domingo, 23 de maio de 2021

Novamente à propósito da inversão marxiana da dialética

 

A partir de Popper

O leitor sabe,porque já disse há muitos anos,que preparo um texto sobre a crítica à dialética hegeliana e marxista feita por Popper.Este texto está quase pronto.

Mas diante da parte final do texto de Popper tomei a decisão de fazer um artigo sobre as conclusões deste filósofo sobre a dialética que casam bem com algumas coisas que eu tenho dito aqui.

Para além das análises lógicas,algumas observações de Popper devem ser retidas:o que significa realmente a dialética em Marx e Engels?Existe mesmo esta inversão entre Hegel e Marx?

Na parte final do texto famoso de Popper “ What´s dialetics”,tão importante em minha vida,por ser uma crítica acerba contra um dogma essencial do marxismo,Popper faz este balanço de algumas contradições da dialética hegeliano marxista.

Ele se refere ao fato de em muitos textos principalmente marxistas(ou só marxistas)não se saber bem como ela funciona.Ora se fala na oposição de dois termos ,ora nas contradições internas do Ser,ora na aufhebung .

Para os devidos fins da compreensão da dialética e do artigo de Popper ,a dialética hegeliano-marxista supõe(supõe)que uma coisa é e não é ao mesmo tempo,sendo este principio o responsável pelo seu movimento.Tal principio rompe,supostamente(supostamente)com o da identidade de Aristóteles(e Parmênides).

Hegel,digo eu,me inserindo no debate,segue o pensamento Aristotélico,apenas acrescentando,no entender dele,o principio da contradição,que explicaria o seu(do Ser)movimento.

Ele rompe,como se vê,com a concepção do movimento de Aristoteles,que o entendia como modificações na substância ,as quais mudam a forma e a finalidade do Ser.Para Hegel a contradição entre a forma e o conteúdo gera o movimentro do ser.

As mudanças no conteúdo alteram a forma e a aparência do Ser segundo o esquema dialético em que se a alteração do conteúdo nega a forma ,esta se integra nele,como algo diferente dos dois termos iniciais,forma e essência.Assim o Ser contém em si uma contradição:ele é ao mesmo tempo um conteúdo que se modifica e uma forma idem,inter-relacionados.A contradição está intra-ser.

Não se trata de uma dialetica oposicional,mas uma dialética intra-ser,compreendida pela subjetividade,que partindo desta contradição forma(existência)e essência ,define o Ser como algo que é e não é,no seu movimento próprio(como de tudo).Isto é,a subjetividade observa este movimento,o entende e o conceitua.A existência é a forma do Ser,como ele se apresenta,a sua aparência.Já não é a finalidade de Aristóteles,embora não o(a) negue.

Em Aristóteles e em Hegel o movimento do Ser é algo potencial dentro dele,mas o último vê como causa do Ser a contradição,não a finalidade do Ser,que se desenvolve potencialmente em seu desenvolvimento.

Isto tudo é importante para ressaltar o que diferencia a dialética de Hegel das outras.Lógico que Hegel bebe de múltiplas fontes:pode ser de Platão,mestre de Aristóteles e Plotino;pode ser de Fichte e Kant, e de Mestre Eckhart e Boehme ,como indica Gurvitch,mas o importante é esta distinção,porque ela nos permite entender Popper,quando diz que uma coisa não pode ser ela e outra coisa ao mesmo tempo.

Embora Hegel mantenha a identidade,o marxismo quer romper com este principio,o que gera os problemas que conhecemos.A identidade do Ser em Hegel é substituida pelo marxismo em uma concepção anti-filosófica(e cientificista) do movimento,potencialmente já existente em Hegel,que se refere ao absoluto, ao mundo e à humanidade, revelando a teologia latente nestas concepções.

O Absoluto não existe ,o Ser como absoluto é uma abstração metafisica,que por sua vez tem origem na religião e continua no monismo.O absoluto pode ser visto como uma realidade mistica,como em Kierkegaard,mas no plano do Ser não.Jean Wahl diz que o Ser é “ extático”:ele permanece no tempo mas se dilui,no tempo.Diria eu,como numa ampulheta.

A crença( o termo é este mesmo)de Hegel(e de Marx!)neste principio absoluto da dialética a conecta com este passado teológico.

Aqui eu não vou tratar da origem da dialética hegeliana em Mestre Eckhart e Jacob Boehme,mas quanto a esta teologia,a dialética hegeliana parte de um principio metafísico e teológico que a informa,mas a sua natureza teológica s e revela na constatação óbvia (percebida por Proudhon)de que ela se propõe como unificadora da sociedade,da humanidade e da natureza,o que resgata o absoluto inapelavelmente,como acabam por aceitar inconscientemente Hegel e Marx.Embora este último despoje a dialética deste veu mistico, a unidade entre natureza e sociedade é um revérbero da teologia e muitos autores percebem-nos no discurso e nas metáforas religiosas usadas por Marx.

Existem várias formas de dialética como eu já disse em outro artigo,tirando de Gurvitch.Mas agora é preciso esclarecer esta questão,ressaltando Platão e Plotino,já preparando o leitor para a análise dos autores medievais citados acima:a teoria da reminiscência de Platão,nós sabemos,é o caminho da alma ,que perdeu a noção das verdades geométricas e (re-)volta a elas num aprendizado progressivo,percorrendo os corpos até a rememoração definitiva.Plotino acrescentou o principio da unidade ,do uno.A dialética acrescentou a esta reminiscência a contradição entre as almas,os corpos,os homens e Hegel pôs a contradiçaõ dentro do Ser.

As antinomias da razão de Kant, que se refletem em Proudhon confirmam que não existe uma só dialética,a hegeliana e que esta última não expressa o movimento efetivo do real.

Uma segunda questão,que é a que dá titulo a este texto é sobre o fato de que no âmbito do marxismo nunca houve uma superação “materialista” da dialética “ idealista” de Hegel,coisa inevitável de se pensar quando se fala da inversão da dialética,a sua colocação “sobre os seus pés”:ora, se ela vale somente no plano material a dialética como pensamento desaparece.

Muito embora o marxismo diga isto de fato ,o método dialético de Hegel ,o processo de constituição do movimento a partir de contradições internas do Ser,é frequentemente lembrado,usado e aconselhado,o que confirma o que eu disse ,seguindo Edmund Wilson em “ O Mito da Dialética”(Rumo à estação Finlândia):que o que Marx faz é só um despojamento teológico,do principio teológico de toda a dialética.Mas é ilusório,como vimos,porque o seu monismo atribuído à natureza mantém o absoluto e a Teologia.

Por desconhecimento ou incompreensão ,mas convictamente ,Marx entende que a Idéia Absoluta,segundo,Hegel, “produz” o mundo,dialéticamente.Sem perceber ,ao despojar esta figura ,não vê que o Ser não é esquecido e que portanto a dialética materialista é a de Hegel,com os mesmos problemas.

Não raro militantes comunistas do passado lêem Hegel,como até hoje,não identificando diferenças ,mas igualdade(sem notar não raro).