quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Guerra e Paz II



A série mostrada pela Rede Globo e que eu recomendei assistir é muito chinfrim e comum,mas mesmo assim vale a pena usá-la para adquirir novos conhecimentos sobre os mais variados assuntos,que eu aventei já no artigo anterior:literatura,Tolstoi,Anarquismo,Cristianismo,História,Napoleão,batalhas,sentimentos,Rússia,humanidade.É um verdadeiro tratado,o romance,uma verdadeira enciclopédia.
No capítulo 2 a Batalha de Austerlitz,considerada como a maior da carreira de Napoleão.Ma em torno dela os temas recorrentes de Tolstoi.
O personagem imaturo de Bezukhov se interessa por uma cortesã,preocupada só com o seu dinheiro(diríamos hoje,uma peguete ou periguete).Deslumbrado ,como fora sempre,com a beleza  da princesa Ana,ele se casa,meio pressionado.
Aqui uma das linhas de estudo da personalidade humana,no que se refere ao amor,é desenvolvida por Tolstoi.O desenrolar da História mostrará o amadurecimento de Pierre,cujo coração,um pouco instável e dissipador,indica um caminho do bem,mas uma dependência das coisas materiais,tidas como verdadeiras.
A convergência,ao longo da narrativa,de Pierre para Natasha([e vice-versa]no inicio igualmente imatura)é um dos elementos mais fascinantes do romance,mas eu não tinha notado e não sei se corresponde ao texto(acho que não[vou procurar no original]),a presença “ organizadora” da mãe de Natasha.
As estações da vida mostram porque o homem é um animal fásico.Na medida da sua consciência e do seu aprimoramento ele vai cumprindo tarefas de cada idade.Infância,puberdade,às vezes permanecem no começo da idade adulta e jovem,por desorientação dos pais(que passam pelos mesmos problemas)e porque a vivência(e a experiência)se adquirem no tempo,na vida ,vivendo.
Esta é uma das razões pelas quais a experiência é tão mal vista(salvo pelos anglo-saxões)como via do conhecimento.A experiência humana é o local do acaso,do inesperado,do risco e do perigoso,associados às vezes à beleza,às coisas mais sublimes,como o amor.
Sacralizamos este risco,dizendo que tudo o que fazemos de errado por imaturidade “ afina o sangue”,fazendo parte do crescimento,mas risco  significa morte,perversão,frustração,recusa em crescer.
O périplo individual de Pierre e Natasha só ultrapassa ou transcende estes últimos conceitos por causa da guerra,da visão do sofrimento de todos.A guerra,e isto é o fulcro do romance e parte central da concepção de vida de Tolstoi,só serve para repetir,em larga escala, o sofrimento,a realidade do sofrimento,que está em Deus e em Cristo,que ensina a brevidade da vida  e a frivolidade das “tragédias” humanas.
Isto é uma especificação do paradoxo de Tolstoi,que o prendeu também.No afã de valorizar o cotidiano simples,as coisas simples frente à história,ele acaba por dar a estas coisas uma dimensão idêntica de grandeza.Ele não aprendeu ,com Caetano, a “ só ser”.
É porque nunca conseguiu construir uma concepção de sofrimento sem despojamento,sendo ele o aristocrata,” privilegiado”,que era.Um dilema que permeia  a atividade socialista,anarquista e marxista nos anos do século XX.Um intelectual que se preocupa com os pobres não pode ser um homem rico ou de grandes qualidades,sem sentimento de culpa,sem entrar em contradição consigo.



