domingo, 6 de setembro de 2020

A questão de classe em Lukacs

 

Marx nunca afirmou que ipso facto,havendo um regime socialista a alienação desapareceria,muito menos que suas condições estariam dadas.

Os descaminhos da revolução russa puseram em xeque esta suposta verdade dita por Marx.Como ficou evidente que no minimo havia uma dúvida quanto à desalienação no socialismo real,a esquentar a cabeça dos teóricos,era preciso tomar uma decisão quanto a isto.

Naturalmente o regime stalinista da URSS vendia a ideia de que a desalienação estava em curso ,porque o regime soviético expressava as necessidades dos trabalhadores e as supria.Então o mundo da necessidade tinha sido superado e substituido pelo da liberdade,como prevera e preconizara Marx.Todo o pensamento do socialismo real justifica a sua vida cotidiana com isto:a certeza de ter o essencial para viver torna a vida tranquila e cria tempo livre para aproveitá-la.

E naturalmente Trotsky e seus seguidores ,exilados pelos stalinismo, mostraram o absurdo desta igualação com o pensamento de Marx:”o estado de todo o povo” da constituição de 37 na URSS só ocultava pela força a luta de classes ,que continuava subsumida,como mostrou o trostskista Charles Bettelheim em “ As lutas de Classe na URSS”;o próprio Trotsky afirmava que a hegemonia da classe operária na URSS contrariava Marx porque o comunismo era para acabar com todas as classes e não manter uma só,que seria inevitavelmente opressora.

Mas o que legitima a situação na URSS e confunde todo o debate é a posição de Lukacs,baseada em “ História e Consciência de classe”,em que ele condiciona a consciência dos indivíduos ,vistos como trabalhadores e atores sociais,à sua posição objetiva na classe,por sua vez definida dentro do modo-de-produção.

Na medida em que o estado reconhece a classe operária,única capaz de acabar com todas as outras(sem violência em princípio),a sua consciência é decisiva para a desalienação:a consciência da necessidade satisfeita pelo estado transforma-se em liberdade.

Contudo o que Marx entendia como base para o “ reino da liberdade” não era uma “ democracia de trabalhadores” como dizia o meu professor Roland Corbisier;nem era muito menos um “ estado de todo o povo”.Era um regime que libertava o homem do trabalho exaustivo;não um trabalho para outrem mas para a comunidade humana toda,que usufruiria de todos os bens a qualquer tempo:aí sim haveria tempo livre,a liberdade.O trabalho em Marx é uma mediação da capacidade criativa do ser humano.

Ernst Mandel ,em seu “ Formação do pensamento de Marx”,último capitulo,como trostskista, aprofunda as ideias de seu mestre,mostrando que o sistema de distribuição no socialismo real privilegiava,não supria as necessidades e isto,digo eu,é óbvio para um país isolado,dependente do mercado capitalista e caracterizado por...trabalho exaustivo e inconclusivo para produzir a abundância necessária para a distribuição equitativa,constante e sem privilégios dos bens produzidos.

E mais:com a desalienação,as formas alienadas de consciência social como a religião(entre outras[ciência burguesa])desapareceriam.

Eu tinha 12 anos quando assisti ,como pequeno comunista, a Copa de 74 na Alemanha Ocidental,em que a Polônia reapareceu para o mundo após muitas décadas.E nas entrevistas dos jogadores loas ao socialismo,à despreocupação com o dinheiro.Os jogadores e o técnico contavam que viviam de seus trabalhos e empregos especificos e não do futebol.Recebiam presentes,mas nada de dinheiro injusto ,resultante da exploração.A religião ,na entrevista, não foi abordada,mas estava subentendida.

Quatro anos depois ,em 1978,quando tinha 16 anos e estudava no Arte e Instrução espoucaram as greves de Gdansk e todas aquelas ilusões do menino cairam por terra.E as de Lukacs,Stalin....



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