domingo, 2 de dezembro de 2018

O trabalho(profissional) do intelectual


Platão fundou esta tradição do intelectual como dirigente da polis,da politica.Depois dele raros são os intelectuais que não pendem para isto e não sofrem com a sua tentação e a correspondente frustração de dirigir o mundo.
Na concepção platônica o “ conhecimento” sensível ,a opinião ,a doxa ,não têm valor e esta é a barreira posta por ele entre o  filósofo,o produtor de conhecimento por excelência,e a pessoa comum.A pessoa teria que ser dirigida por este filósofo.
Guardadas as devidas proporções  até aos dias de hoje esta tentação paira sobre o intelectual e embora esta barreira não seja tão grande assim permanece uma tensão entre este “ eleito” e  a pessoa comum,que desconfia das decisões que vêm de cima.
A democracia moderna igualou todos os homens,mas ,da mesma forma que no mundo antigo de Platão,persiste a convicção(que fundava as concepções do filósofo)de que o intelectual,por ser um estudioso contumaz,tem mais acesso à verdade do que aquele que não tem tempo livre.
Platão era um aristocrata e seguia o principio do homem livre antigo do “ Otium cum dignitate”,” ócio com dignidade”.O tempo livre era usado não para não fazer nada,mas para produzir obras capazes de alcançar a imortalidade.
A questão do tempo livre não tem lugar nestas concepções como viria  a ter em Marx ,embora seja de se pensar que Platão soubesse desta relação.
Aparentemente aquele que não dispunha de condições de conhecer  era dependente em definitivo do que dispunha.Assim Platão justificava a escravidão.
Com Kant a filosofia rompe com esta tradição estabelecendo o acesso ao conhecimento e a sua produção à simples razão,mas como eu disse ainda há tensões.
Esta discussão,de mais de um milênio,tem longevidade porque surge de uma impressão bem fundada de que aquele que conhece a realidade mais completamente pode trazer as respostas desejadas.O cidadão comum,imerso no seu cotidiano afanoso,fica restrito ao seu imediato e não toca senão superficialmente em problemas que ,afinal,influem positiva ou negativamente nesta sua imeditiacidade,acuando-o,limitando a sua escolha e mesmo reprimindo-o.
Então,de um lado e de outro, mediações de  desconfiança pululam produzindo saberes em meio a tremendo ruído.E no meio, a intuição de que é o estudo do intelectual que garante a união entre o conhecimento e a liberdade.A liberdade para viver não depende do conhecimento,exceto se ela está sufocada.
Mas não é verdade que o conhecimento assim construído o garanta.
Platão era um ideólogo,sem conhecer esta palavra.A sua construção era legitimadora de um satus quo do qual ele desfrutava sem culpa.O seu discurso portanto não buscava uma adequação com o mndo real,mas com seus propósitos.
Isto gera ainda uma questão séria quanto ao caráter profissional da atividade gnosiológica.Se ela se encaixa num projeto,certamente político(mas não só)não será ela uma atividade profissional(inter.).
Eu tenho criticado Marx a partir de seu diletantismo,mas o seu erro é devido à sua datação.No caso de outros filósofos,o fato de servir a um propósito não torna a filosofia um saber profissional,como faziam os sofistas, que vendiam as suas habilidades aos aspirantes da politica(inter.).
Logicamente quando se fala em profissionalidade fala-se em algo útil,real e que sirva a todos.É obrigatória uma transcendência ,porque o saber é transcendente.Qualquer coisa fora disto é falsear a realidade,a danação das ideologias.O que serve para um grupo só se impõe ispo facto aos outros.é só força,justificação da força.
A ideologia como verdade só é válida e legítima quando se conecta a uma crença ou escolha.A questão ideológica da crença em Deus não é profissional.Profissional é o discurso elaborado para fundamentar uma crença deste tipo.Pode-se arguir que este discurso falseia  já que não há prova da existência de Deus,mas a experiência simbólica da crença e do seu papel transcendente e orientador de condutas não.
Se Platão acreditava no realismo das Idéias é uma questão de conhecimento crítico(um saber profissional),mas não havendo prova desta concepção realista ela funda uma ideologia(uma imposição).
Evidente que o que subjaz a estas elucubrações é o que é o conhecimento,se é científico ou filosófico,mas eu não estou pensando nisto,mas  na  adequação do discurso com a realidade.Tanto a filosofia como a ciência podem dizer verdades sem perder a  sua natureza.Isto é,não estou submetendo a filosofia a um critério científico.
O que digo é que a utilidade só se mede pela verdade ,que é transcendente,porque aí a experiência profissional, contributo do pesquisador , pode ser medido como algo autêntico,pelo menos como experiência humana.Mesmo que depois um erro seja admitido ou encontrado esta experiência terá alguma validade,pois de sua análise poderá surgir algo decisivo para a humanidade como um todo.
Exemplos:a concepção geocêntrica está errada,mas ela abriu caminho para os debates futuros que levaram à  verdade.
Clausewitz,como Maquiavel ,elaborou um tratado útil de estratégia militar e política,mas como o italiano,o alemão foi um fracassado prático.Mas fazendo a anatomia da sua derrota extraiu conceitos válidos.Vendo,vg,que a política lhe faltou em algumas ocasiões encontrou a idéia de que a guerra é a política por outros meios.A pedagogia é tão importante que até do erro se tira algo de bom.Porque este saber só se obtém para ensiná-lo.
E a estes exemplos se tem como acrescentar o problema do mal.Os saberes estratégicos usados por criminosos como Hitler,Stalin ou Dan Mitrione,são assimiláveis por políticos democráticos.O método das aproximações sucessivas usado por Hitler para dominar a Europa até Moscou e usado por Stalin para ocupar a Europa do leste,pode servir a intenções democráticas,como numa guerra de libertação como a do Vietnã.Em princípio,porque os recursos de Da Mitrione são repudiáveis.
O discurso conveniente ,como o dos sofistas,só tem validade na medida em que a sua técnica é apropriável por essa exigência geral transcendente.
O discurso de desprezo à sensibilidade de Platão não é  recuperável.Alguns temas de Platão sobrevivem ao sistema,mas o sistema não.O desprezo é a sua base e não é real.
O discurso de Marx também não se sustenta.O que sobra são também alguns temas e o problema da lógica de sua exposição.
E finalmente,após tais afirmações,a tensão entre a simples e a complexa razão(digamos assim)se resolve na constatação de que o equilíbrio entre estes dois lados deve ser buscado nesta  experiência.Trata-se de  saber qual mediação de experiência une os dois,ressalavando o dever de se conter do intelectual e o dever do não-intelectual de não menosprezar o estudo.

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