domingo, 9 de janeiro de 2022

Massacrados VIII

 

De modo que apesar das mudanças me sinto no direito de me solidarizar com as pessoas,nos seus momentos de sofrimento,que,hoje,são muitos e mais.É um tiro no escuro saber se haverá retorno desta solidariedade(vivemos numa época egoista e competitiva),mas eu ajo e penso que toda pessoa de bem deve agir assim,por convicção,pela vontade incondicionada de Kant.O senso de dever e de convicção.

Nietzsche dizia que tal postura de compaixão é falsa,traduzindo mais o desejo de aparecer, mais do que se solidarizar,porque ninguém vive o sofrimento do outro.Mas eu acredito que a compaixão gera a luta para ajudar a terminar as imensas injustiças que a humanidade perpetra diuturnamente,principalmente contra quem é mais fraco,contra quem não tem dinheiro,contra quem não tem nada.

Mas ,não quero nem saber ,eu vou denunciar e protestar aqui ,gostem ou não.

A minha formação de socialista e de comunista se fez de diversas maneiras:leituras e consumo de cultura ,que expressava estes valores.Neste aspecto avulta em importância a visão de Chaplin nos seus filmes e especialmente para mim “Luzes da Cidade”.

A imagem de uma florista cega que corre o risco de ser despejada por não pagar o aluguel culpabiliza a burguesia, e como um todo o sistema capitalista em geral:

Ela encontra o amor de sua vida,pensando ser ele um homem rico.Mas na verdade é Carlitos:




Em determinado momento sublime(entre tantos neste filme genial)ela olha para o céu(onde Deus está?),põe a mão no coração e constrói a sua esperança(utopia)amorosa e ...financeira,porque esta história ,como o discurso da esquerda, une,num discurso monista,o problema pessoal(entre os quais o amoroso)com a história,a exploração, a economia,a totalidade.Não que seja esta a intenção de Chaplin,mas ele reflete(como em outros filmes “Tempos Modernos”)este referido discurso da esquerda,a qual ele pertencia e cuja visão acompanhou desde pequeno,de Londres até à Suiça.



A conexão direta entre este sofrimento individual e a burguesia fica assim “provada”,mas na verdade não é bem assim.Desfazendo este discurso monista ,uma coisa são as relações inter-individuais,pessoais e outra o sistema social todo.Está certo,o sistema influencia a vida privada,mas esta guarda autonomia.

E Chaplin ,com mais genialidade e sensibilidade ,vai neste sentido que eu estou construindo:na cena final famosa em que a moça,recuperada da cegueira,por causa dos esforços de Carlitos(e não por causa de um homem rico como ela pensava e queria),o reconhece ao recolocar a mão no seu ombro,para adaptar uma flor na lapela do mendigo,ela cai em si e diz que “agora pode ver”,pode ver a vida como ela é.

Nesta narrativa genial,Chaplin não concilia com a burguesia,mas a critica no personagem do milionário,que estando sóbrio não reconhece as pessoas humildes e que quando bebe o faz,numa bipolaridade induzida.Ora,por mais vítima que a florista seja ela quer ser guindada a esta burguesia e ter uma vida de riqueza,mas aprende que este ideal não é absoluto,não é absolutamente justo.

Aí que está o que eu quero dizer:não se trata de vitimizar o pobre,o explorado:o discurso libertário,emancipatório,não é vitimilógico,mas compreensivo e fundante de uma prática consciente.

O radical de esquerda,que vai ler este artigo, me chamará de lacaio da burguesia,de conciliador de classes,estas bobagens,mas não é isto não.Historicamente ficou claro que suprimir pela força e pela violência a classe burguesa não significa a implantação imediata e redentora da utopia.A vitória da utopia se dá no cotidiano do capitalismo,na construção de uma base subjetiva e objetiva(econômica)que num determinado momento vai tornar a superação da classe exploradora inevitável,não no sentido do socialismo evolucionário de Bernstein,mas no de que será possível à maioria tomar a decisão de superação,diluindo a minoria,não a matando.

Em muitas ocasiões a burguesia não precisou destruir a aristocracia,mas a modificou por dentro:foi assim nas revoluções inglesas,na Itália do Risorgimento e mesmo na França do século XIX.

O ódio de classe que o titio Stalin aconselhava não serve de nada.Apenas aplaca a necessidade compensatória dos ressentidos de qualquer idade.O ódio ao outro valoriza a si mesmo,a pessoa que não tem nada,senão este ódio.







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