sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

São Paulo e Nietszche



Continuando o nosso estudo crítico sobre Nietszche a  relação acima posta entre estas duas personalidades nos leva de novo ao problema do Anticristo,a  maldição do cristianismo,a  compaixão,cuja presença só faz  a  consciência do rebanho,do escravo.
Eu disse que a  experiência humana não podia se  romper.Estamos todos unidos por esta experiência,seja São Francisco De Assis,seja Hitler.
Quando Nietzsche preconiza ao caráter nobre a  ausência de compaixão,ele une o judeu e o seu algoz,pois  ambos são perspectivas legítimas se deixarem de lado a compaixão ,porque o critério moral é exatamente esta consciência do escravo,o ideal ascético,de negação de si mesmo.Aquele que constrói os seus valores sem a abnegação em relação ao outro,ao sofrimento do outro,afirma-se,afirma  a sua perspectiva.
Por isso foi possível a Delleuze  fazer uma associação trans-histórica entre Spinoza e Nietzsche ,a partir do conceito do primeiro “ as paixões alegres”.
Contudo eu disse também ser impossível afirmar uma perspectiva assertiva deste tipo,afastando as “ paixões tristes”,porque  a experiência humana é única,não havendo uma separação radical ente estas antinomias,triste/alegre,bem/mal.Impossível que o aristocrata não fique triste uma vez  na vida e o asceta,alegre.
Seguindo Kant deve-se buscar o bem,mas o bem, e aí ele se separa de Kant,é esta perspectiva.
Uma coisa é  a culpa,outra a  compaixão.Não é verdade que a compaixão só exista indissoluvelmente ligada à  culpa.O cristianismo fez  esta junção,por interesses político/históricos,mas na verdade,se nós olharmos o pensamento do fundador terreno do cristianismo,São Paulo,nós veremos,mais uma vez   que por mais que se busque o caráter nobre,aristocrático,não há como legitimá-lo frente ao pequeno ao escravo.
Bem entendido,que o escravo que se rebela,como Spartacus,pode  adquirir aos olhos de Nietzsche um caráter aristocrático.Consciência de escravo,repito,é o ideal ascético,mas mesmo neste ideal,há um elemento de nobreza,que São Paulo ressalta.
A compaixão pelo sofrimento,aparentemente,é oportunista.Aquele que  vive desta abnegação pelo outro,que sente compaixão,não passou pela agruras de fato e  se se colocar diante possibilidade,foge,como Pedro no dia da  prisão de Cristo.A compaixão e  abnegação seriam atitudes falsas.É neste viés  que o uso político da religião,a partir de Constantino,se  dá.
O ideal ascético permite manipular massas inteiras de pessoas que reproduzem a sua paralisia em nome de  seus irmãos que sofrem.
Na verdade este problema não é assim tão simples.Como não existe relação necessária absoluta entre compaixão e culpa,também não há entre a  abnegação ascética e o mundo real.O despojamento real dos irmãos,é o material,isto é, a  religião,todas elas ,criam a necessidade de compensação,de  remição em vida daquele não sofre diante do que sofre,pelo critério do despojamento das questões materiais.
Diante de Cristo na cruz a busca de  riqueza, a ostentação,a vaidade são pecados mortais.
Este raciocínio vem de São Paulo ,da Epistola ao Corintios ,um povo que só se preocupava com as questões materiais,sem lembrar do sofrimento de Cristo na Cruz.Embora se possa questionar a veracidade da ressurreição,do ponto terreno/material a única forma de sair do hedonismo pecaminoso é admitir a ressurreição,ou pelo menos esperar e  esta só tem validade com o sofrimento de Cristo.Se Cristo se  sentisse bem na Cruz não tinha sentido nenhum e se  a ressurreição não fosse compensação pelo sofrimento,pelo outro(pela humanidade)” vã seria  fé”.O comportamento anti-hedônico não se funda no seu próximo,mas em algo que está acima de  todos que é Cristo,um princípio de transcendência,que deve ser lembrado nos momentos de fruição,os quais não são legítimos senão exercidos junto com esta lembrança.
Se não houvesse um deus que sofresse por todos o sofrimento do próximo imporia um compromisso sim,desencadeado pela compaixão,mas esta relação se  diluiria nesta imediaticidade,não fundando um princípio de compromisso geral com o sofrimento,visto agora como injustiça,um programa de construção de uma humanidade,voltada para o bem.
Quando Nietzsche dilui,no trans-valorador este projeto ele está negando as possíveis relações mediatas entre o que não sofre e o que sofre,confundindo a crença em si com o seu uso político.
Beber um bom vinho é algo que se perde se a culpa está presente,mas a compaixão cria limites psicológicos para a fruição sem levar ao egoísmo pessoal,individualista.Se o sacrifício de Cristo não é importante “ comamos e bebamos que amanhã morreremos”,mas a lembrança não nos obriga à negação das necessidades,da satisfação das carências.
O hábito protestante de  rezar na hora de comer  remonta a estes princípios paulinos.Comer é uma atividade-meio,não uma finalidade,como o sexo e o outros prazeres.Não é o cristianismo o descobridor  disto,é  a própria experiência humana.
Acima de tudo está mais do que provado que a ausência de compaixão é a origem das psicopatias.A não inclusão no ego,no tempo de  formação do ego,desta experiência, perverte o eu,tornando-o destrutivo(ou outras coisas).
Ainda que muitos aristocratas tenham cometido crimes  sem culpa e  a remição ficou perdida para sempre ,ainda que Hitler não tivesse remorso nenhum por não ser São Francisco de Assis,a defesa ,para a humanidade em geral de um critério nobre deste tipo põe em risco este conceito abstrato,ideal,que não pode  ser destruído assim,havendo utilidade e necessidade nele.
Até o marxismo de Althusser,com seu anti-humanismo teórico fundamentou perversões absolutas,inclusive pessoais.Embora não haja adequação entre a o mundo real e o ideal,e ainda que muitos  vivam sem ideais,sem utopias inclusive,este princípio norteador não é inútil,o que veremos no próximo artigo.

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