Série:Problemas da História da Filosofia
Uma das formas
enviesadas de dogmatismo é aquela que se estrutura numa falsa compreensão do
que é ser profissional de filosofia,quero dizer,um professor ou expositor de
filosofia.
Não é nada
demais,muito pelo contrário,que alguém se dedique a uma matéria ou disciplina e respeite o texto literal deste ou daquela
autor.Contudo fazer deste respeito temor reverencial já são outros quinhentos.
Os filósofos,bem
quaisquer outros produtores de cultura e de conhecimento,são ,acima de
tudo...pessoas,datadas e cheias,como todo mundo,de influências prejudiciais e
positivas.
Na minha
atividade de articulista eu tenho dado exemplos de como grandes gênios,bem
nascidos e acadêmicos,cometem erros.
Eu citei em um
artigo bem mais atrás sobre as ondas gravitacionais,que tinha ,pela primeira
vez ,entendido o erro de Newton ao elaborar a sua teoria da Gravitação
Universal e me apoiei no seu maior inimigo Leibnitz que,como está citado na
obra de Bronowski,” A escalada do Homem”,já teria afirmado que o “ tempo e o
espaço são relativos”.
Tudo bem,vão
dizer,mas você se apoiou num grande gênio,capaz de lhe ensinar esta
verdade.Isto é uma meia-verdade histórica,porque neste mesmo artigo eu me
referi a pessoas não acadêmicas,e não físicas(profissionais)as quais notaram este erro e mostraram o porquê.É o
caso da aristocrata Emilie Du Chatelet.
A história do
pensamento está cheia de pessoas anônimas que possuem o insight sobre verdades
e descobertas dos grandes gênios,que não são pessoas isoladas do mundo.
No meu blog “
Radio do Conhecimento” eu fiz uma homenagem à escola Cínica na figura de sue
maior representante, Diógenes,o homem com a lanterna na mão.
Um ex-escravo
como Diógenes,estudioso por conta própria,percebeu claramente as intenções de
poder na Filosofia de Platão,com a desconsideração da doxa,”opinião”,como fonte
do conhecimento.No seu esquema Platão pretende justificar a escravidão e
impedir que pessoas comuns possam questionar a sua Filosofia,mas não
adianta(-ou) nada.
Aliás, eu emito
a minha opinião aqui sem medo de estar fazendo senso-comum,pois eu expresso o
que penso depois de pesquisa imediata e de uma vida inteira de estudos e discussões.Neste
sentido eu me filio não só à Escola de Demócrito(explico em outro artigo),mas
principalmente à de Diógenes e à Escola Cínica.
Lembro-me do
filme “ Viagem Ao Centro da Terra”,da década de 50,em que o personagem
principal interpretado por James Mason,Lindenbrook é abordado por uma
verdureira que lhe faz ver um erro em sua teoria.
Depois falarei
mais sobre estas questões.
O que me traz
aqui hoje é exatamente este temor reverencial,esta literalidade de certos
estudiosos ao se aferrar ao texto dos autores e desconsiderar estas balizas a
que me referi acima.
Descartes
,criador do racionalismo clássico,tinha estas limitações(como Aristóteles,Platão
Et al).Na elaboração do “ Cogito ergo sum” é lógico que falta sob o nascimento
da Ratio toda uma substância,temporalidade psicológica, que torna o
filósofo,pelo resto da vida,um hesitante duvidador,que busca incessantemente na
figura de Deus o preenchimento deste vazio que ele sente diante de uma natureza
que ele só tocou muito superficialmente ainda.
À propósito,para
mim,profissionalmente,Descartes é mais cientista do que filósofo ,sendo a sua
filosofia mais uma conseqüência da sua atividade prioritária do que finalidade
de sua vida.
Se duvido de
tudo,mas não posso duvidar da dúvida,então só a dúvida resta como meio de
conhecimento do mundo,mas supostamente cada processo metódico da dúvida só tem
validade instantânea não se relacionando com a substância deste Sujeito Cognoscente ,nascente ,diante de
uma natureza que se apresenta in totum,como uma possibilidade “ infinita”,mas
ainda por conhecer.
Uma interpretação
literal(boçal),fundamentalista,torna a instantaneidade de Descartes como algo
puramente intelectual,racional,sem ligação com outras buscas racionais(não
fazendo experiência).O processo objetivo do conhecimento,a “idéia objetiva de
razão” é uma escolha psicológica.Ela pode não ter uma influência direta sobre a
o ego(para mim tem[como novo conhecimento]),mas tem indiretamente.Não são duas
pessoas iguais aquelas que acreditam no geocentrismo e no heliocentrismo.Embora a realidade psíquica
da escolha não seja um problema para Descartes
,ela está lá,sendo ele iludido,por suas limitações,da “ idéia objetiva de razão”,da
pura racionalidade.
Como criador da álgebra
moderna,das progressões aritmética e geométrica,Descartes percebe que a
incógnita,o “algo” desconhecido,faz parte da natureza e que dentro dela é difícil
encontrar aquele Deus pessoal,cristão,que todos desejavam manter e que ele,filósofo,buscava,sempre,como
cristão que era.
Apesar dos
termos de compromisso conhecidos,tais como “ Deus cria a máquina do mundo mas
não intervém(nunca mais) e a aposta de Pascal,” Aposto que Deus existe porque
se não existir eu não serei punido e se existir também não o serei”,os
filósofos do século XVII se vêem diante do grande medo da perda de Deus.
Ocorre ,e é aí
que eu digo que o temor reverencial atrapalha,que o conhecimento,mesmo
filosófico, depende de condições que ,ainda,não estavam à disposição de
Descartes,mas para nós este vazio não é admissível,pelo menos na relação de que
tenho falado tantas vezes(e vou continuar a falar)entre o ego e o eu.
Não é possível
separar as decisões do Eu,a mediação axiológica, do desenvolvimento do Ego.Após
a queda do Muro de Berlim,da URSS,o fastio com as diversas intelecções que
prometiam tudo a partir do conhecimento,surgiram filosofias transcendentalistas,metafísicas,filosofias
de regressão,integristas cristãs,filosofias sempiternas,que admitem a ruptura
da experiência humana.
Como alguém se
converte ao cristianismo depois de ser comunista,como Carlos Lacerda,terá um Eu
igual sempre e não sofre influência do ego?Da sua experiência de vida?
Tudo bem ,vamos
falar de uma pessoa comum:um católico que pretende ficar no mesmo lugar o tempo
todo.Nem a igreja defende isto,desde a Idade Média.Na idade
Média São Tomás pretendeu paralisar o conhecimento,mas a Igreja mesmo não segue
isto hoje,pois o cristão deve aprender com a Bíblia(que não podia ser lida pelo
homem comum até a morte de Pio XII)e também com a tradição e comentários dela
própria num esforço de atualização absolutamente anti- medieval e
anti-dogmático.Dizem até que a Igreja prepara o reconhecimento da inexistência
do casal primordial,tornando-o mera metáfora axiológica.Não sei.Mas para mim
devia.
Esta história de
que o texto dos filósofos-fonte é para ser seguido é uma falácia autoritária
desde os tempos de Aristóteles.A leitura obsessiva da sua ultrapassadíssima “ Physica” atrasou a ciência
em mais de um milênio e garantiu poderes ilegítimos,inclusive usando o
racionalismo aristotélico da “ Metaphysica” para justificar a escravidão no
mundo moderno.
Então a atitude
correta é fazer como a verdureira do filme:questionar,pouquinho que seja.
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