sábado, 25 de junho de 2022

O inconsciente não é atemporal

 

Como não é nada referente ao homem,que é um ser-no-tempo.Certa feita ouvi por aí numa das rádios aconselhadoras de comportamento, de que muitas coisas guardadas na memória e no inconsciente têm ,não raro,influência no presente.Por isto um destes aconselhadores disse: “o inconsciente é a temporal”.Absolutamente.

Pode-se falar numa meta-temporalidade,uma “além temporalidade”,mas não não tocada pelo tempo,porque isto é impossível.Quando Gilberto Freyre fala em “meta-raça” para designar a “raça” nova no Brasil,não está desconectando-a com a experiência do tempo.

O mesmo não se há de fazer com o inconsciente,pois ele é também experiência e memória.

O inconsciente é trans-temporal no sentido de tempo “tribio”.Gilberto Freyre exigiu para ele a invenção deste último termo,mas ele procede do capitulo XI das Confissões de Santo Agostinho,no qual se mostra que o tempo dos homens é ao mesmo tempo passado,presente e futuro.O homem,como diz Nietzsche ,é o caminhante solitário(Rousseau),numa corda-bamba,que vai do homem(ou da sua perspectiva)para o além-do-homem,o uber-mensch,ele mesmo,a sua perspectiva,o trans-valorador de valores ,aquele que se conduz por sua ética escolhida.Mas poderiamos dizer que nesta visão a experiência não é rompida,como não é rompida na vida do inconsciente.

Acrescentemos que esta perspectiva ,no tempo,é simultaneamente ,passado,em que predomina a memória e o inconsciente;o presente,onde está o homem real,a perspectiva real(apreendendo os materiais que irão para a memória e o inconsciente[por sua ação e pensamento])e o futuro,o projetado passo seguinte,onde estão as imensas possibilidades da humanidade.

O passado, onde está o inconsciente, invade o presente,na consciência neurótica,atrapalhando o seu sentido ou o prejudicando,isto é,o futuro,o sentido.Ele não está fora do tempo,mas o distorce,o reprime,o pressiona,assim como a perspectiva da subjetividade,que é dividida entre o eu e o ego.O eu é a manifestação (moral,ética,racional)da subjetividade ,a qual se condiciona pela experiência acumulada e sua formadora ,do ego.O Eu e o Ego se fundem e se dissociam numa relação quiçá dialética,no interior da matéria empirica que,entre outras,forma o ser humano.



A crueldade fraternal IV

 

Estudos sobre o Marquês de Sade

Muito embora não aprove a repetição reiterada de fenômenos de violência expostos nos livros do Marquês de Sade,especialmente os 120 dias de sodoma,vejo na sua obra um quê de fundamentação para a exposição de crimes e sangue,porque se observarmos bem,não só a história da humanidade,mas o cotidiano em todas as épocas(inclusive o nosso atual e no Brasil)vse vê que não é muito fora da realidade brutalidades contra crianças inocentes ,pessoas sem culpa ,de parte de indivíduos violentos e sem nenhuma virtude que é a utopia frequente do ser humano.

Como caracterizar o Marquês de Sade então?Certamente ele tinha graves problemas mentais que antecediam às suas calamidades na idade adulta.

Segundo a média de suas biografias ,o começo de seus supostos desequilibrios se deu na sua rebeldia contra os seus preceptores religiosos.Não dou muito crédito às narrativas de Gui Endore dando conta de que ele,criança,ou púbere,se masturbava no seu quarto de estudo gritando aos céus desafiando Deus para que o matasse,se estivesse em pecado,conforme as “ lições” dos padres.Endore não fez,como ele mesmo confessou,uma biografia,mas um romance.Só o que fica é uma hipótese de que as extremações do futuro Marquês estariam já no inicio de sua vida.

Outro episódio é também muito inconfiável:as suas transgressões teriam começado depois que foi proibido de se casar com Anne Prospére,a sua preferida.Mas as fontes afirmam que mesmo casado, obrigado por seus pais,ele teve como encontrar esta sua escolhida depois e se relacionar com ela,bem como com muitas outras(e outros)amantes,o que diminui o caráter idealizado desta sua “ musa”.

Contudo os seus desatinos se deram exatamente logo após esta interdição e o então jovem Marquês chegou a raptar Anne Prospére para realizar o seu intento.

As fontes são muito poucas e desencontradas sobre este personagem e não é para menos,pois se trata de um trangressor e um crítico da ordem dominante.De um jeito destrutivo e auto-destrutivo,mas ainda assim tendo razão em questionar os valores desta ordem.

Então, deixados de lado estes relatos excessivos de violência(mas não os desmentindo)identificamos algumas questões válidas neste escritor.Críticos dizem que Sade escreveu os 120 dias para contestar o mito de seu amigo Rousseau,do “bom selvagem”,fudamento do contrato social.

