sábado, 1 de novembro de 2025

CANUDOS COMO COMUNISMO II

 

Eu ia manter o artigo anterior como suficiente para responder ao professor que veio no meu youtube,mas revirando a minha biblioteca digital descobri um texto muito bom de Luiz Antonio Moniz Bandeira “O sentido social e o contexto politico da guerra de Canudos”,onde,no segundo parágrafo,ele se refere ao “ comunismo cristão”.

A região de canudos fora ocupada ,em priscas eras,por indigenas,que tinham a terra como propriedade coletiva.Quando Conselheiro ,em 1893,fundou o Belo Monte,manteve esta característica.

Moniz Bandeira cita Euclides da Cunha:

... a propriedade tornou-se-lhe uma forma exagerada de coletivismo tribal dos beduínos: a apropriação pessoal apenas dos objetos móveis e das casas, comunidade absoluta da terra, das pastagens, dos rebanhos e dos escassos produtos das culturas, cujos donos recebiam exígua quota parte, revertendo o resto para a companhia. Os recém-chegados entregavam ao Conselheiro noventa e nove por cento do que traziam, incluindo os santos destinados ao santuário comum. Reputavam-se felizes com a migalha restante.”

Este relato não é exato,não é bem assim,mas está próximo do igualitarismo cristão.Não s e contentavam com migalhas.Possuíam a propriedade das casas e dos instrumentos de trabalho,mas a terra era uma proporpiedade comunal e o principal da produção era entregue ao grupo ,para repetir os preceitos de São Paulo(São Paulo era comunista[aliás seu fundador]):

Entre eles nenhum necessitado havia, pois todos os que possuíam terrenos ou casas vendiam-nas, traziam o produto da venda e depositavam-no ao pé do Apóstolo. E a cada um era distribuído conforme a sua necessidade" 32.
Por este texto Moniz Bandeira nós ficamos sabendo que Euclides comparava Canudos às propostas utópicas de Fourier e Owen,em que não havia propriedade sobre a terra.

E no século XVIII,ainda seguindo a narrativa de Moniz Bandeira,a experiência da República Guarani 33 repetia o modelo do comunismo cristão e das formas de organização indigenas,que não estavam presentes no Sul,mas em todo o Brasil,por motivos óbvios.

Vou fazer uma análise disto no próximo artigo.


terça-feira, 21 de outubro de 2025

O estereótipo

 


Nos meus estudos em dicionários encontrei uma palavra que me suscitou no pensamento algumas reflexões.Todo mundo sabe que eu trabalho muito com a questão da experiência.O pensamento não é de forma alguma igual à experiência,mas contém algo dela,nele.

Símbolos ,imagens,estereótipos,carregam algo da experiência,mas não são tocados por ela mais.

Se houvesse nos estereótipos algo permanente da experiência,do novo,não seria possível compreender o mecanismo de todo preconceito,como algo que se impõe às pessoas.

Mas isto não significa que em todo estereótipo não exista uma experiência humana passada,que se cristaliza nele.

Quanto ao futuro ele pode ser impermeável,mas a experiência contida neste conceito que se cristaliza.

O problema,no entanto,é que ao longo do tempo e na complexidade social,temos que admitir coisas que não são experiência.Temos que admitir esta rutura com o movimento da humanidade.

Há coisas que permanecem,como modos transcendentais,em relação ao tempo.São não-tempo.

Então a transcendentalidade não se refere a Deus e a ideias perfeitas somente.

Há coisas que não são tocadas pela experiência ,pela experiência contínua.O pensamento está nesta situação?Ele é algo mais do que experiência?

Se respondermos que sim como vamos definir o pensamento,pelo menos,do ponto de vista filosófico?

Do ponto de vista científico é possível saber o que é o pensamento,mas da perspectiva filosófica é mais dificil,principalmente admitindo a sua relação com a experiência humana.

Seria um momento de intersecção entre filosofia e ciência?Seria pura representação das coisas,inter-relacionadas pela subjetividade?



quarta-feira, 8 de outubro de 2025

As relações humanas mais críticas ao socialismo

 

Não há problemas em um corpo social se todos se gostam.Tal é dificil na sociedade como um todo.Um dos sonhos da revolução russa e da utopia em geral, é transformar a divisão de classes em “o reino do amor”:retiradas as barreiras que separam o homem do homem,ele se abraçará em definitivo,com o seu próximo,porque ele reconhecerá a humanidade do outro e em si mesmo.

