Bangu me trouxe de volta Freud
Série:Psicologia e Pedagogia
A primeira vez que li Erich Fromm e este seu livro extraordinário,muito
simples e didático,abriu-se para mim uma quantidade de possibilidades intelectuais por explorar.Talvez tenha sido este um dos momentos em que se constituiu a minha vocação de
professor porque logo notei que estas duas matérias,psicologia e pedagogia
estavam relacionadas,o que quando entrei na sala de aula,se
confirmou.
Mais do que isto ,percebi que não existe uma teoria em ambos
os campos do conhecimento que dê conta da complexidade do ser humano e digo
isto sem medo de cair no ecletismo ou
mesmo na visão lógica ,pela qual cada um
dos pensadores contributivos de ambos,ocuparia o lugar destinado a ele.
A partir do momento em que li o livro,as críticas,os rompimentos acontecem a todo momento,bem como as reconciliações.
No caso de Freud,que eu li antes de Marx,pela leitura de
Pavlov e por caminhar mais atento à militância,houve um imenso rompimento ,mas
agora ,reconciliação.
Isto porquê
achava,como tantos ,que Freud era um idealista,um “ espiritualista”
até,contrário ao materialismo. Diante das mudanças de concepção que me fizeram ver que a experiência humana é materialidade também,posso colocar Freud num
patamar que,eu creio ,ele mesmo aceitaria.Não quanto ao marxismo,que ele
criticou no final da vida,mas no da
materialidade,das relações sociais.
Dentro de uma concepção velha de materialismo,em que só as
relações sociais importam ,Freud ressaltou o individuo,o sujeito.Isto parecia,no
passado,uma tentativa monista de explicar tudo pelo sujeito e sua libido,mas é
claro que Freud nunca buscou isto.Foi uma interpretação discutível de certos
setores do marxismo que pretendeu ver no livro final da vida de Freud
“ O Mal-Estar na Civilização”,um projeto universal explicativo,quando não era e
não é.
Se Freud pode ser
acusado de negligenciar as relações sociais ,o materialismo em geral pode também quanto à autonomia do individuo,à progressiva autonomização do sujeito e neste
particular Freud é ainda decisivo,porque foi ele,desde a “ Interpretação dos
Sonhos” que colocou as balizas e possibilidades de analisar o Sujeito,na sua vida mais íntima,por
ele mesmo.
Ainda que a questão da
psicopatologia tivesse uma
preeminência em seu trabalho,a
descoberta das causas psicológicas da neurose
puseram a possibilidade de
discutir uma vida saudável.O discurso
explicativo da neurose era também base para um sentido a construir por aquele que se “ curava”
ou,pelo menos,se adequava,conscientemente,aos seus problemas,agora clarificados
pelo médico.
E neste caminho de construção ,de sentido,a pedagogia aparece,como consequência também possível,ou
como continuadora ou auxiliar de todo
este processo de cura/sentido.A psicopatologia é perda de sentido,a educação ,a
sua (re-)constituição.
A interpretação psicológica cria as bases ,no ego,para esta
construção,após(?)a neurose,porque o ego é a substância do sujeito,o Sujeito,no
tempo e o sujeito no tempo é a primeira
lição pedagógica,porque a única coisa
comum a todas as concepções de pedagogia é que o Sujeito não se forma no imediato,mas na
relação imediato/mediato.
Neste sentido a crítica da falta de uma visão psico-social de
Freud não procede e quem vem exatamente em seu socorro é a pedagogia,porque as
relações psico-sociais são importantes,mas elas não diluem a necessidade de
abordar o aprendente,o Sujeito aprendente,na sua pura autonomia,nesta relação
entre a sua inadequação (neurose=imediaticidade=psicologia=atividade
do analista)e a sua busca de adequação(sentido=mediaticidade=pedagogia=atividade
do professor).
Sem este reconhecimento não há pedagogia,porque não há aluno,não há pessoa
distinta.À crítica de que nem todo aluno/aprendente tem neurose,respondo que a
grande contribuição humana de Freud está
no fato de que a inadequação é normal na vida subjetiva humana.É até um valor transcendente.Uma
experiência transcendente e necessária.Isto porque a neurose,a doença ,não é
senão parte da experiência humana,mas a doença é parte,apenas,da inadequação
natural do homem frente ao mundo,esta inadequação que é o impulso mesmo de criação,de
sentido.Freud,pela primeira vez e
contra a psiquiatria do século XIX,afirma que não se pode tomar a pessoa pela doença,que não há identificação
absoluta entre estes dois termos,como
não há entre a parte e o todo.
A possibilidade de
sentido,de transcendência(porque
além da doença) é posta como
inarredável,na medida em que o Sujeito é sempre
maior do que o sintoma,a doença,o preconceito,o
conceito,classificações e assim por
diante.
Bangu me trouxe Freud
de volta na medida em que eu,como professor de Filosofia,tinha que lecionar
Filosofia em Bangu,sexta-feira à noite(era de
propósito que a direção colocava
filosofia neste horário,uma disciplina sem importância para o direito)em plena
faculdade de direito,na qual os alunos
queriam se formar,para ganhar não só dinheiro,mas prestígio profissional,já que
sentiam excluídos(com as consequentes neuroses decorrentes disto[imediaticidade/psicologia])),enquanto
pobres e moradores de uma periferia.
Quando percebi este fato(professor/psicólogo)busquei na pedagogia
e nas relações
sociais(psico-sociologia)elementos que diluíssem este complexo de
inferioridade social,demonstrando que os
Filósofos eram pessoas,revelando detalhes
comuns a todos ,como a
homoafetividade de Sócrates,como um fator de sua personalidade e de sua
filosofia.O riso relaxava os alunos e eles interagiam com uma matéria que
,aparentemente os separava do dinheiro e da vida o que não é verdade
evidentemente.
Quando lecionei soberania popular em Ciências Politicas,era
difícil conceituar este tema ,então usei a analogia com a torcida do Flamengo,que representava em relação
ao clube o mesmo que a nação em relação ao poder de Estado.Era a torcida,como o povo,a origem do poder e da
força do clube e do time.
É lógico que neste primeiro momento não se forma um aluno de
filosofia equipado,mas pelo menos ele inclui um saber,que,embora,pequeno o
ajudará na vida e constitui parte de seu
sentido,porque já transcendeu os preconceitos e o complexo(de
inferioridade).
Faz-se neste percurso(professor/aluno)uma crítica a Freud,por
não incluir a psicologia social,mas se o
recupera no momento seguinte quando se reconhece,na inadequação,no sujeito,distinto.E mais do que
isto,ele ajuda a construir sentido,enquanto mantém esta identidade
subjetiva,pura, e dialoga com a pedagogia,com a vida deste sujeito.
Será isto um círculo hermenêutico psicológico/pedagógico?Um
circulo de Gadamer?