quinta-feira, 21 de abril de 2022

O problema do finito e do infinito II

 

Continuando o artigo anterior existe uma formula atribuida a Hegel que solucionaria definitivamente este problema na dialética do finito e do infinito a que eu já me referi tempos atrás.

A fórmula é esta:”o finito é o elo finito da cadeia infinita de coisas”.Relembrando:para Hegel se houvesse uma pura e simples oposição entre dois termos,ou seja,o finito ao infinito,estaríamos diante de uma contradição,porque o infinito seria ele mesmo,mas o finito não teria função nenhuma.O finito não teria como se conceber.Não teria sentido falar num finito extensivo até ao infinito...

Contudo esta visão revela as limitações de época de Hegel,que,como metafísico,pensava no mundo como algo fechado e identificado com o discurso explicativo.Apesar da complexidade do pensamento de Hegel ele era um monista ,um metafísico monista,com todas as implicações simplificadoras de seu tempo.

Assim sendo havendo uma distinção entre a linguagem e o mundo real não há como provar esta dialética intra-ser,em que o finito está no infinito e este no finito.

Então estes não são mais do que conceitos,não prováveis.É neste nível que temos que discutir o problema do finito e do infinito.Supõe-se que pelas enormes extensões conhecidas do universo,hoje,que ele seja infinito,mas é só uma suposição e na finitude,como tenho mostrado com as análises sobre Kant,temos sérias dúvidas.

Neste artigo o que quero mostrar é que só através do ceticismo filosófico,principalmente deste filósofo supra-citado,se pode eventualmente chegar perto desta prova da infinitude e da noção exata do que é o finito.

Se partirmos da premissa kantiana da coisa em si incognoscivel nós já temos um caminho que avalisa a infinitude.Os exemplos dados por mim nos textos sobre Kant revelam esta estrada,porque,na verdade,a percepção das coisas prova o mundo,mas a explicação não.

Se nós sabemos que é impossivel definir o que é um objeto qualquer,por outro lado sabemos que o limite é dado pela subjetividade humana,no seu esforço explicativo e de trabalho.

Num objeto natural acontece algo simile:se observarmos a Lua nós a definimos como um satélite natural da Terra,mas se pode igualmente como um corpo celeste ,um planeta,um pedaço de pedra,um conjunto de metais e elementos naturais relacionados e assim sucessivamente.Haveria a objeção de que mais cedo ou mais tarde chegariamos ao final,até porque um objeto é finito.A fisica atual demonstra que todo corpo ,todo objeto é infinito na sua organização atômica,molecular e portanto cósmica,mas a objeção continuaria porque a física não era assim no passado.

E tirando os elementos de imaginação,que fazem de um objeto como a Lua metáforas do amor e do sonho,a objeção prosseguiria:a razão,como objeto,tem um limite sim.

Vejamos:eu poderia colocar definições em um caderno inteiro sobre um corpo celeste como a lua e provar a finitude.Afinal de contas a Lua não é uma parede,que o homem constrói de diversas maneiras ao longo do tempo.Ela é um corpo celeste definido,com um “desenho” definido.

Mas ainda assim,para os antigos,que não detinham senão um cosmos limitado,a Lua era definida de diversas formas,a partir de sua posição neste imenso universo.

Aristóteles chamava a Terra de mundo sub-lunar.Mesmo que esta definição seja falsa expressa a realidade da Lua,em frente a ele,”prova-a”.

A maior crítica da incognoscibilidade segundo Kant vem das ciências naturais porque estes objetos são resistentes,permanentes e trans-históricos.Porém,na relação com tudo o que existe ,um corpo no espaço/tempo ou só no espaço como viam os antigos ,ou no tempo que é movimento,não está limitado,podendo ser qualquer coisa.Mais do que isto,dentro do movimento inevitável qualquer coisa é gerada e diluída,para lembrar de novo Aristóteles,da geração e corrupção.

Hoje o que sabemos é isto:todas as coisas são infinitas como parte do cosmos e o finito é o que permanece extáticamente neste devir e é definido pelo discurso compreensivo.No passado isto foi sabido também.

O elo finito da cadeia infinita de coisas,ou melhor,o elo finito/infinito que se prova dialeticamente,não existe.O elo finito não o é,mas é só finito.O mundo não é simbiótico.



sábado, 16 de abril de 2022

Kant e a experiência

 

Gosto de Kant porque ele é o único filósofo que se autro-limita.O professor Leonardo Boff contou-nos uma vez na uerj que Kant nunca usou os seus livros para ensinar,nunca se referiu a eles sequer em seu longo percurso magisterial de 70 anos.E como eu disse em um ensaio sobre o mesmo Kant ,o filósofo admitia que muito do que os filósofos diziam se voltava contra eles,ou seja,deveriam ser analisados contra eles,apesar de suas convicções.Naturalmente isto vale para Kant também.Quando fez a frase célebre de que “ o nosso tempo é o tempo da crítica e nada pode se evadir da crítica”,ele se incluiu.

