domingo, 23 de agosto de 2020

Porque a minha visão de Heidegger é crítica

 

Quando eu era estudante na especialização,uma professora,em nome de Heidegger,afirmou que “ o homem não é isto ou aquilo,mas sentido” eu disse que não aceitava aquilo.Não se há de extrair sentido sem referência a essências,mesmo que não substantivas,aristotélicas.Dizer que a vida é sentido não tem sentido porque o que é sentido?Sentido na humanidade?

Relembrando, o ôntico se refere ao modo de ser dos entes ,a sua essência definidora,o dasein,o isto,o ser-aí;o ontológico se refere ao estudo filosófico destes entes.Um exemplo:o meu modo de agir como professor é ôntico;o estudo da pedagogia é ontológico.

O que contestei na fala da professora da uerj é que o sentido não se apura em geral,mas ligado às essências.É lógico que o estudo dos entes não é condição de existência deles,então a manifestação dos entes na busca de um sentido,o por-se a maneira de algo(essência) não é senão uma interligação de diversas manifestações ,a partir de um modo especifico,que orienta este sentido e é responsável por sua apuração.Por sua existência(ente).

Lógico que isto se aplica ao homem,não às coisas,aos animais.Neste plano digamos assim, nós podemos analisar o problema do ôntico e do ontológico.Existem ,segundo Heidegger,vários tipos de entes ,listados por Marilena Chauí em seu livro Convite à Filosofia”:

1. os entes materiais naturais que chamamos de coisas reais (frutas, árvores,
pedras, rios, estrelas, areia, o Sol, a Lua, metais, etc.);
2. os entes materiais artificiais a que também chamamos de coisas reais (nossa
casa, mesas, cadeiras, automóveis, telefone, computador, lâmpadas, chuveiro,
roupas, calçados, pratos, talheres, etc.);
3. os entes ideais, isto é, aqueles que não são coisas materiais, mas idéias gerais,
concebidas pelo pensamento lógico, matemático, científico, filosófico e aos quais
damos o nome de idealidades (igualdade, diferença, número, raiz quadrada,
círculo, conjunto, classe, função, variável, freqüência, animal, vegetal, mineral,
físico, psíquico, matéria, energia, etc.);
4. os entes que podem ser valorizados positiva ou negativamente e aos quais
damos o nome de valores (beleza, feiúra, vício, virtude, raro, comum, bom, mau,
justo, injusto, difícil, fácil, possível, impossível, verdadeiro, falso, desejável,
indesejável, etc.);
5. os entes que pertencem a uma realidade diferente daquela a que pertencem as
coisas, as idealidades e os valores e aos quais damos o nome de metafísicos (a
divindade ou o absoluto; a identidade e a alteridade; o mundo como unidade, a
relação e diferenciação de todos os entes ou de todas as estruturas ônticas, etc.).”


Num passo seguinte a professora(e Heidegger) entra naquilo que considero a base do que eu estou dizendo aqui:

No caso dos entes ideais, os conceitos ontológicos são bastante diferentes. Em
primeiro lugar, tais entes não são coisas reais – este cavalo é uma coisa real, mas
a idéia do cavalo não é uma coisa, é um conceito e existe apenas como conceito.
Em segundo lugar, não causam uns aos outros, mas são entes que possuem uma
definição própria, podendo relacionar-se com outros – a idéia de homem não
causa a de cavalo, mas podem relacionar-se quando o historiador, por exemplo,
mostra a diferença entre sociedades cujo exército só possui a infantaria e aquelas
que inventaram a cavalaria; um círculo não causa um triângulo, mas podemos
inscrever triângulos num círculo para demonstrar um teorema ou resolver um
problema.”
Se eu digo “ Sou professor”,isto não me torna um e nem define o que é o professor,mas a conexão entre este ente ideal e a prática,orientada afinal por ele,existe a determinar o seu comportamento como tal,a separá-lo de outros e a definir como é vida de uma pessoa,um ente real .O exemplo de Marilena é o historiador ,o matemático,mas não se pode negar esta verdade.

Ela põe um exemplo assim:”Pedro acendeu a luz”,a ontologia pergunta:” o que é o conceito de luz?”,o historiador pergunta;”quando e como se formou o uso pratico da eletricidade?” e o cientista físico:” o que é a luz?”,mas o ato em si ,digo eu,de acender a luz tem um significado de ente ,daquilo que “ se põe à maneira de algo”.Conectado com outros atos da vida cotidiana,quer dizer atos causados pela decisão do sujeito,do ente real do sujeito,que,por isto,expressam um sentido .Acaso estes atos não possuem uma essência?O ôntico e o ontológico não estão interligados?Isto não prova que não existe ruptura total do discurso?Que a experiência une estes dois lados?

