Continuando o nosso estudo crítico sobre Nietszche
a relação acima posta entre estas duas
personalidades nos leva de novo ao problema do Anticristo,a maldição do cristianismo,a compaixão,cuja presença só faz a
consciência do rebanho,do escravo.
Eu disse que a
experiência humana não podia se
romper.Estamos todos unidos por esta experiência,seja São Francisco De Assis,seja
Hitler.
Quando Nietzsche preconiza ao caráter nobre a ausência de compaixão,ele une o judeu e o seu
algoz,pois ambos são perspectivas
legítimas se deixarem de lado a compaixão ,porque o critério moral é exatamente
esta consciência do escravo,o ideal ascético,de negação de si mesmo.Aquele que
constrói os seus valores sem a abnegação em relação ao outro,ao sofrimento do
outro,afirma-se,afirma a sua perspectiva.
Por isso foi possível a Delleuze fazer uma associação trans-histórica entre
Spinoza e Nietzsche ,a partir do conceito do primeiro “ as paixões alegres”.
Contudo eu disse também ser impossível afirmar uma
perspectiva assertiva deste tipo,afastando as “ paixões tristes”,porque a experiência humana é única,não havendo uma
separação radical ente estas antinomias,triste/alegre,bem/mal.Impossível que o
aristocrata não fique triste uma vez na
vida e o asceta,alegre.
Seguindo Kant deve-se buscar o bem,mas o bem, e aí
ele se separa de Kant,é esta perspectiva.
Uma coisa é a
culpa,outra a compaixão.Não é verdade
que a compaixão só exista indissoluvelmente ligada à culpa.O cristianismo fez esta junção,por interesses político/históricos,mas
na verdade,se nós olharmos o pensamento do fundador terreno do cristianismo,São
Paulo,nós veremos,mais uma vez que por
mais que se busque o caráter nobre,aristocrático,não há como legitimá-lo frente
ao pequeno ao escravo.
Bem entendido,que o escravo que se rebela,como
Spartacus,pode adquirir aos olhos de
Nietzsche um caráter aristocrático.Consciência de escravo,repito,é o ideal
ascético,mas mesmo neste ideal,há um elemento de nobreza,que São Paulo ressalta.
A compaixão pelo sofrimento,aparentemente,é oportunista.Aquele
que vive desta abnegação pelo outro,que
sente compaixão,não passou pela agruras de fato e se se colocar diante possibilidade,foge,como Pedro
no dia da prisão de Cristo.A compaixão
e abnegação seriam atitudes falsas.É
neste viés que o uso político da religião,a
partir de Constantino,se dá.
O ideal ascético permite manipular massas inteiras
de pessoas que reproduzem a sua paralisia em nome de seus irmãos que sofrem.
Na verdade este problema não é assim tão simples.Como
não existe relação necessária absoluta entre compaixão e culpa,também não há
entre a abnegação ascética e o mundo
real.O despojamento real dos irmãos,é o material,isto é, a religião,todas elas ,criam a necessidade de
compensação,de remição em vida daquele
não sofre diante do que sofre,pelo critério do despojamento das questões
materiais.
Diante de Cristo na cruz a busca de riqueza, a ostentação,a vaidade são pecados
mortais.
Este raciocínio vem de São Paulo ,da Epistola ao
Corintios ,um povo que só se preocupava com as questões materiais,sem lembrar
do sofrimento de Cristo na Cruz.Embora se possa questionar a veracidade da
ressurreição,do ponto terreno/material a única forma de sair do hedonismo
pecaminoso é admitir a ressurreição,ou pelo menos esperar e esta só tem validade com o sofrimento de
Cristo.Se Cristo se sentisse bem na Cruz
não tinha sentido nenhum e se a
ressurreição não fosse compensação pelo sofrimento,pelo outro(pela humanidade)”
vã seria fé”.O comportamento
anti-hedônico não se funda no seu próximo,mas em algo que está acima de todos que é Cristo,um princípio de
transcendência,que deve ser lembrado nos momentos de fruição,os quais não são legítimos
senão exercidos junto com esta lembrança.
Se não houvesse um deus que sofresse por todos o
sofrimento do próximo imporia um compromisso sim,desencadeado pela
compaixão,mas esta relação se diluiria
nesta imediaticidade,não fundando um princípio de compromisso geral com o
sofrimento,visto agora como injustiça,um programa de construção de uma
humanidade,voltada para o bem.
Quando Nietzsche dilui,no trans-valorador este
projeto ele está negando as possíveis relações mediatas entre o que não sofre e
o que sofre,confundindo a crença em si com o seu uso político.
Beber um bom vinho é algo que se perde se a culpa
está presente,mas a compaixão cria limites psicológicos para a fruição sem
levar ao egoísmo pessoal,individualista.Se o sacrifício de Cristo não é
importante “ comamos e bebamos que amanhã morreremos”,mas a lembrança não nos
obriga à negação das necessidades,da satisfação das carências.
O hábito protestante de rezar na hora de comer remonta a estes princípios paulinos.Comer é
uma atividade-meio,não uma finalidade,como o sexo e o outros prazeres.Não é o
cristianismo o descobridor disto,é a própria experiência humana.
Acima de tudo está mais do que provado que a
ausência de compaixão é a origem das psicopatias.A não inclusão no ego,no tempo
de formação do ego,desta experiência,
perverte o eu,tornando-o destrutivo(ou outras coisas).
Ainda que muitos aristocratas tenham cometido crimes
sem culpa e a remição ficou perdida para sempre ,ainda
que Hitler não tivesse remorso nenhum por não ser São Francisco de Assis,a defesa
,para a humanidade em geral de um critério nobre deste tipo põe em risco este
conceito abstrato,ideal,que não pode ser
destruído assim,havendo utilidade e necessidade nele.
Até o marxismo de Althusser,com seu anti-humanismo
teórico fundamentou perversões absolutas,inclusive pessoais.Embora não haja
adequação entre a o mundo real e o ideal,e ainda que muitos vivam sem ideais,sem utopias inclusive,este
princípio norteador não é inútil,o que veremos no próximo artigo.
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