Respeito alguém que se inclui.Paul Ricouer caracterizou Freud ,Darwin e Copérnico como os “ mestres da suspeita”,aqueles que destruiram a vaidade da espécie humana de pensar que é única e especial no mundo e por conseguinte seu modelo absoluto.

Mas eu acrescentaria Kant aí.Ele também mostrou as limitações decisivas da subjetividade humana,acabando com os modelos absolutos,que são construídos e limitados também.Verificando os limites do conhecimento Kant fez algo idêntico com a subjetividade.A grandeza do conhecimento é a sua limitação,é a descoberta do limite,como elemento propulsor de sua busca.

Este limite,este elemento propulsor é a experiência.Tenho tratado disto o tempo todo,para esclarecer os que me lêem e não compreendem as minhas explicações.

Entendo perfeitamente esta dúvida,já que vivemos numa época de certeza ,mas penso que agora a minha exposição tornará tudo mais claro.

Tive discussões acaloradas sobre esta questão da distnção entre pensamento e experiência.E como tenho dito,o pensamento não é igual à experiência ,mas depende dela e é ,em certo sentido experiência.

A explicação neurológica do que é o pensamento é outra questão.O que quero demonstrar aqui é que ele depende da experiência,é uma experiência.

Quando a consciência nasce no fim da infância,nasce o pensamento.A consciência é a relação do sujeito com o mundo,ou seja,a criança se distingue do mundo,tomando consciência de si e do mundo.É o nascimento do nexo cognitivo,da dicotomia sujeito/objeto de Descartes,no plano individual.

O que lembramos da infância é uma memória que aparece no futuro,na consciência,já modificada por ela.Esta memória antiga tem um valor para a psicologia e como memória se tornou experiência.

No momento em que surge a consciência,a subjetividade diante do mundo(do objeto),é porque ela se tornou uma experiência básica do ser humano.Ela é o que é porque foi retida esta relação numa memória,que fundamenta toda a sua atuação(da consciência)daí por diante.

A relação sujeito/objeto pode nem ser compreendida pelo sujeito,que eventualmente não tem um nivel de consciência ou não se importa.Não precisa conhecer Descartes para exercitar existencialmente a sua subjetividade.É uma experiência existencial cotidiana,que só se sustém pela memória que guarda esta relação básica.

Se o Sujeito pensa num estádo de futebol,num triângulo “perfeito”,numa mulher “perfeita”,como separar estes pensamentos do que foi retido na experiência?

As pessoas que têm falha de memória não constróem sentido,ficam dependentes do imediato,da vida imediata.

E os surdos,mudos e cegos?Sabemos como é a vida deles.

O pensamento,como ideação,imaginação,explicação,não tem como prescindir da experiência básica,da relação básica da existência.

Os professores de filosofia no Brasil e no estrangeiro fazem uma distinção falsa entre a filosofia como saber pensamental puro e a ciência,como saber empirico,mas a verdade é que na filosofia há também,sempre ,empiria.

A filosofia procura construir sentidos e quando tenta compreender o mundo,procura ordená-lo de forma que o discurso explique se adequando à sua realidade.Se consegue ou não é outra coisa.

A ciência pescruta as causas dos fenômenos e as ciências sociais buscam compreender a relação real dos fenômenos particulares observados por elas.A filosofia é geral,a ciência é particular,mas todas têm um ponto de intersecção que é a empiria.

Um saber pensamental puro,transcendental além de falso ,trai a função humana da filosofia que se debruça sobre a atividade dos homens(de noite,quando eles dormem)procurando explicá-la e ajudá-la.

A transcendentalidade é mais afeito às religiões,ao pensamento religioso,sempiterno,que cada vez mais se erode.



quinta-feira, 14 de abril de 2022

A questão das causas em Aristóteles

 

Hoje sabemos que as causas são uma categoria própria da ciência,mas para Aristóteles o principio de todo o discurso e a causa são a mesma coisa.Este trabalho que eu faço aqui é para mostrar como o conhecimento se modifica,não é absoluto e a autoridade intelectual nem sempre acerta,sendo em grande parte condicionada pro sua época.

Não se trata de repetir os erros grosseiros do cientificismo do século XIX,em suas várias versões.Para elas os erros dos filósofos antigos e da metafísica são irrecuperáveis,diante da “ vitória” definitiva da ciência,que apura as causas.

Mas sobrevive o pensamento da metafísica de muitas maneiras,não como sistema,mas repositório de ideias recuperáveis.

