domingo, 8 de abril de 2018

O que se deve ler e estudar


Aristóteles,diferentemente de seu mestre Platão,percebeu que na vida social(que ele estudou durante muito tempo,bem como a natureza)não tem um modelo definitivo de explicação.Como consequencia a teoria política de Aristóteles,contrariamente à utopia “ absoluta” do mestre,revela que não há nenhum modelo acabado e definitivo,fato seguido pelos teóricos da política,da filosofia e da sociedade nos  séculos seguintes:não há um modelo para as múltiplas sociedades do planeta.Há que se levar em conta as condições geográficas,a natureza psicológica dos povos,o seu desenvolvimento histórico e as mudanças na sua cultura através do tempo.
Sempre foi assim,mas os gregos é que teorizaram sobre esta complexidade.Os livros são a base da cultura ocidental e a percepção disso levou os gregos,os fundadores desta cultura específica e universal ao mesmo tempo,a fundar a  primeira biblioteca universal,a de Alexandria.
Os gregos constituíram  sua cultura,desde a Jônia,do estudo da natureza,da crítica dos mitos e da sua cultura mesmo.Platão,Pitágoras e outros filósofos estudaram no Egito,a grande capital do pensamento até então e  estudaram conhecimentos matemáticos e religiosos desta civilização e da magna Grécia(metempsicose[transmigração das almas]).Mas, a rigor,os gregos tiram deles mesmos,de seu esforço de investigação,uma cultura intelectual livresca base do ocidente.
Ao eclodir o Renascimento,os pensadores “ modernos” foram buscar nesta base a condição de atualização do saber e criação de novos conceitos.Isto aconteceu porque não havia alternativa?Não ,a cultura grega era básica na formação do ocidente,que se caracteriza pelo pensamento perscrutador  da realidade.
Não era preciso uma quantidade de livros para produzir um pensamento novo.Com raras exceções à formação do renascentista  bastavam os gregos(e romanos em algumas áreas).Porque nos dias de hoje a quantidade passou por cima da qualidade?É porque as relações ocidentais entre a intelecção e poder se tornaram decisivas,para quem o exerce.
Isto começou  com a indefectível Igreja Católica e o tomismo ,que fundou a escolástica .A  escolástica  se tornou o grande referencial de poder,como atrativo de adesão ou referencial de repulsão.
O termo  escolástica ,como sabemos,designa a  Escola  ,de pensamento definitivo.O seu lema era o da Suma Teológica “ Magister Dixit”,” O Mestre disse”.O mestre ,no caso,é Aristóteles.O mestre disse e “Roma locuta,causa finita est”,os lemas fundadores do empoderamento universal, a que todos aspiram e alguns,acertadamente,repelem.
Um dos conceitos da  escolástica  é a quantidade de conhecimento que se pode obter,um conhecimento que se retira,pela revelação,da infinitude da criação de Deus.Isto quer dizer,no interesse do enpoderamento,que  o conhecimento é amplo,talvez infinito,mas não se pode discutir(quer dizer contraditar) que ele provém de Deus.Se o conhecimento não confirmar esta realidade ,é herético.São Tomás é a continuação do sultão que queimou a Biblioteca de Alexandria com o seguinte pretexto:”Se os livros confirmam o pensamento do profeta Maomé devem ser queimados e se não,o devem por serem contrários”.E é a base das inquisições modernas(Stalinismo por exemplo),para as quais o mesmo “ raciocínio” se faz:” Se não é a meu favor está contra mim”(paranóia[excesso de razão{dogma}]).É o princípio do dogma,que reproduz ,no mesmo(no permanente),o conhecimento(origem da aufhebung,da dialética[hegeliana]moderna?)
Contudo,como é óbvio,o conhecimento não tem comprovada relação com o pensamento,infinito,de Deus.As provas racionais de São Tomás estão postas em xeque há muito tempo.Deus para o conhecimento e a filosofia é um problema,não uma certeza(de fé).
O conhecimento deriva de um referencial prévio e traz algo novo,da natureza ou da sociedade.Um novo referencial.E nem é, somente, racional .
