sábado, 12 de agosto de 2017

O mal dos filósofos profissionais(ou bem comportados)

Série:Problemas da História da Filosofia




Uma das formas enviesadas de dogmatismo é aquela que se estrutura numa falsa compreensão do que é ser profissional de filosofia,quero dizer,um professor ou expositor de filosofia.
Não é nada demais,muito pelo contrário,que alguém se dedique a  uma matéria ou disciplina  e respeite o texto literal deste ou daquela autor.Contudo fazer deste respeito temor reverencial já são outros quinhentos.
Os filósofos,bem quaisquer outros produtores de cultura e de conhecimento,são ,acima de tudo...pessoas,datadas e cheias,como todo mundo,de influências prejudiciais e positivas.
Na minha atividade de articulista eu tenho dado exemplos de como grandes gênios,bem nascidos e acadêmicos,cometem erros.
Eu citei em um artigo bem mais atrás sobre as ondas gravitacionais,que tinha ,pela primeira vez ,entendido o erro de Newton ao elaborar a sua teoria da Gravitação Universal e me apoiei no seu maior inimigo Leibnitz que,como está citado na obra de Bronowski,” A escalada do Homem”,já teria afirmado que o “ tempo e o espaço são relativos”.
Tudo bem,vão dizer,mas você se apoiou num grande gênio,capaz de lhe ensinar esta verdade.Isto é uma meia-verdade histórica,porque neste mesmo artigo eu me referi a pessoas não acadêmicas,e não físicas(profissionais)as quais  notaram este erro e mostraram o porquê.É o caso da aristocrata Emilie Du Chatelet.
A história do pensamento está cheia de pessoas anônimas que possuem o insight sobre verdades e descobertas dos grandes gênios,que não são pessoas isoladas do mundo.
No meu blog “ Radio do Conhecimento” eu fiz uma homenagem à escola Cínica na figura de sue maior representante, Diógenes,o homem com a lanterna na mão.
Um ex-escravo como Diógenes,estudioso por conta própria,percebeu claramente as intenções de poder na Filosofia de Platão,com a desconsideração da doxa,”opinião”,como fonte do conhecimento.No seu esquema Platão pretende justificar a escravidão e impedir que pessoas comuns possam questionar a sua Filosofia,mas não adianta(-ou) nada.
Aliás, eu emito a minha opinião aqui sem medo de estar fazendo senso-comum,pois eu expresso o que penso depois de pesquisa imediata e de uma vida inteira de estudos e discussões.Neste sentido eu me filio não só à Escola de Demócrito(explico em outro artigo),mas principalmente à de Diógenes e à Escola Cínica.
Lembro-me do filme “ Viagem Ao Centro da Terra”,da década de 50,em que o personagem principal interpretado por James Mason,Lindenbrook é abordado por uma verdureira que lhe faz ver um erro em sua teoria.
Depois falarei mais sobre estas questões.
O que me traz aqui hoje é exatamente este temor reverencial,esta literalidade de certos estudiosos ao se aferrar ao texto dos autores e desconsiderar estas balizas a que me referi acima.
Descartes ,criador do racionalismo clássico,tinha estas limitações(como Aristóteles,Platão Et al).Na elaboração do “ Cogito ergo sum” é lógico que falta sob o nascimento da Ratio toda uma substância,temporalidade psicológica, que torna o filósofo,pelo resto da vida,um hesitante duvidador,que busca incessantemente na figura de Deus o preenchimento deste vazio que ele sente diante de uma natureza que ele só tocou muito superficialmente ainda.
À propósito,para mim,profissionalmente,Descartes é mais cientista do que filósofo ,sendo a sua filosofia mais uma conseqüência da sua atividade prioritária do que finalidade de sua vida.
Se duvido de tudo,mas não posso duvidar da dúvida,então só a dúvida resta como meio de conhecimento do mundo,mas supostamente cada processo metódico da dúvida só tem validade instantânea não se relacionando com a substância  deste Sujeito Cognoscente ,nascente ,diante de uma natureza que se apresenta in totum,como uma possibilidade “ infinita”,mas ainda por conhecer.
Uma interpretação literal(boçal),fundamentalista,torna a instantaneidade de Descartes como algo puramente intelectual,racional,sem ligação com outras buscas racionais(não fazendo experiência).O processo objetivo do conhecimento,a “idéia objetiva de razão” é uma escolha psicológica.Ela pode não ter uma influência direta sobre a o ego(para mim tem[como novo conhecimento]),mas tem indiretamente.Não são duas pessoas iguais aquelas que acreditam no geocentrismo  e no heliocentrismo.Embora a realidade psíquica da escolha não  seja um problema para Descartes ,ela está lá,sendo ele iludido,por suas limitações,da “ idéia objetiva de razão”,da pura racionalidade.
Como criador da álgebra moderna,das progressões aritmética e geométrica,Descartes percebe que a incógnita,o “algo” desconhecido,faz parte da natureza e que dentro dela é difícil encontrar aquele Deus pessoal,cristão,que todos desejavam manter e que ele,filósofo,buscava,sempre,como cristão que era.
Apesar dos termos de compromisso conhecidos,tais como “ Deus cria a máquina do mundo mas não intervém(nunca mais) e a aposta de Pascal,” Aposto que Deus existe porque se não existir eu não serei punido e se existir também não o serei”,os filósofos do século XVII se vêem diante do grande medo da perda de Deus.
Ocorre ,e é aí que eu digo que o temor reverencial atrapalha,que o conhecimento,mesmo filosófico, depende de condições que ,ainda,não estavam à disposição de Descartes,mas para nós este vazio não é admissível,pelo menos na relação de que tenho falado tantas vezes(e vou continuar a falar)entre o ego e o eu.
Não é possível separar as decisões do Eu,a mediação axiológica, do desenvolvimento do Ego.Após a queda do Muro de Berlim,da URSS,o fastio com as diversas intelecções que prometiam tudo a partir do conhecimento,surgiram filosofias transcendentalistas,metafísicas,filosofias de regressão,integristas cristãs,filosofias sempiternas,que admitem a ruptura da experiência humana.
Como alguém se converte ao cristianismo depois de ser comunista,como Carlos Lacerda,terá um Eu igual sempre e não sofre influência do ego?Da sua experiência de vida?
Tudo bem ,vamos falar de uma pessoa comum:um católico que pretende ficar no mesmo lugar o tempo todo.Nem a  igreja  defende isto,desde a Idade Média.Na idade Média São Tomás pretendeu paralisar o conhecimento,mas a Igreja mesmo não segue isto hoje,pois o cristão deve aprender com a Bíblia(que não podia ser lida pelo homem comum até a morte de Pio XII)e também com a tradição e comentários dela própria num esforço de atualização absolutamente anti- medieval e anti-dogmático.Dizem até que a Igreja prepara o reconhecimento da inexistência do casal primordial,tornando-o mera metáfora axiológica.Não sei.Mas para mim devia.
Esta história de que o texto dos filósofos-fonte é para ser seguido é uma falácia autoritária desde os tempos de Aristóteles.A leitura obsessiva da sua  ultrapassadíssima “ Physica” atrasou a ciência em mais de um milênio e garantiu poderes ilegítimos,inclusive usando o racionalismo aristotélico da “ Metaphysica” para justificar a escravidão no mundo moderno.
Então a atitude correta é fazer como a verdureira do filme:questionar,pouquinho que seja.

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