Se um professor mata um aluno,ele é um assassino,mas não deixa de ser um professor.Preso,deixa de ser.Quando sai da prisão volta a ser,se superar a culpa.Procurou um psicólogo,um cientista,um filósofo para entender a sua culpa e remissão e voltou a ser.

Critico esta pretensão da filosofia moderna,Heidegger inclusive,de buscar uma transcendentalidade,uma intocabilidade,como condição de construção de sentido.Certo existe o corpo,mas a experiência e os atos são aparentemente deixados de lado.

sábado, 8 de agosto de 2020

Ciência e Existência

 

O espermatozóide e a vida

Certa feita o cientista Faraday apresentou a sua experiência sobre o campo magnético diante do então primeiro ministro inglês Gladstone,que perguntou a ele “ para quê isto serve?”ao que o cientista respondeu:”para quê serve uma criança?”.

Existem pessoas que gostam de ridicularizar o conhecimento,como inútil para a vida(embora vivam cercados de conhecimento e de produtos do conhecimento) e principalmente conhecimentos pequenos,tidos como fúteis.

Esta semana foi feita uma descoberta deste tipo aí:o modo como o espermatozóide nada no sêmen não era como os observadores tradicionais,de microscópios antigos ,achavam.Leeuwenhoek,o holandês piedoso que os observou pela primeira vez(não sei como obteve a amostra para o seu microscópio...)deu a resposta,que valeu até esta semana:por isto um estratagema o espermatozóide fazia um movimento de corpo pendular no sêmen e conseguia se mover.Na última semana ,com um microscópio de última geração viu-se que nunca foi assim:o movimento de um saca-rolhas sobre um outro saca-rolhas,que se formava no liquido,explica como o espermatozóide tenta chegar ao óvulo.

E aí o leitor pode fazer a mesma pergunta do premier Gladstone.A experiência de Faraday foi a base dos futuros motores ,dentro dos carros,originando assim formas de tributação que ajudaram os governos(não necessariamente os povos).

A nova face do espermatozóide aparentemente não tem nada a oferecer,mas tudo o que se conhece,o que se sabe ,no tempo,pode vir a surpreender ,como no caso acima.

Do ponto de vista estritamente científico esta descoberta não tem ,ainda,consequencias tão importantes,mas do ponto de vista filosófico,confirma o que tenho dito frequentemente aqui sobre o papel da ciência e da existência:são duas coisas distintas,a vida e o conhecimento.

Nunca passou pela cabeça de ninguém que tal conhecimento sobre o espermatozóide pudesse mudar a vida de alguém,mas passou sim que a ciência poderia,o que é a mesma coisa.

O iluminismo francês,o século XVIII e principalmente o XIX venderam esta ideia de que o conhecimento científico,a descoberta das causas das coisas orientaria o comportamento individual e coletivo da humanidade.

Nós vemos num personagem do velho Maia de Eça de Queiróz esta visão prosperar e redundar no fracasso de sua família.Nós vemos na dialética dogmática stalinista a “crença”(o termo é este mesmo)de que quem detém o conhecimento da dialética está na frente dos outros.E nós vemos a antropologia nascer como justificadora do imperialismo e neo-colonialismo,entre outros exemplos.

Pensar que a ciência e o conhecimento são itens obrigatórios para a conduta psicológica do sujeito humano é colocá-la à mercê do próximo passo da ciência,da explicação seguinte.Não adianta supor que a ciência,assim entendida,será aplicada apenas ao que for conveniente,de acordo com seu objeto de investigação,porque,primeiro ela não será efetiva e segundo não o será por causa(olha aí)desta decisão de atar o sujeito ao que está fora de si,como princípio.Ainda que a aplicação da ciência ao problema existencial possa ,no imediato,dissolver eventuais problemas,a sua imposição como critério de vida,a submeterá ,como exigência,de fora para dentro,mesmo que problema algum apareça,porque ela já se colocou como essência da existência e dela não se separa mais.

Por isto Sartre diz que a existência precede a esssência.Do nascimento,onde não há consciência,até à maturidade e à morte,em que a essência surge,o que predomina é aquilo que já estava no berço: a existência.

Apesar de Kant dizer que o “ homem que sente saudades da infância jamais saiu dela”,assiste razão à Nelson Rodrigues ao afirmar que “ no adulto ainda está o menino,a criança”.

A relação entre a ciência a existência, para ser equilibrada tem que se dar assim:quando um problema atrapalha a existência a primeira é chamada;resolvido,a existência continua.

Freud admitia “ análise da vida toda”,” interminável”,mas isto não significa contradição e desequilibrio pois o analista sabe ou deve saber diferenciar e ajudar o paciente entre a vida e o conhecimento.E muitas vezes é por confundir estes dois termos que o paciente vai ao divã.

De qualquer maneira a ciência é explicação,mas a vida é a vida.Condicionar a vida ao conhecimento é o mesmo que condicioná-la ao espermatozóide.