A  escolástica, no entanto, produziu saberes muito específicos:teoria das essências,chamada de ussiologia(!).Saberes acadêmicos,filosóficos, muito complexos.Hermenêutica também.Todos estes saberes são validos  intra muros ,quer dizer,no âmbito da  escola .Eles não,podem,contudo,ser usados para explicar o mundo.Só a filosofia católica integrista defende ,em todo este tempo, esta proposta.
Esta visão da  escolástica  gerou a falsa idéia de que a quantidade de conhecimento é essencial para a produção do discernimento.Tal proposição se encaixava( e se encaixa)bem, no  empoderamento pretendido.Limitava a participação de todos no conhecimento,agora dominado pela Igreja,só ela intercessora do Homem e de Deus.
Mas ,como vimos ,bastou aos renascentistas conhecer os gregos para produzir novas idéias.O respeito aos gregos era tanto que houve um momento em que se discutiu se as idéias modernas eram melhores ou piores do que a dos antigos,no que ficou conhecida como a “ Querela dos antigos e dos modernos”,que propiciou a Charles Perrault escrever um livro clássico sobre o tema.
Em que medida a contemporaneidade mudou esta situação?Levando-se em conta o saber socrático que valoriza o discernimento e o tomismo que o condiciona ao estudo continuado dos textos,existe uma discussão sobre se basta ler o essencial ou é preciso ler tudo,como fazia Marx,para escrever “ O Capital”.A erudição é ler tudo?Pode-se fazê-lo,indiscriminadamente,sem um pressuposto?
O que mudou na contemporaneidade foi o acesso definitivo,o direito definitivo de pesquisar e o desencantamento do mundo,abriu a sua (provável)infinitude a uma gama infinita de conhecimentos ,para uma humanidade(infinita?) ávida de saber.
A partir disto a possibilidade  de associar conhecimento e quantidade surgiu,de fato,mas não acabou com outros saberes.O que queremos dizer é que ,dependendo de cada saber,de cada campo,a quantidade é uma verdade ou não.
Para fazer uma interpretação de Bergson é preciso ler uma certa porção de livros,saber filosofia e ter uma maturação.Mas é preciso ler tudo?A filosofia inteira?No caso de Bergson,a psicologia?
Para cada objetivo,uma atitude.A profusão de leituras para escrever “ O Capital” conduziu Marx a uma certeza científica?Há filósofos auto-arrogados no Youtube que fazem um relação entre Marx e Sócrates,mostrando a necessidade de discernimento para o pensador alemão e depois,contraditoriamente,afirmam a exigência absoluta do conhecimento de tudo.
Os nossos esforços de mostrar a ausência real de uma dialética da quantidade/qualidade,quantidade/discernimento,levam Hegel e São Tomás( de lambuja)para o lixo da história(em parte) e confirmam o que estamos dizendo:não há uma regra absoluta de comportamento criativo intelectual.Tudo depende do objetivo.
É mais que possível produzir conhecimento de uma literatura básica.Os psicólogos dizem que a pessoa está apta a se profissionalizar em cinco anos.O primeiro ano é de adaptação;os dois seguintes de assimilação e os dois últimos( etapas não rígidas)de maturação e preparação para a prática.A prática que consolida o conhecimento se dá ,com variações ,em 10 anos.Está é a regra.Mas,para produzir certos conhecimentos,inclusive na filosofia e dependendo de cada objetivo e de cada disciplina ,esta regra pode ser mudada.
Os grandes filósofos se formaram no período que conhecemos como o do “ ensino básico”.O referido Bergson dava aulas no segundo grau.As condições de formação de um filósofo,bem entendido,se dão até aos 18 anos.
Músicos,matemáticos,esportistas,se formam nos primeiros anos.Quando havia o clássico no Brasil a quantidade de escritores e pensadores era muito maior.
Assim sendo ,não há,na vida,nenhuma fórmula fechada para nada.Há padrões,mas não um modelo definitivo.Como digo sempre,a construção de modelos,tem,por trás de si,um interesse ilegítimo de poder,venha de onde vier.
Hoje não é necessário estudar   todos os gregos,nem os renascentistas todos ,mas o que considero essencial é o que a antiga editora ediouro publicava,com os acréscimos de escolha e de necessidade e que hoje são publicados pela Martin Claret.

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