sábado, 8 de agosto de 2020

Ciência e Existência

 

O espermatozóide e a vida

Certa feita o cientista Faraday apresentou a sua experiência sobre o campo magnético diante do então primeiro ministro inglês Gladstone,que perguntou a ele “ para quê isto serve?”ao que o cientista respondeu:”para quê serve uma criança?”.

Existem pessoas que gostam de ridicularizar o conhecimento,como inútil para a vida(embora vivam cercados de conhecimento e de produtos do conhecimento) e principalmente conhecimentos pequenos,tidos como fúteis.

Esta semana foi feita uma descoberta deste tipo aí:o modo como o espermatozóide nada no sêmen não era como os observadores tradicionais,de microscópios antigos ,achavam.Leeuwenhoek,o holandês piedoso que os observou pela primeira vez(não sei como obteve a amostra para o seu microscópio...)deu a resposta,que valeu até esta semana:por isto um estratagema o espermatozóide fazia um movimento de corpo pendular no sêmen e conseguia se mover.Na última semana ,com um microscópio de última geração viu-se que nunca foi assim:o movimento de um saca-rolhas sobre um outro saca-rolhas,que se formava no liquido,explica como o espermatozóide tenta chegar ao óvulo.

E aí o leitor pode fazer a mesma pergunta do premier Gladstone.A experiência de Faraday foi a base dos futuros motores ,dentro dos carros,originando assim formas de tributação que ajudaram os governos(não necessariamente os povos).

A nova face do espermatozóide aparentemente não tem nada a oferecer,mas tudo o que se conhece,o que se sabe ,no tempo,pode vir a surpreender ,como no caso acima.

Do ponto de vista estritamente científico esta descoberta não tem ,ainda,consequencias tão importantes,mas do ponto de vista filosófico,confirma o que tenho dito frequentemente aqui sobre o papel da ciência e da existência:são duas coisas distintas,a vida e o conhecimento.

Nunca passou pela cabeça de ninguém que tal conhecimento sobre o espermatozóide pudesse mudar a vida de alguém,mas passou sim que a ciência poderia,o que é a mesma coisa.

O iluminismo francês,o século XVIII e principalmente o XIX venderam esta ideia de que o conhecimento científico,a descoberta das causas das coisas orientaria o comportamento individual e coletivo da humanidade.

Nós vemos num personagem do velho Maia de Eça de Queiróz esta visão prosperar e redundar no fracasso de sua família.Nós vemos na dialética dogmática stalinista a “crença”(o termo é este mesmo)de que quem detém o conhecimento da dialética está na frente dos outros.E nós vemos a antropologia nascer como justificadora do imperialismo e neo-colonialismo,entre outros exemplos.

Pensar que a ciência e o conhecimento são itens obrigatórios para a conduta psicológica do sujeito humano é colocá-la à mercê do próximo passo da ciência,da explicação seguinte.Não adianta supor que a ciência,assim entendida,será aplicada apenas ao que for conveniente,de acordo com seu objeto de investigação,porque,primeiro ela não será efetiva e segundo não o será por causa(olha aí)desta decisão de atar o sujeito ao que está fora de si,como princípio.Ainda que a aplicação da ciência ao problema existencial possa ,no imediato,dissolver eventuais problemas,a sua imposição como critério de vida,a submeterá ,como exigência,de fora para dentro,mesmo que problema algum apareça,porque ela já se colocou como essência da existência e dela não se separa mais.

Por isto Sartre diz que a existência precede a esssência.Do nascimento,onde não há consciência,até à maturidade e à morte,em que a essência surge,o que predomina é aquilo que já estava no berço: a existência.

Apesar de Kant dizer que o “ homem que sente saudades da infância jamais saiu dela”,assiste razão à Nelson Rodrigues ao afirmar que “ no adulto ainda está o menino,a criança”.

A relação entre a ciência a existência, para ser equilibrada tem que se dar assim:quando um problema atrapalha a existência a primeira é chamada;resolvido,a existência continua.

Freud admitia “ análise da vida toda”,” interminável”,mas isto não significa contradição e desequilibrio pois o analista sabe ou deve saber diferenciar e ajudar o paciente entre a vida e o conhecimento.E muitas vezes é por confundir estes dois termos que o paciente vai ao divã.

De qualquer maneira a ciência é explicação,mas a vida é a vida.Condicionar a vida ao conhecimento é o mesmo que condicioná-la ao espermatozóide.




Nenhum comentário:

Postar um comentário