sábado, 16 de abril de 2022

Kant e a experiência

 

Gosto de Kant porque ele é o único filósofo que se autro-limita.O professor Leonardo Boff contou-nos uma vez na uerj que Kant nunca usou os seus livros para ensinar,nunca se referiu a eles sequer em seu longo percurso magisterial de 70 anos.E como eu disse em um ensaio sobre o mesmo Kant ,o filósofo admitia que muito do que os filósofos diziam se voltava contra eles,ou seja,deveriam ser analisados contra eles,apesar de suas convicções.Naturalmente isto vale para Kant também.Quando fez a frase célebre de que “ o nosso tempo é o tempo da crítica e nada pode se evadir da crítica”,ele se incluiu.

Respeito alguém que se inclui.Paul Ricouer caracterizou Freud ,Darwin e Copérnico como os “ mestres da suspeita”,aqueles que destruiram a vaidade da espécie humana de pensar que é única e especial no mundo e por conseguinte seu modelo absoluto.

Mas eu acrescentaria Kant aí.Ele também mostrou as limitações decisivas da subjetividade humana,acabando com os modelos absolutos,que são construídos e limitados também.Verificando os limites do conhecimento Kant fez algo idêntico com a subjetividade.A grandeza do conhecimento é a sua limitação,é a descoberta do limite,como elemento propulsor de sua busca.

Este limite,este elemento propulsor é a experiência.Tenho tratado disto o tempo todo,para esclarecer os que me lêem e não compreendem as minhas explicações.

Entendo perfeitamente esta dúvida,já que vivemos numa época de certeza ,mas penso que agora a minha exposição tornará tudo mais claro.

Tive discussões acaloradas sobre esta questão da distnção entre pensamento e experiência.E como tenho dito,o pensamento não é igual à experiência ,mas depende dela e é ,em certo sentido experiência.

A explicação neurológica do que é o pensamento é outra questão.O que quero demonstrar aqui é que ele depende da experiência,é uma experiência.

Quando a consciência nasce no fim da infância,nasce o pensamento.A consciência é a relação do sujeito com o mundo,ou seja,a criança se distingue do mundo,tomando consciência de si e do mundo.É o nascimento do nexo cognitivo,da dicotomia sujeito/objeto de Descartes,no plano individual.

O que lembramos da infância é uma memória que aparece no futuro,na consciência,já modificada por ela.Esta memória antiga tem um valor para a psicologia e como memória se tornou experiência.

No momento em que surge a consciência,a subjetividade diante do mundo(do objeto),é porque ela se tornou uma experiência básica do ser humano.Ela é o que é porque foi retida esta relação numa memória,que fundamenta toda a sua atuação(da consciência)daí por diante.

A relação sujeito/objeto pode nem ser compreendida pelo sujeito,que eventualmente não tem um nivel de consciência ou não se importa.Não precisa conhecer Descartes para exercitar existencialmente a sua subjetividade.É uma experiência existencial cotidiana,que só se sustém pela memória que guarda esta relação básica.

Se o Sujeito pensa num estádo de futebol,num triângulo “perfeito”,numa mulher “perfeita”,como separar estes pensamentos do que foi retido na experiência?

As pessoas que têm falha de memória não constróem sentido,ficam dependentes do imediato,da vida imediata.

E os surdos,mudos e cegos?Sabemos como é a vida deles.

O pensamento,como ideação,imaginação,explicação,não tem como prescindir da experiência básica,da relação básica da existência.

Os professores de filosofia no Brasil e no estrangeiro fazem uma distinção falsa entre a filosofia como saber pensamental puro e a ciência,como saber empirico,mas a verdade é que na filosofia há também,sempre ,empiria.

A filosofia procura construir sentidos e quando tenta compreender o mundo,procura ordená-lo de forma que o discurso explique se adequando à sua realidade.Se consegue ou não é outra coisa.

A ciência pescruta as causas dos fenômenos e as ciências sociais buscam compreender a relação real dos fenômenos particulares observados por elas.A filosofia é geral,a ciência é particular,mas todas têm um ponto de intersecção que é a empiria.

Um saber pensamental puro,transcendental além de falso ,trai a função humana da filosofia que se debruça sobre a atividade dos homens(de noite,quando eles dormem)procurando explicá-la e ajudá-la.

A transcendentalidade é mais afeito às religiões,ao pensamento religioso,sempiterno,que cada vez mais se erode.



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