quinta-feira, 30 de julho de 2020

Em quê Marx é filósofo


Sempre fui e sempre serei escrupuloso.E toda pessoa escrupulosa é justa.É claro que estas afirmações sobre o diletantismo do marxismo,que vieram da direita,causam espécie.Por isto tenho que retornar ao tema frequentemente,porque sei que este é o lado mais dificil,digamos,assim,do meu pensamento.A concordação com a direita,eu sabia,ia ser uma acusação inevitavel depois do que eu disse.
Mas o que disse foi fundamentado em outros autores,de esquerda,como Edmund Wilson,Coletti,Garaudy,André Gorz.O radicalzinho de esquerda que me ataca não tem estas leituras,pelo menos no Brasil.Mas na Europa isto é moeda corrente há décadas.
Na questão do método, Marx é profissional,mas mesmo assim é superado depois pela sociologia.No entanto as aplicações do método dedutivo,acrescido pelo conceito de totalidade,de Hegel,demonstram compreensão profissional do problema.
Profissional é,no entanto,aquele que compreende todo o processo do seu saber,quer dizer,as suas consequências totais,bem como as suas partes.
O exemplo histórico maior de profissionalismo que eu conheço e ,naturalmente ,admiro,é o de Shakespeare,que sabia dos textos,mas também da lâmpada,da coxia e de todos os elementos constitutivos da atividade teatral.
E Edmund Wilson ressalta que a compreensão dos textos dos filósofos não é completa por Marx e Engels.Eu disse:o que se entendia por filosofia na época deles não era bem uma filosofia no sentido profissional do termo e a abordagem de ambos de filósofos como Kant e Hegel não era até ao final.
Marx gostava de citar Balzac,cujo princípio fundador da Comédia Humana era “ se temos que criticar a sociedade,vamos criticá-la até ao fim”.Mas Marx não levou isto até ao final,porque nesta frase está contida uma verdade essencial:nesta crítica até ao fim está a crítica a si mesmo.
Um filósofo francês ,Paul Ricouer,chamou Marx,entre outros(Freud,Darwin),de “ mestre da suspeita”,porque ele punha para a contemporaneidade o fato de que os modelos explicativos tradicionais da sociedade moderna não são perfeitos,antes ocultam as falhas,descontinuidades e injustiças do real.
Contudo aquele que suspeita do mundo e dos outros,tem que entender duas realidades:que em termos éticos ,para desconfiar dos outros é preciso desconfiar,primeiro,de si mesmo e que ao desconfiar do mundo é lógico que aquele que desconfia está nele.
No caso da leitura de Hegel Marx podia ter ido mais longe na desconfiança em relação a ele e notado que o Espirito Absoluto não é uma entidade transcendental,mas o Ser em geral.
No caso de Kant há que se perdoar Marx porque só no final do século XIX se pode apreender outras possibilidades do seu pensamento,mas ainda assim era possível repudiar o agnosticismo como invectiva contra ele,porque nunca Kant afirmara a impossibilidade de conhecer,mas de conhecer tudo.
Assim eu concluo minhas reflexões sobre esta questão,a não ser que algo mais serio ou importante apareça.

Nenhum comentário:

Postar um comentário