quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Profissionalização da Filosofia e Hegel como plagiário

 

Tenho falado muito sobre a profissionalização da filosofia e hoje eu vou tratar de um assunto que acrescenta mais bases ao que tenho dito.

O estudo da filosofia,como de qualquer matéria,exige permanência,continuidade e isto vale para mim também.Ao longo da vida sempre separei a filosofia da teologia.

A partir da ciência moderna a filosofia tomou um rumo muito diferente,deixando de lado a base teológica imposta pela religião.Isto é parcialmente verdade,mas nos meus estudos continuados,cada vez mais percebo que a filosofia,digamos,laica,que vem deste periodo até hoje,é uma reinterpretação de alguns postulados da filosofia cristã.

Mesmo os filósofos que não tratam diretamente da teologia,influenciados pela ciência moderna,repercutem os seus efeitos sobre a crença.

Fica claro que no jusnaturalismo laico existem ainda ecos da religião,do jusnaturalismo religioso,porque no lugar de Deus está um principio que ocupa um lugar simile a ele:natureza.

As leis da natureza,propaladas desde os antigos,nada mais são do que uma crença fundada nas limitações da ciência do passado de que existe uma lógica no mundo,uma “inteligência” dada desde sempre.

Diante dos avanços da ciência,tanto os filósofos como os cientistas tiveram que reinterpretar a figura de Deus e no final tratar da natureza de per si,por ela própria,muitas vezes,a contragosto.

Contudo , e é por isto que importa estudar sempre a filosofia ou qualquer saber ,como um todo,permanentemente,este ruido entre cabeças pensantes,a natureza e Deus é ,em grande parte “ solucionado” por figuras mais ligadas à teologia que acabam por contornar este problema e oferecer uma lógica mais coerente,ainda que se lhe possa questionar ,naturalmente.

Um destes,ou melhor,o principal e quase único exemplo disto é Jacob Boehme,um filósofo e teólogo luterano alemão dos séculos XVI e XVII que aprofundou algumas consequencias das teses da Reforma.

Se para a Igreja Católica ela própria é a intercessora do homem,decaido pelo pecado original,perante Deus,no interesse de recuperar a graça perdida no paraíso,para os protestantes a relação entre os homens e Deus é direta,localizada no coração do homem que toca no sangue derramado de Cristo na cruz.

Para Boehme,seguindo o credo reformado,o sacrificio de Cristo não é para perdoar os pecados humanos,mas uma oferta de generosidade(abnegação significativa),para revelar a vontade de Deus,segundo a qual o sofrimento é parte da criação e elemento necessário para se recuperar a graça,isto é ,o seu reconhecimento é condição para que os homens voltem ao regaço divino.

Ver no sofrimento do outro o de Cristo é o meio de construir uma comunidade humana.Privilegia-se o 11 º mandamento:” Amai-vos uns aos outros como eu vos amei” como o meio de obtenção da Graça,da comunhão com Deus.

Deus se enraivece com a humanidade por não seguir estes passos e a única forma de aplacar a sua ira é construir uma humanidade que se reconstitua reconhecendo no sofrimento da cruz o dos homens.

O 11 º mandamento é a primeira proposta de comunidade universal e o ruido entre os homens,por não interagirem com esta comunidade ,tem que ser superado por um discurso que una os homens.

Nestas conceituações está o principio do direito natural e ,antecipadamente,o “ estado de natureza”,por exemplo,de Rousseau.

A comunidade universal seria um estado perfeito,se respeitando os preceitos divinos.Aqui está o contrato social,sem mais nem menos.

Mas está antecipado aqui também o pensamento de Hegel.Os homens,confrontados uns com os outros(dir-se-ia dialéticamente,entendida esta como pelo menos termos opostos[reconhecendo-se]{no sofrimento,no sofrimento de Cristo})encontram uma forma de integração.

Só assim faz sentido aquilo a que me tenho referido ,citando Colleti ou Garaudy.

O Espirito Absoluto ou a Idéia Absoluta são a visão de Deus do mundo,a criação de Deus,segundo os seus critérios.Hegel sofria para colocar este Deus aí no processo de explicação dialética do mundo,mas entrevia que o movimento valia por si mesmo,sem estar pré-dado por uma vontade diferente dele.

O modo como Deus se diferencia de sua criação dialética,na oposição e integração de Deus com o mundo,é um dos maiores problemas deste contexo filosófico.

Deus se aliena do mundo e se integra segundo leis(dialéticas)criadas por ele(aqui é que parece haver um liame entre Hegel e Spinoza)como causa de si mesmo.

O conceito de alienação ,tão caro ao marxismo,ao materialismo dialético,origina-se no cristianismo,na doutrina da (re-)obtenção da graça.

Mas se no cristianismo o reconhecimento se dá por Cristo,no seu sofrimento,em Hegel se dá pela subjetividade que reconhece o outro no movimento,despojado de outra realidade que não seja a do Ser.

O sofrimento é um dos elementos constitutivos desta consciência que compreende progressivamente o mundo em seu movimento.Em termos morais ocupa um lugar decisivo,mas ainda assim é mediatizado pelo movimento(dialético).

A diferença essencial da dialética hegeliana para as outras é que a oposição entre os dois termos não estaca na sua pura confrontação,mas os termos se interligam:Deus se define pelo movimento,criado por ele ,como algo contrário a ele,mas essencial para a sua constituição(como Ser).

O sujeito só se define por um objeto e assim sucessivamente.Quer dizer ,num termo está contido o outro e vice-versa.

Embora seja exagero considerar Hegel plagiário de Boehme,não há como negar que a estrutura de seu pensamento nasce no teólogo.

E mais do que isto: fica claro que na pretendida ciência da lógica hegeliana está contido um germe de Deus,que se reflete no monismo dialético de Marx.

E relembrando obsessivamente,o que Marx faz não é uma inversão da dialética,mas um despojamento só,ele também muito discutivel,porque como já disse à farta,Hegel aplica a sua dialética ao Ser em geral,incluindo a natureza.

Marx entende(como Engels e Lênin)que Hegel está criando o mundo,como o Deus biblico alegara que fizera,mas não é isto.

Este Deus não é igual ao de Spinoza,porque não está em todos os lugares,mas está postado no mundo,criando movimento e se movimentando também,do modo que falamos mais acima.Hegel entende ter solucionado esta discrepância entre um Deus perfeito,tido como imóvel,através do movimento,como algo inarredável e... perfeito.

Sacrificou a imobilidade,constante na doutrina da predestinação de Calvino ou no Deus medieval,para defender uma mediação conciliatória e definitivamente explicativa.

Mas o que Marx faz não é a inversão,é o despojamento da figura de Deus e do espirito absoluto,a ideia absoluta,colocando no sujeito cognoscente e no objeto cognoscivel os termos de transformação da realidade.


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