Mas eu aduzo que mais do que isto Sade é a exacerbação de Hobbes,do principio de que “o homem é o lobo do homem”.É por aí que eu pessoalmente começo a valorizar Sade,a encontrar nele traços de verdade a serem transmitidos.

Só assim,para mim,se há de fazer esta recuperação,porque não é pura e simplesmente chocar a sociedade o que Sade quer.Acusação idêntica foi feita ao nosso Nelson Rodrigues,que supostamente só tinha mérito em chocar a sociedade,exibindo-lhe as contradições e vergonheiras.Ma s havia algo mais evidentemente.

Sade mostra as contradições da humanidade no que tange à construção de uma sociedade baseada na repressão e manipulação do sexo.

Por isto ele tem tanta importância,porque a partir dele estamos aptos a ver no passado,no presente e lamentavelmente no futuro,as manifestações de violência corriqueira que os homesn cometem entre si.

Quando tomei conhecimento de Pier Paolo Pasolini,vendo-o ainda como um comunista trivial e não o herético por excelência que ele sempre foi, atribuí a estas violências fundamentos sociais e históricos,como todo comunista bem comportado faz:o que torna o homem lobo do homem são as condições sociais,superáveis perfeitamente pela utopia.

A maturidade me diluiu esta idealização.O meu propósito recente de retomar reflexões sobre Sade,que eu conheci(junto com Pasolini)nos anos 70,era tentar,para além do meu esforço pessoal terapêutico,adequar a razão,a minha razão, com a emoção ,que é o equilibrio das pessoas que reconhecem a inadequação do homem com o mundo e que seguindo a parte final da vida de Simone de Beauvoir,fazem “ um voto não contra este mundo”.

Quando eu era um bem comportado jovem comunista ver uma criança pobre ser ridicularizada no meio de crianças às vezes em situação melhor me fazia(como me faz hoje[ainda]{e sempre})chorar,mas naquele momento tinha eu certeza do que fazer para lutar contra esta injustiça.Hoje...ficou o choro e o mesmo desejo de lutar.Contudo a emoção ficara reprimida,já que não sabia mais o que fazer com ela.

Os estudos sobre Sade me mostraram como é possível ,em termos subjetivos,reequilibrar estes dois momentos interligados(dialeticamente[?])e colocar a subjetividade num patamar capaz de introduzi-la numa nova forma de luta.Porque esta nova subjetividade já não mais se ilude com idealizações,inclusive(e principalmente)politicas.Explicarei no próximo artigo.


domingo, 19 de junho de 2022

a parte final de meu etxto sobre kant

 

Depois dos dois ensaios anteriores estou apto a fazer uma proposição de interpretação de Kant.Trata-se de inverter o significado da expressão “Doutrina Transcendental dos Elementos” de um apriori para um a posteriori.

Na definição de Kant transcendental é aquilo que é dado a priori:o pensamento,a representação do mundo é algo que que precede a tudo,a toda empiria.

Na medida em que como vimos falando estes anos todos este esquema de recuperação da metafísica não tem fundamento,quer dizer,o apriori é uma limitação de época e individual de Kant e se é possível,como mostrou o neokantismo,reinterpretar Kant de modo que ele faça sentido e recupere a filosofia diante do cientificismo, a transcendentalidade tem que mudar,porque neste processo de reavaliação ela supostamente desaparece.

No meu modo de entender pode-se falar em transcendental ,algo que ainda esta fora da experiência,da apreensão por parte da subjetividade humana e em termos filosóficos esta denominação e compreensão nos daria condições de unir o método filosófico de Kant com a nova realidade propiciada pela sua nova interpretação.

Kant é meta-histórico,meta-temporal,conscientemente,analisando a experiência humana referenciada ao a priori da representação racional

sábado, 11 de junho de 2022

HEGEL I

 

A Fenomenologia do Espirito do espirito é um começo e fim de uma época.E quem estabeleceu este aparente paradoxo foi o seu próprio autor :Hegel.

O elemento limite deste paradoxo é a relação entre a filosofia e a ciência.Melhor,Hegel está numa encruzilhada entre a abordagem puramente filosófica e a ciência,a filosofia como ciência.De 1805 a 1806,por diversas razões, o caminho de Hegel foi para este último conceito.

Eu não quero falar nesta sobejamente conhecida mudança,de que tratei em outro artigo,mas das consequencias nos instersticios do pensamento hegeliano, desta revolução,vamos dizer assim.

Porque enquanto o pensamento filosófico ,na sua perseguição do movimento apresenta aberturas,a perspectiva científica do pensamento o oblitera.

Contudo ,em Hegel a questão do movimento é essencial e se na Fenomenologia a contradição entre ele e a metafísica é diluível em favor da lógica,entre esta e ele já é mais complexo.

O processo lógico,que substituiu no seu pensamento a metafísica se pretende,pela compreensão do movimento,ser anti-metafísica,mas infelizmente continua como tal.