Esta visão idealizada provém do cristianismo ,que preconizava um mundo extático,em que os homens não põem nada entre eles,vivendo para sobreviver e para congraçar diariamente com o seu semelhante.O ideal medieval da (quase)imobilidade.

Mas diante da evolução histórica da humanidade,com esta idealização sendo contraditada pela verdade da sociedade,as discussões passaram para pergunta sobre aquilo que separa os homens.

E aí Rousseau,no “discurso sobre a desigualdade”,acusa a propriedade.

A partir daí todos amplificaram a idealização e esperam afastar a propriedade para chegar àquele mesmo desejo do cristianismo ,sem o admitir.

Mas na verdade não há prova nenhuma de que o afastamento resolva de vez e automaticamente,o imbroglio da humanidade.

Mais ainda os homens são diferentes e as relações sociais são complexas.

O socialismo é resultado desta ingenuidade:tornou tudo coletivo está solucionado o problema,porque ser coletivo,isto é,ligado ao seu semelhante,tornou-se humano.

Eu nem vou usar o fato de que existem más pessoas no âmbito da humanidade,para destruir esta idealização,mas o ideal de humanidade,mesmo que ela fosse boa,por inteiro,é apenas uma construção sobre o que seria o bem final.

Todo ideal é uma referência geral do que seria bom,do que é a humanidade,porque uma definição dela é sempre parcial,não total ,do que é a coisa definida.

Por isto identificar a humanidade com o socialismo é idealização.Com consequncias graves.

sábado, 4 de outubro de 2025

Aplicações da Fenomenologia

 

Agora que nós entendemos como funciona a fenomenologia a partir de nossas análises de Heidegger,podemos usá-la para entender o sentido em vários ramos da atividade humana.

Hoje vou tratar da História:o biógrafo Jon Lee Anderson cita um episódio da vida do biografado.Depois que el che deixou de ser guerrilheiro,para tornar-se ministro da economia,um companheiro das lutas o tratou com uma rispidez típica do tempo passado,ao que Guevara redaguiu:agora companheiro,tem que levar em conta a minha posição aqui.Já não somos guerrilheiros.

O antigo revolucionário foi absorvido pelo estado cubano,que ele,como marxista,queria(e devia)acabar,mas ao contrário,usa o seu novo papel para exigir um respeito diferente,uma vez que senão ele e o estado,representantes do povo,poderiam ser atingidos.

Fenomenologicamente,a essência de guerrilheiro comunista foi substituída pela de ministro da economia,de um país especifico.

Tal mudança de essência enseja e organiza vários debates e discussões em torno do personagem:ele deixou de ser comunista autêntico(segundo a teoria)quando assumiu este posto?Existe uma ruptura real entre o guerrilheiro e o ministro?Se assim for ,tal pode ser aplicado a outros personagens do mundo comunista.E ao comunismo,ao tomar o poder do estado.

Existe uma essência de Guevara?Talvez a fixemos narrando a sua biografia e então podemos dizer que nos referimos a este ernesto,já que não existe uma ernesticidade padrão(aristotélica)que una todos os ernestos do mundo ou alguns.

E outras questões podem ser aventadas aqui:o que definiria o dasein,o “ isto” de Ernesto Che Guevara?Qual a sua verdade moral e psicológica?

Há compossibilidade entre o humanismo de Guevara e o ato dele matar um jovem porque roubou leite em pó?

Quem defende que só a policia possa usar armas,pode defender Guevara,que aconselhava que o povo ficasse armado?

Perguntas a serem respondidas nos próximos artigos.



sexta-feira, 3 de outubro de 2025

Série sobre filosofia

 

Já inumeras vezes falei sobre a minha relação com a filosofia.Mas retorno a ela e aos meus altos estudos,a partir de hoje.É que sou acusado às vezes de ser um generalista em matéria de filosofia:uso a história da filosofia,pegando este ou aquele autor a esmo?Não,de modo algum.

É porque a minha visão de todo saber é mediatizado necessariamente pelo tempo histórico:eu não analiso nenhum pensador ou filósofo anacronicamente,isto é,como algo meta-temporal ou histórico,fechado em si mesmo.Ao contrário ,dentro de sua datação e dos seus condicionamentos históricos.

É minha filiação kantiana que me leva a este raciocinio:a partir de Kant é que se analisa o passado dentro de uma perpsectiva de movimento temporal.

Muito se fala que a questão do movimento é só a partir de Hegel,mas ele cristaliza um movimento que vem desde Kant,desde o iluminismo alemão.

Na medida em que o conhecer é o modo de conhecer,os modos que se sucedem só se sucedem no tempo.No tempo em geral e no tempo qualificado,histórico.

