segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Nietzsche e a beleza



Os gregos(livres)com sabemos passavam o dia cuidando do corpo e da beleza. No livro do filósofo,um dos últimos de Nietzsche ,ele faz acerbas críticas à  Sócrates,quanto ao seu posicionamento diante desta atitude dos gregos(livres).
Na busca pela “ verdade”,pela” justiça” ,Sócrates,segundo Nietzsche, teria “inventado” a metafísica,como “verdade “ abstrata que “orienta” a conduta dos homens.O Bem e o Mal definidos previamente,sem consideração do individuo,da perspectiva subjetiva.
Esta afirmação feita no fim da vida o remete(e a nós)ao começo da sua atividade criativa e crítica em relação à metafísica,quando escreveu “O Dionisiaco e o Apolineo na Tragédia Grega”(1871):o racionalismo nasce exatamente neste momento socrático,o nascimento da consciência,da ética a ela associada,sobrepassando o ethos individual,tido por ele como legítimo,real,verdadeiro de fato.Os gregos,num determinado momento,deixaram de lado o dionisíaco adotando a racionalidade apolínea,deixando as manifestações legítimas de bem-estar pela explicação,pela consciência,pela racionalidade e moralidade do Deus da “Luz”.
Não se trata disso,para Nietzsche,de seguir uma verdade,mas “criar” a sua,independemente dos esquemas racionais universais e abstratos.O concreto  se sobrepõe ao abstrato.A afirmação,apotenciação sobre a explicação e a busca de modelos.
Na minha perspectiva ,já exposta em outros artigos passados,é possível ,na experiência humana ,juntar estas duas coisas,o abstrato e o concreto,mas não há  como negar que este último é real e o abstrato depende dele.
O corpo é real e o pensamento dele depende,não havendo porquê submetê-lo obrigatoriamente a critérios racionais que o limitem nas suas atribuições afirmativas(potenciadoras).
Neste sentido e como crítico,Nietzsche tem razão e eu   aplico os seus “ valores” ao problema de classes e ao problema da belezacomo fazia Nietzsche).
Os gregos(livres)buscavam permanentemente a beleza do corpo,pelos seus cuidados e isto era um atributo possível do aristocrata ,que desfrutava do “ otium cum dignitate”(se existe neste caso “ dignitate”).
Superada(em termos)esta divisão de classes(senhores e escravos),o modo de ser aristocrático só foi resgatado pela figura de Monstesquieu,fundando na teoria dos “ melhores” os fundamentos da representação moderna,contra a democracia direta:só os mais capazes devem dirigir o estado,porque nem todos estão aptos ou vocacionados para tal,para a política.A critica socialista acusou as benesses injustas concedidas aos aristocratas,inquinando-as de se valer da exploração e dos privilégios. A condição da beleza e qualificação da aristocracia adviria desta fonte ilegítima .Uma beleza social injusta,que deveria ser  extendida a todos(pelo socialismo,comunismo).
Nietzsche oferece uma possibilidade desta distribuição sem recorrer a estes esquemas socialistas supostamente “populares”, num tempo em que a falta dele é a regra,pois mesmo  a aristocracia,depois da Revolução Francesa,achou por bem trabalhar(sem necessidade e por fins políticos de “ igualação” com a classe operária cada vez mais rebelde):a  postura “ ética “,no sentido da perspectiva subjetiva,de potenciação do corpo,de asserção,de afirmação(os positivistas diriam psicologia  positiva )gera  beleza,gera bem-estar e o que se quiser de bem.O cuidar-se permanentemente, e não necessariamente do corpo, é uma postura social aristocrática,na medida em que  a escolha de fazer é ,de algum modo factível(por todos).
A postura plebéia ou religiosa se baseia no despojamento(humilde)frente à vida e conduz a um inevitável descaso consigo próprio.
Mas não é só isso, e aí nós retornamos à crítica de Nietzsche a Sócrates.A preocupação com o pensamento(ao invés da existência,do agir,do “ ethos”)desmobiliza quanto ao corpo,sede do bem-estar.
Não há razão para crer que o acesso ao tempo livre ,social(aristocracia e burguesia)seja a condição disto,pois o homem comum tem também os elementos para fazer esta escolha.
A escolha aristocrática(ou burguesa)é aberta a todos.Escolha implica em elegância,pois a etimologia da palavra a conecta com a escolha,o ato de escolher.
O pensamento anti-burguês de Nietzsche se revela também aqui:a mediação do dinheiro como base psicológica daquele que o ganha (ou produz?)o perverte ainda mais,perturbando a finalidade da escolha,que é o bem-estar de si mesmo e não um ato obsessivo,externo,que o abarca e domina(e define).
Clodovil Hernández dizia que há pessoas que nascem em “ grandes famílias” que não conseguem nem andar direito,enquanto que outras,nascidas nas comunidades, podem “ cair” num palácio que não se sentem estranhas(como as porta-bandeiras das escolas  de samba...).
Nietzsche exagerava um pouco(não sei o que é exagerar um pouco...)ao intentar ver na atitude pessoal metafísica de Sócrates os motivos de sua proverbial feiúra fisionômica(que seria a causa,para alguns comentadores gaiatos, do “ ódio” de sua esposa Xantipa).
Nietzsche chegou a usar os erradíssimos e preconceituosíssimos critérios nosográficos penais de Cesare Lombroso para estabelecer tal elo entre falta de beleza e racionalidade extrema.
No final a conclusão é que apesar da realidade concreta das classes sociais ,as suas posturas básicas e psicológicas impulsionadoras, são utilizáveis por outros setores sociais,porque a psicologia transcende às classes.Os sentimentos não são de classe.

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