O principio do discurso ,do logos,que Aristóteles considerava como causa sobrevive da mesma forma que o principio de Tales de que “ tudo é água” sobrevive como principio.

Os outros principios ,de Anaximandro,Anaximes,acrescentam alguma coisa,alguma qualidade,alguma essência do Ser.

Para Aristóteles o principio é o do discurso explicativo e lógico.Mas ele estrutura este discurso como adequação com o real.

Mais abaixo nós já adiantamos uma problemática conhecida de Aristóteles,que dá conta de que só o conhecimento racional é legitimo e fundamenta a liberdade.O problema não é a distinção entre conhecimento empirico e racional,mas que esta distinção fundamenta a escravidão.

Como estas leituras não são especificamente aquilo que se conhece e se sabe das limitações do stagirita,o que pretendo aqui é fazer duas coisas (talvez outras apareçam depois...):comparar Aristóteles com Kant e verificar os limites da metafísica.Um deles já foi colocado,que é a fundamentação da escravidão,mas de certa maneira a diferença entre racionalidade e empiria é uma outra limitação.

A metafísica se impõe até ao século XVIII como sistema fechado,processo lógico,discurso fechado e sistemático ,mas esta verdade” é condicionada pelas limitações de época,o pouco conhecimento que se tem do mundo,por causa do pequeno desenvolvimento da ciência e também pelo descaso que o ser humano dava a outras formas de saber.

A tendência dos gregos,do IV século,era o de valorizar os sentimentos,as emoções e o trabalho,pelo crescimento cada vez maior dos deuses Dionisos e Hefaistos,mas a presença de Alexandre ,que misturou os gregos com os persas acabou com esta “evolução”.

Já que falei em Dionisos,lembrei-me de Nietzsche inquinando de erro toda a metafísica passada ,” só” dois mil anos!!!Como é isso?Então o que significou este passado?Todo passado,por mais cheio de conteúdos é uma mera ilusão?No meio de tanta ilusão,o que fica?O que fica do passado e da metafísica?


sábado, 9 de abril de 2022

A questão do finito e do infinito

 

O problema da finitude e da infinitude,no seu sentido geral,sempre preocupou a humanidade.O episódio biblico da torre de Babel,com seu Rei tentando alcançar o céu,juntamente com outros mitos antigos,prova que a dúvida sobre a infinitude do universo era grande e real desde os primórdios.

E a tendência era acreditar na finitude.Com a s crenças em deuses e em Deus não era possível imaginar um universo que fosse inalcançável,incompreensível.Contudo o temor de Deus e dos deuses impunha uma certa noção de que Deus e o universo não podiam ser apreendidos também.

Pesquisadores modernos falam que em termos psicológicos havia sim uma infinitude admitida pelo homem,naturalmente identificada com a figura divina,em sua absoluta universalidade.Basta pensar no dom da ubiquidade atribuida a Deus(e aos deuses).

Contudo isto não era um problema para este homem antigo,exceto para os atomistas,mas estes viam um limite final e finalistico na subdivisão do Ser.É lógico,como sempre,que a problemática surgiu com a ciência moderna e esta ciência moderna não começa exatamente no Renascimento,mas antes dele,na Idade Média,quando muitos pensadores buscaram uma compreensão do universo,da natureza,uma compreensão completa e notaram ser isto impossivel.

Quanto mais a análise da natureza se fazia mais se percebia que outros problemas ,outras questões eram colocadas diante do pesquisador.

Este movimento se deu por mais de 600 anos e encontrou o seu ápice no século XVIII:a ciência,a investigação ,praticamente revelou a possibilidade de o infinito ser real,como conceito.Quer dizer a linguagem científica supôs esta realidade,ainda que (como até hoje)incomprovável.

Esta suposição poderia ter sido feita independentemente das conquistas da ciência?Independentemente do estudo da natureza?Os teólogos ,como Santo Agostinho,se referiam à vontade,à bondade infinita de Deus,mas não transferiam esta infinitude para a natureza.A natureza não podia ser maior do que Deus.Mas com a ciência moderna e a suposição, este infinito divino foi progressivamente questionado,limitado e igualado com a natureza,como é o caso de Spinoza.

A última tentativa de associar Deus com este infinito é Hegel,que,seguindo a teologia de Jacob Boehme,concomitantemente associa Deus com o mundo criado por ele ,destacando-o mas o condicioanando também pela dialética.

É um assomo final do conceito de piparote,do século XVI.Após a dialética a questão do movimento,da atualização,da presentificação ,se parte em muitas possibilidades.Como o tempo,o movimento se pluraliza e neste momento admite-se a suposta veracidade da adequação do conceito de infinito com o infinito real,objetivo.

Mas ,como o leitor percebe,esta afirmação contém uma contradição.Como se abarcará,pela linguagem o infinito?Resposta no próximo artigo.