A compreensão do movimento podia e pode se consolidar aqui,para ser desenvolvida posteriormente.

Então a análise de cada pensamento adquire sistematicidade enquanto relacionados com este desenvolvimento histórico-temporal,em cada movimento histórico-temporal.

Não é catar milho na história do pensamento,mas a sua conexão com o desenvolvimento da humanidade.

Porque a partir daí o leitor tem como entender a contribuição de cada filósofo e pensador.

E mais do que isto uma série de problemas próprios destes condicionamento aparecem para apreciação.

Até onde vai a História?A História da filosofia?Qual a relação entre a história em geral e a filosofia e assim por diante.

É assim que vejo a filosofia.



sexta-feira, 26 de setembro de 2025

Dasein II

 

Eu voltei aqui para analisar a questão de Kant e Ariano Suassuna,para esclarecer certos problemas que aparecem frequentemente quando faço uma defesa deste filósofo.

Não estou afirmando de jeito nenhum que a percepção do mundo não seja válida.Que não se possa saber nada.Isto aparece sempre que Kant é defendido.

Então,nós não podemos ter certeza de nada?Não podemos confiar na policia ao investigar um crime,porque não se conhece a coisa em si?

O próprio Kant procurou,na Estética Transcendental,se afastar do Bispo Berkeley,garantindo que é possível conhecer sim ou fazer uma conexão real com o mundo,através da percepção.

Mas nós conhecemos este dasein,este “ isto” que está diante de nós.O que não podemos é um conceito universal,uma apreensão universal de tudo e saber tudo sobre este “ isto” que se coloca diante de nós.

Mesmo na investigação de um crime,se observarmos bem,muita coisa fica irreparavelmente escondida.Num acidente aéreo também.

Não há como restituir o real total em circunstância nenhuma,mas parte dele sim.

A totalidade hegeliano\marxista é só uma construção ,uma união de partes e parcialidades do real,segundo critérios previamente estabelecidos.

Kant acredita que algumas coisas são universais,mas a crítica deste pensamento é algo mais complexo e para um outro artigo.

Aqui eu pretendo dirimir estas desconfianças recorrentes sobre a impossibilidade de conhecer,que não provém de Kant.

Na análise investigativa de um crime,de um acidente aéreo,a percepção dos fatos é conhecimento sim e tem como produzir os efeitos desejados,bem como o ato de fazer ciência tem elementos de comprovação certos e claros.

Não é o fim da previsibilidade científica,mas uma sua relativização.Uma limitação essencial da certeza.

sábado, 13 de setembro de 2025

No dasein de novo problema da coisa em si

 

Ocorreu-me esta semana uma questão,quando vi um video de Ariano Suassuna criticando a “ding-an-Sich”,quer dizer repetindo as críticas tradicionais.

Kant,como já expliquei,nunca disse que não se pudesse conhecer algo,um copo na mão(como no video),uma mesa,ou uma pessoa.O dasein ,o isto que observamos no imediato é plenamente cognoscível.

Contudo,uma definição geral de uma coisa,não é possível de fazer,porque existem inúmeras manifestações delas próprias,não uma só.

O copo na mão de Ariano Suassuna não pode ser definido por uma essência geral de copo.Copo é definido como um recipiente que retém liquidos a serem bebidos ou manipulados.

Só nesta definição nós podemos incluir uma gama quase que infinita de recipientes que possuem usos diversos do copo.

Até mesmo se juntarmos as mãos e bebermos água poderíamos chamá-las de copo?

A filosofia e a razão não provam que a realidade existe.O ser humano só tem a percepção das coisas.O Dasein,o isto que observamos o apreendemos pelos sentidos:há uma adequação entre a expressão linguística do copo,este copo,que a une à percepção,mas,como acabamos de ver,a definição do que um copo é,para além da percepção de um copo singular,este copo,não é possível.

A expressão linguística do dasein é só pela descrição/narração do que ele é,mas mesmo assim é dificil restituir o real.Este copo é bojudo,como tantos outros;é transparente,como tantos outros ,serve para beber liquidos,como tantos outros;serve para beber vinho,porque tem uma abertura menor que permite sentir o bouquet e assim por diante.

No fundo só se pode dizer que o copo tem características e foi usado num contexto especifico,numa data e numa ocasião,cujos critérios de identificação são meramente convencionais:no dia x do ano x Ariano Suassuna pegou um copo na mão e o usou para desancar Kant.

Acaso então não se pode fazer um nexo cognitivo,no caso ,por exemplo,de crimes?