Através do processo dialético do movimento Hegel pensa que é possível unificar monisticamente o movimento em si com a sua compreensão pela individualidade.

Supondo nós que o movimento dialético é real,como objeto,isto não inviabiliza o problema da compreensão pelo sujeito deste movimento (do objeto) ,que,afinal,se a dialética é absoluta,atinge-o também.Há uma adequação dialética entre o sujeito e o objeto,a famosa integração.

Mas neste meio intersecciona a questão das leis,da compreensão das leis em geral.

No parágrafo 432 da seção individualidade para si e para si mesma Hegel trata:

[ln den beiden] Nos dois momentos, até agora considerados, da implementação da essência espiritual antes vazia, se suprassumiu o pôr de determinidades imediatas na substãncia ética,
e em seguida o saber a seu respeito, [examinando] se são leis.”(fenomenologia).

A subjetividade ao compreender o mundo se esvazia no discurso fenomenológico,mas se se suprassume,no momento da consciência do percurso fenomenológico compreensivo.Neste momento prescruta se existem leis deste e neste processo.

Mas ele diz:

O resultado disso parece ser o seguinte: não têm cabimento nem leis determinadas, nem um saber dessas leis. Só a substância é a consciência de si mesma como essencialidade absoluta, a qual, portanto, não pode abdicar nem da diferença nela [presente], nem do saber a seu respeito”.

Na fenomenologia,diferentemente do que Hegel diria na Ciência ,não há explicação das coisas,a elaboração das leis,mas o discernimento da presença das coisas e o saber do discernimento.

Poderiam me objetar que isto é um conhecimento,mas nem todo conhecimento é científico.Hegel,pela primeira vez talvez,tenha colocado a distinção entre saber e ciência.

Confirma esta minha assertiva o que ele diz agora:

Se o legislar e o examinar-leis demonstraram
não serem nada, isto significa que ambos, tomados singular e isoladamente, são momentos precários da consciência ética. O movimento, em que surgem, tem o sentido frmal de que a substância ética, através desse movimento, se apresenta como consciência.”

Hegel faz o caminho fenomenológico da consciência que toma ciência do mundo,mas não necessáriamente o explica:o reconhecimento do movimento e dos objetos(que estão no movimento da consciência[numa forma de compreensão subjetiva alternativa,mas não excludente,da de Kant])é a consciência para si e em si,já que se distingue do mundo,neste movimento.

Mas se o movimento é independente do sujeito existe algo mais do que este movimento: uma ciência necessária explicativa a ser construída.

Avançando na substância,nos conteúdos,para além da essência,Hegel vê algo de permanente e subsistente, ultrapassando o puro movimento da consciência.Aqui é que nascem as leis dialéticas do Ser.



sábado, 4 de junho de 2022

trecho de meu livro sobre Kant

 

Lucio Coletti propõe uma dicotomia diferente da do materialismo histórico para dividir a história da filosofia:não é entre materialistas e idealistas,mas entre céticos e dogmáticos.

Aqueles que têm certeza na verdade tendem para o domatismo,os que são céticos estão sempre dispostos a mudar e estão sempre andando para a frente.A responsabilidade do homem,cientifica inclusive não é ter certeza,mas estar atento ao casual.

Daí se há de dizer que Kant ao ter nas mãos o pensamento decisivo de Hume se comportou como um cético,com o mundo e com ele próprio e definiu bem,talvez sem o saber o que vem a ser um filósofo no sentido profissional da palavra:é aquele que tem um pensamento original significando original fonte,fons ,expressão latina para seiva,seiva de árvore.Ninguém é absolutamente original,porque ex nihilo nihil ,mas pode servir de modelo para outros filósofos,pensadores e não só na sua época,mas a transcendendo.

Outros pensadores e filósofos podem ter este nome,mas a rigor há uma diferença abismal entre estes filósofos fonte e os outros,que são pesquisadores em filosofia.

Já recebi muita crítica de quem termina uma faculdade de filosofia quando eu digo esta verdade,mas é por aí que poderemos entender a contribuição de qualquer criador,porque de modo geral estes são critérios válidos para todo tipo de criador.

Mesmo os filósofos da certeza,dogmáticos ,sabem que seus conceitos darão origem a outros,mas sempre confirmando os seus preceitos.Aristóteles se utiliza dos filósofos anteriores afim de construir o seu sistema,que se pretende definitivo.

O que eu disse e preciso reiterar aqui é que a experiência humana não é só fruto dos sentidos,coisa mais afeita realmente à ciência,mas sendo impossivel abrir mão dos sentidos e da história,não há como não reconhecer o caráter temporal da razão.Se é verdade que não é necessário estudar esta temporalidade para existir subjetivamente,o seu exercicio,na existência,não é incondicionado,como quer Kant.

Não é só o exercicio da ciência,mas no contato com o mundo,a subjetividade retém na memória uma experiência que vem do tempo histórico e da sua relação com ele e é aí a partir daí que podemos propor uma visão nova de Kant.