Há quatro santos na Rússia:Dostoievski,Tolstoi,Eisenstein e Tarkovski




Eu vou falar sobre cada um deles,mas inicio com Tolstoi,à propósito de série que a Rede Globo vai exibir a partir de hoje.Tudo levar a crer que vai ser uma série comum,mas suscita discussões,reflexões,sobre os mais diversos assuntos,o que recomenda vê-la,sem problemas.
A série é baseada no romance “ Guerra e Paz” ,que levou 5 anos para ser escrito e é um dos maiores da história.
Alguns temas estão presentes neste livro:a História,a revolução francesa,Napoleão,a Rússia dos czares,mas o que avulta em importância,como o próprio título diz é a relação entre o cotidiano e algumas das características tidas na época(e até hoje porque não?)como essenciais da História,os fatos,os heróis humanos,como Napoleão.
A análise escrupulosa do caráter dos personagens é enfeixada nesta dicotomia,que,no fundo expressa uma outra,mais profunda,que vai sendo descoberta depois que o romance é publicado,o do cotidiano contraposto aos cataclismos da história.
Tolstoi é um dos primeiros e um dos mais importantes críticos do culto da história e ,portanto,um dos preconizadores do seu fim.
Ele tem como companheiros o cristianismo,do qual ele tinha uma visão muito particular, e de Marx ,com sua utopia comunista.Ele não propõe uma Utopia ,ele diz que a utopia é um mundo de paz permanente,com seus costumes e valores próprios,contraposta aos atos paroxísticos da Guerra.
Na parte final do romance ele inaugura a questão,que seria retomada por Plekhanov,do “ Papel do individuo na História”,com um texto ensaístico sobre a figura histórica  de Napoleão ,diminuído diante do povo,diante do homem comum.Quer dizer, Tolstoi afirma o homem comum diante dos heróis da História.Neste sentido ele é muito parecido com o Dostoievski de “ Crime e Castigo”,porque aqui o personagem ,Raskolnikov,  se vê diante de sua vida vazia ,contraposta a de Napoleão,cujos crimes são cantados em prosa e verso e legitimados(numa relação dialética entre estes dois termos).Se os crimes  de Napoleão,pensa ele,são legitimados e não têm justificação nenhuma,a minha miséria(injusta)é mais autêntica do que a dele,como fundamento de um crime.E comete-o.
Em “ Guerra e Paz”,há um inicio em que o povo russo,mais instruído,os aristocratas,admiram a individualidade criadora e livre de Napoleão,que seria até um modelo a ser seguido pela Rússia dos czares(que devia se livrar destes autocratas).Com o tempo e com as agruras da guerra ,esta apreciação vai sendo mudada,por aquilo que está também em Dostoievski:a força do povo,a natureza intrinsecamente renovadora do povo.Evidente que a perspectiva de Dostoievski é  mais conservadora(depois tratamos disso)enquanto que em Tolstoi a visão é quase socialista,ele que é tido como precursor do movimento anarquista.
A Rússia ,centro geopolítico o mundo,foi invadida duas vezes.Isto dá ao povo russo a noção de sua grandeza e ,simultaneamente ,fragilidade,apanágio dos santos,dos puros,que é o que a Rússia é,Santa.Ajudou a  humanidade duas vezes e por isso deve ser vista como algo importantíssimo para a humanidade.Não  só ver este filme,mas ler o romance e olhar para além das partidas da próxima Copa,é necessário,porque ensina,engrandece.
Os personagens centrais do romance devem ser acompanhados com atenção,Pierre Bezuhov,cujo nome francês denuncia aquela supradita admiração e Natasha.Ambos são uma análise introspectiva do próprio Tolstoi,tendo como fulcro a natureza do amor.Tolstoi foi imensamente infeliz e buscou ,nestes personagens,explicação para este fracasso.
O leitor vê a quantidade de possibilidades de análise que este romance oferece e por causa disto eu vou acompanhar ,junto com todos,esta série  e regularmente colocar aqui artigos sobre tudo isto.
Mas esse é a ponta do iceberg,a ponta de um projeto maior ,contido no título do artigo.Estes quatro santos citados,à sua maneira,expressam e significam as razões de santidade(não perfeição)do país da Copa.Mas com o tempo eu vou mostrando porque penso assim.Enjoy.







terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Os três judeus



O papel inexorável de Freud


Ninguém tem a sua vida essencialmente mudada(no aspecto prático da sobrevivência)porque conhece a relatividade.O fato de olharmos o céu com esta noção, nos diferencia de seres humanos de outras épocas.Mas no passado,como agora,todos temos que ganhar a vida,como diz Chaplin,no final de sua autobiografia.Um dos transcendentes mais permanentes na História é este conceito(a favor da concepção materialista da História[Marx]).
O mesmo se pode dizer de  Freud(e de Marx):diretamente ninguém precisa se preocupar com a libido obrigatoriamente.Certamente a vida hoje,permeada de sexualidade,é muito diferente da do passado e isto se deve a Freud.
Todo saber é democrático.A questão prática,em grande medida,prescinde ,na maior parte,de conhecimentos profundos.
Contudo,e isto é algo inexorável em Freud ,o homem possui um corpo.O corpo,com sua economia pessoal e psicológica,é destino/destinação(bestimmmung),como a política é intrínseca à gregariedade humana(e até animal[assisti a um documentário recente sobre os macacos antropóides e vi até beija-mão!]),como notaram Aristóteles,São Tomás de Aquino e Max Weber.
Eu já me referi  a este último problema e relembro que a gregariedade humana vem da natureza,é genética,e sobrevive em grande parte mesmo com a contínua e crescente autonomização do homem e da sociedade frente a ela.Napoleão dizia:” Política é destino”,mas deveria dizer a gregariedade humana é destino,pelo menos,na sua origem natural.
O termo política ,sabemos,deriva do termo “ polis”,na Grécia,que já uma manifestação da civilização humana,distinta da comunidade primitiva,em que a administração estatal não está presente.Não há,no entanto,ruptura entre estes dois momentos históricos,na mediação natural(animal) humana.O termo política poderia e deveria ser mudado(como o termo humanidade[para incluir o gênero feminino]),para expressar esta continuidade.Eu vou tratar destes temas em outro artigo,porque este é sobre o corpo em Freud.
Como dizia ,pessoas com neurose podem viver normalmente e até desdenhar da psicanálise(como acontece freqüentemente[preocupação de fracos]).Mas não podem no que tange aos achaques do corpo,aquilo que ,ainda que minimamente, põe em risco a sua integridade.
Os espíritas ,inclusive,afirmam que as dissipações e descuidos mínimos da vida quanto ao corpo, podem significar uma forma  inconsciente de suicídio,pelo quê o reconhecimento do problema impõe a  responsabilidade do homem consigo mesmo,reconhecendo inexoravelmente a realidade do inconsciente.
Quando o pensamento complexo de um autor cai no senso-comum os qüiproquós conceituais são terríveis.Em outro artigo pretendo mostrar alguns destes desenganos com outros autores(notadamente Nietzsche),mas o mais famoso no que diz respeito a Freud é atribuir-lhe uma obsessão sexual,com o  conceito de libido.A libido seria o sexo.Mas libido não é necessariamente sexo .Libido é desejo orientado a uma determinada finalidade ou “ objetivo”,inclusive(mas não só)o sexo.Libido é desejo e qual o corpo que prescinde do desejo( e o desejo do corpo)?Impossível.
Quando eu disse que Freud era um termo de união extraordinário entre a vida social e a natureza,num sentido muito particular,me referia a isto.Freud  descobriu,como ele disse que “ anatomia é destino” (também[eu digo]).Não descobriu ,no entanto, o sexo,mas o corpo.





segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

A interdisciplinaridade nas Ciências Naturais



Tenho defendido a vida toda a interdisciplinaridade inevitável das Ciências Sociais,porque este conceito expressa a realidade complexa da humanidade.Mas no caso das Ciências Naturais é do mesmo jeito?
Ora o homem,corpo,pertence à natureza.Ele produz conhecimento a partir de si,da relação com o corpo e com a natureza,mas a natureza é também complexa,cheia de múltiplas facetas,que passam para a humanidade.E o corpo(humano)é natureza.
A classificação,faceta de toda abstração,é só para padronizar a multiplicidade quase inalcançável dos eventos.A realidade é una,ou melhor,tende à unidade,porque não sabemos se  o universo se fecha,ou é fechado.
No âmbito do Renascimento e do surgimento da Ciência Moderna(Copérnico,Kepler,Galileu e Newton resumidamente)há um momento em que a abstração adquire um poder tão grande que elimina esta unidade.Curiosamente,o Renascimento,que mistura o conhecimento com práticas alquímicas e mágicas e que prepara de diversas maneiras a ciência moderna,tinha esta noção de unidade.Nós vemos isto na concepção de natureza de Da Vinci,” um todo único”.As ciências especializadas nascem ao longo da luta da ciência para predominar  sobre a superstição(onde as práticas mágicas são classificadas)e a compartimentalização aparece,no pensamento e na vida social.
Na Reforma e Contra-Reforma há uma luta entre os movimentos religiosos,mas também contra a ciência.Neste último caso há uma autonomização da ciência,na medida em que ela tem conseqüências econômicas claríssimas.
O mundo moderno nasce destas várias tendências,que se arrumam progressivamente segundo as suas possibilidades e interesses.
Mas num aspecto a época anterior sobrevive neste novo mundo:a relação entre macrocosmo e microcosmo,intuída pelo pensador interdisciplinar Paracelsus.A prova desta conexão entre o Renascimento e a Ciência Moderna é que só se pode entender a  sua evolução,de Copérnico até Einstein,se entendermos que  este caminho não é físico ou químico,mas físico-químico.O físico é o macrocosmo,o químico,o microcosmo.No entanto,há uma física microcósmica e uma química macrocósmica.
Quando estudamos na escola não há relação entre  Copérnico,Kepler,Newton e Lavoisier,mas ela existe e é necessária.
O átomo,que é a junção entre estes dois mundos e ciências,não foi provado senão em 1903 por Rutherford,mas toda a ciência do movimento,dos campos de força(Coulomb),da gravidade, não são compreensíveis se não entendermos o uso da balança química de Lavoisier.
Por este método Lavoisier mediu e pesou todos os elementos conhecidos da natureza e esta medida se ampliou na química atômica de Avogadro e Dalton,o qual elaborou uma famosa teoria atômica.
A extraordinária contribuição de Mendeleiev,antecipando as características de alguns elementos antes de serem conhecidos,revela o caráter desta relação físico-química,que é o traço de união fundamental da natureza.
A idéia de Newton ,de um éter que “ seguraria” os planetas, impõe progressivamente a realidade do átomo.E no átomo encontramos física e química.