Gosto sempre de associar,como todos sabem,as minhas
reflexões com filmes,porque isto
facilita o meu trabalho de exposição e também, creio ,para quem lê este
trabalho fica facilitado e até há uma indução para procurar o filme,sob outros
olhos críticos ,induzidos pelo artigo.
Este filme é Inteligência Artificial de Spielberg,principalmente
naquela parte em que os ciborgs ou andróides são destruídos num espetáculo para
gáudio da platéia estritamente “ humana”.As razões pelas quais eles devem ser
destruídos remetem um pouco às necessidades do capitalismo,porque tirariam empregos
dos humanos,etc.,etc.(Um outro filme interessante é Blade Runner”).
Mas a cada personagem expressa-se uma verdade que está no
cristianismo e que é seu princípio universal:a dor(que está no cristo[na
cruz]).A maioria dos andróides não se importa com a dissolução porque não sente
dor;somente um pede que os “ seus centros de dor sejam desligados” antes dele
ser “ morto”(eles são queimados como brinquedinhos de plástico).
Tem uma doce empregada doméstica,ou melhor,uma babá, que pede emprego ao personagem principal do
filme,David, e morre sorrindo para ele,mesmo depois de sua resposta negativa.
Enfim o personagem ou mediação decisivos neste momento
essencial do filme é,como eu disse,a dor
e seus derivativos,sofrimento,trauma,baixa autoestima,as paixões tristes para
lembrar Espinoza.Ou excludência,que leva à inconsciência destes ciborgs que
talvez quisessem ficar mais tempo usufruindo das suas habilitações.(há um
prazer nas habilitações[nas virtudes])
Isto tudo para demonstrar o quanto o que relaciona São Paulo
à morte de Cristo (na cruz) e a
sua necessária ressurreição estão interligados.
O homem ,como diz Pascal,não é fechado em si mesmo(imanente),tendo
o outro dentro de si e esta passagem(de busca[e retorno] é a vida humana.
Mesmo para o ateu a narrativa da morte na cruz está dentro
desta natureza inarredável da experiência humana.Porque ele então renega?Porque
objetivamente não crê em Deus,mas a busca infrutífera de sua existência não é
diferente das outras buscas necessárias e inarredáveis.Pode o ateu se negar
a fazê-la ,como um seu direito,mas num
aspecto ressaltado por são Paulo, a memória(do sofrimento[de Cristo na Cruz])ele
toca a problemática(do sofrimento[dos ciborgs]{de todos}).
Na arte,na metáfora do filme,admite-se o desinteresse,a banalização das imagens,mas na vida e no seu
compromisso não.
É neste momento que a memória é um elemento de per-si decisivo,descoberto
na narrativa do outro(Cristo na cruz[universal]),por São Paulo.Se víssemos uma
pessoa comum sendo morta a faina da vida
nos faria esquecer o fato em grande
parte,mesmo que ficasse algo da piedade ou da revolta diante da situação.Mas o
sofrimento de Cristo não.E isto só é possível pelo que diz São Paulo aos coríntios:”
Se cristo não ressuscitasse vã seria a nossa fé”.
Como ateu que sou não me atenho aos aspectos teológicos,mas
ao fato de que a ressurreição é uma
esperança que impõe a memória do sofrimento,como algo sagrado.Um ateu pode não
acreditar na ressurreição ,mas não pode desdenhar a esperança,porque nem ele
pode cultuar o nada,que é a morte sem “ depois”(ressurreição);nem ele é
indiferente a uma eternidade vazia.Ninguém pode amara o nada.
São Paulo notou que a vitória da morte não é algo de
indiferente para qualquer homem e não o fez com o cinismo de quem quer ajuntar
pessoas em torno de um propósito político-religioso.
Não haveria como dar distinção a esta morte especifica sem
veracidade pessoal,diante daqueles que diante da morte “ comiam e bebiam”,numa
das possíveis atitudes face à sua “ vitória”.
Mas porque esta memória distinta é tão inarredável?É porque
por ela toda a possibilidade de comunicação humana se faz possível,incluindo o
crente e o não crente.
Eu não vou amenizar as exigências de crença de São Paulo
porque o meu interesse aqui é mostrar como a ressurreição(passado/futuro)e a
esperança(futuro) são a mesma coisa.
Anda que a narrativa passada de Cristo seja desdenhada a
memória do fato ficou,não como narrativa,mas como verdade no sofrimento:a
memória é a do sofrimento.Que pode ser de qualquer um ,mas desta vez com um
propósito propósito.
O ateu Guevara morreu na Bolívia como Cristo na cruz e ele não se dirigiu só ao
crente(comunista).
A distância do passado,ou banalização,ou indiferentismo não
só funda o explorador como o psicopata.Um mínimo de sofrimento compassivo com
alguém na rua nos separa do inferno,da psicopatia e a psicologia já provou
isto.
Ainda que não tenhamos como ir pelo mundo tirando as pessoas
da cruz e curando as feridas,a esperança de fazê-lo nos torna humanos,auto-susbsistentes
enquanto memória (de Cristo na cruz[ou
do sofrimento]).Então Nietszche está
errado ao dizer que a compaixão nos fecha,ela nos abre.
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