de construir uma comunidade humana.Privilegia-se o 11 º mandamento:” Amai-vos uns aos outros como eu vos amei” como o meio de obtenção da Graça,da comunhão com Deus.

Deus se enraivece com a humanidade por não seguir estes passos e a única forma de aplacar a sua ira é construir uma humanidade que se reconstitua reconhecendo no sofrimento da cruz o dos homens.

O 11 º mandamento é a primeira proposta de comunidade universal e o ruido entre os homens,por não interagirem com esta comunidade ,tem que ser superado por um discurso que una os homens.

Nestas conceituações está o principio do direito natural e ,antecipadamente,o “ estado de natureza”,por exemplo,de Rousseau.

A comunidade universal seria um estado perfeito,se respeitando os preceitos divinos.Aqui está o contrato social,sem mais nem menos.

Mas está antecipado aqui também o pensamento de Hegel.Os homens,confrontados uns com os outros(dir-se-ia dialéticamente,entendida esta como pelo menos termos opostos[reconhecendo-se]{no sofrimento,no sofrimento de Cristo})encontram uma forma de integração.

Só assim faz sentido aquilo a que me tenho referido ,citando Colleti ou Garaudy.

O Espirito Absoluto ou a Idéia Absoluta são a visão de Deus do mundo,a criação de Deus,segundo os seus critérios.Hegel sofria para colocar este Deus aí no processo de explicação dialética do mundo,mas entrevia que o movimento valia por si mesmo,sem estar pré-dado por uma vontade diferente dele.

O modo como Deus se diferencia de sua criação dialética,na oposição e integração de Deus com o mundo,é um dos maiores problemas deste contexo filosófico.

Deus se aliena do mundo e se integra segundo leis(dialéticas)criadas por ele(aqui é que parece haver um liame entre Hegel e Spinoza)como causa de si mesmo.

O conceito de alienação ,tão caro ao marxismo,ao materialismo dialético,origina-se no cristianismo,na doutrina da (re-)obtenção da graça.

Mas se no cristianismo o reconhecimento se dá por Cristo,no seu sofrimento,em Hegel se dá pela subjetividade que reconhece o outro no movimento,despojado de outra realidade que não seja a do Ser.

O sofrimento é um dos elementos constitutivos desta consciência que compreende progressivamente o mundo em seu movimento.Em termos morais ocupa um lugar decisivo,mas ainda assim é mediatizado pelo movimento(dialético).

A diferença essencial da dialética hegeliana para as outras é que a oposição entre os dois termos não estaca na sua pura confrontação,mas os termos se interligam:Deus se define pelo movimento,criado por ele ,como algo contrário a ele,mas essencial para a sua constituição(como Ser).

O sujeito só se define por um objeto e assim sucessivamente.Quer dizer ,num termo está contido o outro e vice-versa.

Embora seja exagero considerar Hegel plagiário de Boehme,não há como negar que a estrutura de seu pensamento nasce no teólogo.

E mais do que isto: fica claro que na pretendida ciência da lógica hegeliana está contido um germe de Deus,que se reflete no monismo dialético de Marx.

E relembrando obsessivamente,o que Marx faz não é uma inversão da dialética,mas um despojamento só,ele também muito discutivel,porque como já disse à farta,Hegel aplica a sua dialética ao Ser em geral,incluindo a natureza.

Marx entende(como Engels e Lênin)que Hegel está criando o mundo,como o Deus biblico alegara que fizera,mas não é isto.

Este Deus não é igual ao de Spinoza,porque não está em todos os lugares,mas está postado no mundo,criando movimento e se movimentando também,do modo que falamos mais acima.Hegel entende ter solucionado esta discrepância entre um Deus perfeito,tido como imóvel,através do movimento,como algo inarredável e... perfeito.

Sacrificou a imobilidade,constante na doutrina da predestinação de Calvino ou no Deus medieval,para defender uma mediação conciliatória e definitivamente explicativa.

Mas o que Marx faz não é a inversão,é o despojamento da figura de Deus e do espirito absoluto,a ideia absoluta,colocando no sujeito cognoscente e no objeto cognoscivel os termos de transformação da realidade.