quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Quid Ius ,Quid Iuris

Mais Kant

Quando lecionava Filosofia do Direito e falava sobre Kant, uma das partes que eu mais gostava de explicar era distinção do filósofo,na sua Filosofia do Direito,entre “Quid Ius”,” O que é Justiça” e “Quid Iuris”,”o que é de direito” ou o direito que se aplica aos conflitos do real.
Este meu gosto se explicava e se explica pelo fato de por ele se determinar o fim do jusnaturalismo e dos modelos,bem como a medida necessária da sua diluição.
Atribui-se a Cicero a criação do jusnaturalismo.O jusnaturalismo se define pela busca de modelos naturais para a cidade,a sociedade e para,principalmente,o direito.
As “ leis naturais”seriam permanentes e trans-históricas e por isso o direito devia reconhecê-las como intocáveis e como paradigma fundante do comportamento social.
Na verdade,como explica Popper(A Sociedade Aberta e seus inimigos)o fundamento do jsunaturalismo e das leis naturais já estava posto por Aristóteles,o qual localizava no Ser os processos subjacentes de seu desenvolvimento,de seu movimento ,necessário e permanente.
Mas o que me chama a atenção é que esta visão jusnaturalista,que buscava critérios duradouros de comportamento da humanidade,uma busca muito certa,apresentava e apresenta fraturas,provando que nada é absoluto.
Reconhecendo o homem,progressivamente,essa fraturas, ele chega,com Kant,a superá-lo definitivamente,mas a pura socialização dos critérios de comportamento ou diluição total dos modelos também não é absoluta.Kant dilui o direito natural nesta dicotomia acima exposta:a ideia de uma justiça,como modelo de comportamento é criada pela experiência dos povos,no tempo e nas suas coordenadas geográficas,não estando,transcendentalmente,acima das circunstâncias históricas,como propunha o direito natural.Assim sendo não existe um conceito de justiça absoluto,mas referenciado a esta experiência.Kant não propõe um relativismo moral,muito pelo contrário,ele propõe a comunidade universal moderna(os direitos humanos universais nascem com a Revolução Francesa e com ele)mas considerando estas coordenadas temporais e locais.
E mais,com esta dicotomia,mostra que a filosofia ,o pensamento ,inseridos na luta cotidiana dos povos ,não têm um lugar especial,transcendente ou transcendental nesta luta,a menos que os povos assim o decidam,cometendo um erro,porque os modelos construídos(como sempre)não rompem os seus laços com a experiência humana.
O “ Quid Iuris” ,o que é de direito,marca os critérios comportamentais da sociedade,não só do e no direito(certo e errado).Ele pode e deve procurar orientação no IUS,mas levando em conta a sua relação com o tempo e o espaço e dentro de um “ direito”,inevitável(por causa da natureza das coisas),de escolher quais os critérios que esta orientação porventura oferece.
É aí que a figura do intelectual abandona definitivamente o modelo platônico,aristotélico,jusnaturalista,de Rei-Filósofo,que comanda o mundo,por supostamente conhecê-lo a mais do que os mortais comuns.O intelectual passa a ser um mortal comum.
O que ficou em Kant do jusnaturalismo foi o fundamento de sua “ comunidade universal”,o próprio homem e seu direito à vida,por intermédio do “ Imperativo Categórico”,mas mesmo assim não é mais o modelo natural,mas algo construído a partir deste imperativo.Assunto para um próximo artigo.

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