sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

Coletti e Kant


Juro que nunca vi estas palavras de Coletti quando afirmei em artigos passados que Kant é mais materialista do que Marx.
Na Revista Sinal de Menos do ano de 2014,é reproduzida uma entrevista de Perry Anderson com Coletti de 1974 e em um dos momentos Perry faz a pergunta:
PA >> Voltando a atenção para os seus escritos filosóficos mais tardios, neles você
expressou um respeito e admiração cada vez mais marcantes por Kant – uma
preferência incomum entre os marxistas contemporâneos. A sua proposição básica
para Kant é que ele afirmou com a máxima força a primazia e irredutibilidade da
realidade em relação ao pensamento conceitual, e a divisão absoluta entre o que ele
chamou de “oposições reais” e “oposições lógicas”. Você argumenta, a partir dessas
teses, que Kant estava muito mais próximo do materialismo do que Hegel, cujo
[-] www.sinaldemenos.org Ano 6, no10, vol. 11, 201412objetivo filosófico básico você interpreta como a absorção do real pelo conceitual, e
com isso a aniquilação do finito e da própria matéria. A sua reavaliação de Kant é
portanto complementada pela desvalorização de Hegel, a quem você critica
implacavelmente como um filósofo essencialmente cristão e religioso – ao contrário de
posteriores concepções marxistas equivocadas de seu pensamento. A questão óbvia
que surge aqui é: por que você atribui tal privilégio a Kant? Afinal de contas, se o
critério da proximidade com o materialismo é o reconhecimento da irredutibilidade da
realidade ao pensamento, a maior parte dos filósofos franceses do Iluminismo, La
Mettrie ou Holbach, por exemplo, ou mesmo, antes disso, Locke, na Inglaterra, foram
muito mais inequivocamente “materialistas” do que Kant. Ao mesmo tempo, você
denuncia as implicações religiosas de Hegel – mas Kant também foi um filósofo
profundamente religioso (para não falar de Rousseau, a quem você admira em outro
contexto), mas você parece manter um silêncio obsequioso em relação à sua
religiosidade. Como você justifica a sua excepcional estima por Kant?
LC >> As críticas que você acaba de fazer foram levantadas contra mim muitas vezes na
Itália. O primeiro ponto a estabelecer é a diferença entre o Kant da
Crítica da razão
pura
e o Kant da Crítica da razão prática...

PA >> Esse não é o mesmo tipo de distinção que comumente se faz entre Hegel em
Jena e Hegel após Jena? Qual deles você rejeita?
LC >> Não, porque a diferença entre conhecimento e moralidade é essencial para o
próprio Kant. Ele teoriza explicitamente a diferença entre a esfera ética e a esfera
cognitivo-científica. Não sei dizer se Kant é importante para o Marxismo. Mas não há
nenhuma dúvida quanto à sua importância para a epistemologia da ciência. Você
destacou que La Mettrie, Holbach ou Helvetius eram materialistas, enquanto Kant
fundamentalmente não o era. Isso é perfeitamente verdadeiro. Mas de um ponto de
vista estritamente epistemológico, há apenas um grande pensador moderno que pode
nos ajudar a construir uma teoria materialista do conhecimento – Immanuel Kant.”
E em outro passo:
Os marxistas tradicionalmenteconsideram a noção kantiana da coisa-em-si – Ding-an-sich – como o signo de uma
infiltração religiosa diretamente em sua teoria epistemológica, certamente?
LC >> Há um subtexto religioso na noção de coisa-em-si, mas esta é a sua dimensão
mais superficial. Na realidade, o conceito tem um significado na obra de Kant que os
marxistas nunca quiseram ver, mas que Cassirer – cuja interpretação geral de Kant,
baseada em cuidadosos estudos textuais, tem a minha considerável simpatia


