A grande problemática derivativa destes pródromos é que tudo é construído,não havendo nenhuma
referência absoluta e
imóvel para dar segurança à ação humana.E tudo o que é
construído,quiçá transcendente, o é como
mudança.Mesmo Nietszche ,com a sua
filosofia,tentou diluir o modelo metafísico
e criar outro,mas ele também
acaba sendo tomado pela voragem do tempo,da mudança,ainda que no seu
perspectivismo a mudança seja admitida ,seja parte.
Na verdade tanto Nietszche como Wagner queriam uma ruptura com o passado.Queriam
criar um modelo de comportamento que libertasse os homens da terrível herança
que as gerações passadas deixam para os pósteros,os quais não
pedem para nascer.
Mas esta ruptura se dá
no nível psicológico e não no plano da
experiência humana,mesmo com os órfãos.
O século XIX,como resultado da sua própria
auto-fundamentação,uma herança da revolução francesa que se refletiu na filosofia, colocou este problema o tempo todo.Não foi
Marx quem afirmou:” cada vez a experiência das gerações passadas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos” e Comte:” cada vez mais
os vivos são governados pelos mortos”.?
Parecia que esta
revolução na auto-consciência eliminaria este problema,mas não o faz exatamente por inexistir a possibilidade de
ruptura real.A ruptura é algo construído também,mas nesta construção há que
haver um elemento real legitimador desta
superação do passado.
Se nós ouvirmos o “ Anel
dos Nibelungos de Wagner”,o herói
Siegfried tem tudo para fazer esta ruptura na medida em que ele não tem laços
com o passado.Mas que laços?O que está embutido nesta separação proposta?É que
ele é fruto de um incesto e não deve
sentir nenhuma culpa por isso,já que não teve nada a ver com esta transgressão que
não pode grudar nele.
O desfecho do ciclo indica que a incompreensão do herói o
faz perder esta oportunidade e quando o anel cai no leito do rio Reno ,é
como um chamamento às novas gerações
para não cometer este erro fatal.
Todo mundo sabe o quanto isto influenciou a atividade política
de Hitler e dos nazistas.A ausência de
culpa marca ,para este movimento,a separação.Quer dizer não ter ligações com este passado,às vezes ignominioso,possibilita
agir com liberdade absoluta e isto é a base
das realizações.Até Wagner se converter ao cristianismo,Niestzche e ele “
comungavam”(que palavra) desta idéia.
Todo o pensamento rupturista,qualquer que seja ele,encontra
sempre um elemento,uma mediação definidora.
Para os nazistas a
ausência de culpa.Para o
stalinismo,os crimes do passado seriam esquecíveis diante dos êxitos futuros.Stalin tinha como sua frase política preferida
o “ em política é melhor olhar para
frente”.
Mas e aqueles que não vêem esta ruptura?Que tipo de
ruptura psicológica mantém um
critério de relacionamento que permita
ver o outro,ainda que o outro seja o mal?
Ora, tanto na ruptura
quanto na não-ruptura o que há de fato
é uma
vivência,um sentido,que se modifica,que se cria,conscientemente ou não.O
que se pode e deve analisar é se existe
uma referência para se julgar esta mudança ,este novo sentido que aparece.
Nos grandes
crimes cometidos no século XIX ,o fato de o passado não estar mais entre nós foi usado
como leniência diante de suas conseqüências
e no fundo os grandes criminosos achavam que o esquecimento
diante de um presente melhor,os
absolveria.
O fim dos judeus garantiria
condições de sobrevivência aos
alemães e a matança dos opositores no totalitarismo stalinista teria a mesma conseqüência,ou seja,nenhuma.
Mas isto é assim mesmo?Os pósteros não são tocados pelos
crimes dos seus antecessores?
Nietszche afirmava” Há homens que nascem póstumos”,pois
eles são mais do futuro do que do
presente,porque não têm ligação com este último.Isto é prova de vitalidade?De potência?Ou fundamenta um
descompromisso perigoso(no mínimo)?
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