segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Compaixão II



A grande problemática derivativa destes  pródromos é que tudo é  construído,não havendo nenhuma referência  absoluta  e  imóvel para  dar segurança  à ação humana.E tudo o que é construído,quiçá  transcendente, o é como mudança.Mesmo Nietszche ,com a  sua filosofia,tentou diluir o modelo metafísico  e criar outro,mas ele  também acaba sendo   tomado pela  voragem do tempo,da mudança,ainda que no seu perspectivismo a mudança seja admitida ,seja parte.
Na  verdade  tanto Nietszche  como Wagner queriam uma ruptura com o passado.Queriam criar um modelo de comportamento que libertasse os homens da terrível herança que  as gerações  passadas deixam para os pósteros,os quais não pedem para nascer.
Mas esta ruptura se  dá no nível psicológico e não no plano da  experiência humana,mesmo com os órfãos.
O século XIX,como resultado da sua  própria  auto-fundamentação,uma herança da revolução francesa  que se refletiu na filosofia,  colocou este problema o tempo todo.Não foi Marx quem afirmou:” cada vez  a  experiência das gerações  passadas oprime  como um pesadelo o cérebro dos vivos” e  Comte:” cada vez  mais  os vivos  são governados  pelos mortos”.?
Parecia  que esta revolução na auto-consciência eliminaria este problema,mas não o faz  exatamente por inexistir a possibilidade de ruptura real.A ruptura é algo construído também,mas nesta construção há que haver um elemento real legitimador  desta superação do passado.
Se nós  ouvirmos  o “ Anel  dos Nibelungos de  Wagner”,o herói Siegfried tem tudo para fazer esta ruptura na medida em que ele não tem laços com o passado.Mas que laços?O que está embutido nesta separação proposta?É que ele é  fruto de um incesto e não deve sentir nenhuma culpa por isso,já que não teve nada a ver com esta transgressão que não pode  grudar   nele.
O desfecho do ciclo indica que a incompreensão do herói o faz  perder esta oportunidade e  quando o anel cai no leito do rio Reno ,é como um chamamento às novas gerações  para não cometer este erro fatal.
Todo mundo sabe o quanto isto influenciou a atividade política de Hitler e  dos nazistas.A ausência de culpa marca ,para este movimento,a separação.Quer dizer  não ter ligações  com este passado,às vezes ignominioso,possibilita agir com liberdade absoluta e isto é  a base das realizações.Até Wagner se converter ao cristianismo,Niestzche e ele “ comungavam”(que palavra) desta idéia.
Todo o pensamento rupturista,qualquer que seja  ele,encontra  sempre um elemento,uma mediação definidora.
Para  os nazistas a ausência  de culpa.Para o stalinismo,os  crimes  do passado seriam esquecíveis  diante dos êxitos  futuros.Stalin tinha como sua frase política preferida o “ em política é melhor  olhar para frente”.
Mas e  aqueles que  não vêem esta ruptura?Que  tipo de  ruptura psicológica mantém  um critério de  relacionamento que permita ver o outro,ainda que o outro seja o mal?
Ora,  tanto na ruptura quanto na  não-ruptura o que há de fato é  uma  vivência,um sentido,que se modifica,que se cria,conscientemente ou não.O que se pode  e deve analisar é se existe uma referência para se julgar esta mudança ,este novo sentido que aparece.
Nos grandes  crimes  cometidos  no século XIX ,o fato de  o passado não estar mais entre nós foi usado como leniência  diante de suas conseqüências e  no fundo os  grandes criminosos achavam que o esquecimento diante de um presente melhor,os  absolveria.
O fim dos judeus garantiria  condições  de sobrevivência aos alemães e  a matança dos opositores  no totalitarismo stalinista teria  a mesma conseqüência,ou seja,nenhuma.
Mas isto é assim mesmo?Os pósteros não são tocados pelos crimes  dos seus  antecessores?
Nietszche afirmava” Há homens que nascem póstumos”,pois eles  são mais do futuro do que do presente,porque não têm ligação com este último.Isto é prova de  vitalidade?De potência?Ou fundamenta um descompromisso perigoso(no mínimo)?

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