corretamente enfatizou. Quando Kant declara que a coisa-em-si é incognoscível, um
sentido (se não o único) do seu argumento é que a coisa-em-si não é de forma alguma
um verdadeiro de cognição, mas um objeto fictício, que não é nada mais do que uma
substanciação ou hipostasiação de funções lógicas, transformada em essências reais. Em
outras palavras, a coisa-em-si é incognoscível porque ela representa o conhecimento
falso da velha metafísica. Esse não é o único sentido do conceito na obra de Kant, mas é
um dos principais, e é precisamente isso que nunca foi percebido pela leitura
completamente absurda de Kant que prevaleceu entre marxistas, que sempre reduziram
a noção de coisa-em-si a um mero agnosticismo. Mas quando Kant afirma que ela é um
objeto que não pode ser conhecido, ele quer dizer que ela é o falso objeto “absoluto” da
velha metafísica racionalista de Descartes, Spinoza e Leibniz; e quando Hegel anuncia
que a coisa-em-si pode ser conhecida, o que ele está de fato fazendo é restaurar a velha
metafísica pré-kantiana.”
O que Kant(e Coletti) quer dizer é,como eu já havia demonstrado,que não é possível ao pensamento abarcar o mundo todo.Admito que quando eu digo isto estou vendo muito as condições de conhecimento que temos hoje,com um cosmos praticamente infinito.
O que Kant queria fazer ,e Coletti diz isto na entrevista, era recuperar a metafísica diante da física newtoniana.
Embora Kant não tenha ainda esta visão atual do cosmos percebe claramente o enorme abismo entre o Ser e as condições do pensamento,ratioessendi e ratio cognoscendi.
Também já expliquei a diferença entre transcendente e transcendental:transcendente se refere a uma experiência já entranhada na consciência que permite relacioná-la com outro de experiência.O transcendental é aquilo que já não tem referência na experiência,mas,e é aqui que se nota o caráter não inteiramente idealista de Kant,o conceito de transcendental no filósofo se dirige àquela experiência que ainda não se entranhou na consciência subjetiva.
O pensamento de Kant,aprioristico,atribui um significado ideal a este transcendental,mas é possível diluir o apriori nesta integração sujeito/objeto.Neste momento verifica que a ilusão da metafísica até então era acreditar que o sistema de pensamento tinha meios de compreender o Ser.Na doutrina transcendental dos elementos ele mostra a impossibilidade.Daí é quem vem o termo “ a coisa em si incognoscível” que não é mais do que o reconhecimento do abismo.
Cassirer,neokantiano do século XIX,apreciado por Coletti,tanto quanto por mim,que o cito tanto,dilui ainda mais o idealismo aprofundando o objeto enquanto parte da experiência subjetiva,investigativa,do homem diante do Ser.
A ciência que busca respostas totais é tão inócua e letal quanto à metafísica.A dialética hegeliana e marxista são tão metafísicas quanto outras filosofias racionalistas pré-Kant,Spinoza,Leibnitz e Descartes.
E Kant então é muito mais materialista do que as metafísicas citadas,porque admite a senda infinita do conhecimento.Ele não diz que não é possível conhecer,mas conhecer tudo,logo o processo de conhecimento nunca pàra,mas prossegue.

sábado, 11 de janeiro de 2020

Eu sou que nem Lutero

Conforme tenho dito aqui escrevo estes artigos,mesmo sem ter mestrado e doutorado,porque tive uma experiência muito ruim no contato com estas instituições.Não vou relatar nada deste contato,por enquanto,porque não é meu assunto.
O assunto é que ninguém tem o direito de excluir uma pessoa de uma instituição e de uma profissão,sem critérios bem fundamentados e rigorosos.
Na medida em que não vi nestas instituições lisura no processo de avaliação dos pretendentes ao mestrado e ao doutorado e à profissão,tomei a mesma atitude que Lutero diante da igreja católica:carcomida por corrupção,a Igreja não tem autoridade para interceder pelo homem diante de Deus,sendo esta intercessão somente pela fé e pelo coração do homem.
Similarmente não acho que alguém possa impedir o caminho em direção à verdade e ao conhecimento.Não há critérios igualitários e justos que fundamentem uma autoridade capaz de dizer:” este pode,este não”,como se fosse um doutor Mengele,legitimo.
Assim sendo não vejo porque a falta de um canudo,eu não possa ,pelo estudo,pelo esforço,chegar ao conhecimento.
Mas eu escrevi este artigo para explicar uma coisa:o fato de eu falar em Lutero não quer dizer que siga a figura deste personagem histórico,acriticamente.Estou me referindo ao que ela representa e ao que ela cristalizou.Só isto.
Os politicos e figuras históricas são viabilizadores de ideias coletivas,trans-históricas,inter-geracionais.Algumas ideias podem ser elaboradas por eles,mas não há caso de que tudo venha deles.
A junção da classe média com a classe operária,através do psd e ptb,realizada por Getúlio Vargas,é,para mim,o ponto de partida das mudanças sociais em qualquer país,mas isto não quer dizer que eu seja getulista porque esta ideia vem do socialismo,da social-democracia,reconhecendo o surgimento,no final do século XIX e inicio do XX,da classe média,como classe “ produtiva”.
Porque Mussolini instituiu as 8 horas de trabalho,há que ser fascista?Ele tomou esta decisão em função da pressão e da luta dos trabalhadores.
É preciso entender os meus artigos dentro de uma metodologia histórica,dentro de um critério científico.
Eu não gosto senão de poucas figuras históricas:Jango;Gandhi;São Francisco de Assis.Pouquíssimas e não escondo uma antipatia com Lutero ,que autorizou violências contra os camponeses e contra os judeus,sendo mesmo um precursor dos nazistas(reconhecido e utilizado por eles).
Eu,como tinha intentado,não vou esconder este lado destas figuras.Em próximos artigos tratarei deste lado “ escuro” destes personagens.