quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

O direito,Kant e Kelsen

Há muitos anos atrás havia este debate nas faculdades de direito entre as concepções de Kant e Kelsen a respeito da norma jurídica.Ainda mais porque é claro que não se pode falar em Kelsen sem falar antes em Kant.
Kant ,como tenho explicado aqui,afirmou que a filosofia integra a experiência dos povos,sendo um de seus elementos,não o elemento. Com isso os modelos metafísicos se esboroam definitivamente levando consigo esquemas tradicionais de poder.A filosofia e o saber em geral podem ou não constituir um modelo ou não constituir nenhum.
Ao dizer isto Kant abre o caminho para a “teoria pura do direito” de Kelsen,na medida em que o direito também se liberta dos arquétipos metafísicos e se explica por si mesmo(daí o “ pura”),na relação inelutável com a referida “ experiência dos povos”.
Mas,sem o dizer,Kant abre espaço para uma dialética entre a filosofia e o direito,entre os valores e a experiência dos povos.
A palavra direito ,bem como a norma ,têm uma polissemia,uma amplitude de significados,mas nasce necessariamente na axiologia,na teoria dos valores,que ,na vida,antecede ao direito e ao estado.
Muita gente,principalmente no lado do marxismo, não entendeu ,ainda, que a norma,o senso de limite ,inere à existência humana,sendo mesmo uma medida e condição da humanidade,como espécie que conhece.Mas do limite(conhecimento,costumes,prática)se vai para uma avaliação e estimação do mundo(e vice-versa[dialeticamente falando]) e destas para a construção de sentido e significado.
O caminho é este:uma coisa é perceber o mundo,dizer o que é uma coisa é,outra é atribuir-lhe valor e ser tocado por ele,pelo seu significado.
Sei o que é uma parede,mas atribuo-lhe significados quando dependuro um retrato de meus pais,os quais me servem de inspiração na vida,no que é uma relação dialética,como produto da consciência.
Assim é,também ,com o direito,(produto da consciência),que funciona como um limite,uma regra,cheia de significados possíveis e que depende deles.Afirmar pura e simplesmente o direito,qualquer um pode.Stalin,Churchill e Hitler usaram o direito ,como noção geral de limite,para impor os seus modelos intocáveis.Mas o direito sem o fundamento do valor(Kant[filosofia{axiologia}]),sem a eventual dialética do retorno em bem-estar não tem sentido,ou tem um não-sentido(destruição)anti-humano.
Embora a metafísica tenha acabado,um seu elemento,o valor,como experiência humana cotidiana,constante,permanece parte dos limites e regras essenciais do sentido construtivo que a espécie humana precisa ter(deve ter[se quiser se afirmar{existir}]).
É aqui que a crítica a Kelsen se faz presente por sua ligação,quer dizer, da sua toria pura,com o estado forte,na Áustria,tão útil ao nazismo ,quando invadiu o seu país.
Para Kelsen o valor fundamental do direito é a segurança.Na verdade é um anti-valor(anti-humano),porque transfere para algo fora do valor,ou distinto de sua natureza própria(estimação),a segurança,como condição única(objetiva[heterônoma])da existência humana,que deriva(concepção do estado forte e dos totalitarismos) só da vontade,que se pretende abstrata,mas que é condicionada.
O ser humano é condenado a estimar.Ainda que negue o seu caráter axiológico,inconscientemente avalia,sendo a negação disto a mediação pervertida e distorcida dos “ismos” destrutivos do século XX,o fascismo,o stalinismo e os imperialismos(com suas diversas justificativas),que embasam os seus crimes e garantem a sua reprodução,o seu caminho de impostura.
Não é só a vontade que fundamenta a existência do homem,mas sua capacidade de escolha(como diante de uma parede e de um quadro.Por isso Kant diz na “ Metafísica dos Costumes”,que a vontade que vale é a incondicionada,porque assim ela se conecta imediatamente com o valor,com a capacidade estimativa,perfazendo a ligação entre o elemento filosófico com os costumes(experiência),que dilui a metafísica,mas não descarta o papel social e cotidiano(mais adequado,mais democrático,mais situado)da filosofia,através da axiologia.
A vontade condicionada se submete às conveniências do tempo,” objetivas”,como se fosse possível medir o homem por algo fora dele,fora-de-si.
Desta forma é que a idéia de segurança(tão em voga no Brasil hoje)falseia,com uma abstração vazia(porque não consulta as subjetividades)o desejo humano de liberdade.Basta excluir o criminoso que eu posso deixar minha porta aberta...Como se este silogimo fosse suficiente para abarcar e solucionar o problema humano complexo do direito e da liberdade.Para Kant não existe liberdade sem direito,direito no seu sentido polissemico,de norma,valor(certo e errado),limite.Para Kelsen,basta o Estado garantir a coesão social,de cima para baixo...
Mas eu escrevi este artigo para demonstrar também como as discussões filosóficas mais complexas passam de forma errada para o senso-comum e sofrem distorções perigosas(que levam aos nazismos...);como esta mínima ligação entre filosofia e costumes é necessário de se conhecer pelo senso-comum(simples razão).
Acaso o nazismo não fez o que fez em nome do direito da Alemanha?Se houvesse esta compreensão do povo alemão,de que antes do direito existe o valor,a alegação do direito não seria feita,porque sem fundamento.
Há pessoas em rádios do rio de janeiro que reproduzem este erro(esta besteira) e aí cometem aquele ato condenado pelo direito positivo,de “summum ius,summum injuria”,” excesso de direito,excesso de injustiça(abuso do direito)”.O direito também deve se limitar.