Platão fundou esta tradição do intelectual como
dirigente da polis,da politica.Depois dele raros são os intelectuais que não
pendem para isto e não sofrem com a sua tentação e a correspondente frustração
de dirigir o mundo.
Na concepção platônica o “ conhecimento” sensível
,a opinião ,a doxa ,não têm valor e
esta é a barreira posta por ele entre o
filósofo,o produtor de conhecimento por excelência,e a pessoa comum.A
pessoa teria que ser dirigida por este filósofo.
Guardadas as devidas proporções até aos dias de hoje esta tentação paira
sobre o intelectual e embora esta barreira não seja tão grande assim permanece
uma tensão entre este “ eleito” e a pessoa
comum,que desconfia das decisões que vêm de cima.
A democracia moderna igualou todos os homens,mas
,da mesma forma que no mundo antigo de Platão,persiste a convicção(que fundava
as concepções do filósofo)de que o intelectual,por ser um estudioso
contumaz,tem mais acesso à verdade do que aquele que não tem tempo livre.
Platão era um aristocrata e seguia o principio do
homem livre antigo do “ Otium cum dignitate”,” ócio com dignidade”.O tempo
livre era usado não para não fazer nada,mas para produzir obras capazes de
alcançar a imortalidade.
A questão do tempo livre não tem lugar nestas
concepções como viria a ter em Marx ,embora
seja de se pensar que Platão soubesse desta relação.
Aparentemente aquele que não dispunha de condições
de conhecer era dependente em definitivo
do que dispunha.Assim Platão justificava a escravidão.
Com Kant a filosofia rompe com esta tradição
estabelecendo o acesso ao conhecimento e a sua produção à simples razão,mas
como eu disse ainda há tensões.
Esta discussão,de mais de um milênio,tem
longevidade porque surge de uma impressão bem fundada de que aquele que conhece
a realidade mais completamente pode trazer as respostas desejadas.O cidadão
comum,imerso no seu cotidiano afanoso,fica restrito ao seu imediato e não toca
senão superficialmente em problemas que ,afinal,influem positiva ou
negativamente nesta sua imeditiacidade,acuando-o,limitando a sua escolha e mesmo
reprimindo-o.
Então,de um lado e de outro, mediações de desconfiança pululam produzindo saberes em
meio a tremendo ruído.E no meio, a intuição de que é o estudo do intelectual
que garante a união entre o conhecimento e a liberdade.A liberdade para viver
não depende do conhecimento,exceto se ela está sufocada.
Mas não é verdade que o conhecimento assim
construído o garanta.
Platão era um ideólogo,sem conhecer esta palavra.A
sua construção era legitimadora de um satus quo do qual ele desfrutava sem
culpa.O seu discurso portanto não buscava uma adequação com o mndo real,mas com
seus propósitos.
Isto gera ainda uma questão séria quanto ao caráter
profissional da atividade gnosiológica.Se ela se encaixa num projeto,certamente
político(mas não só)não será ela uma atividade profissional(inter.).
Eu tenho criticado Marx a partir de seu
diletantismo,mas o seu erro é devido à sua datação.No caso de outros
filósofos,o fato de servir a um propósito não torna a filosofia um saber
profissional,como faziam os sofistas, que vendiam as suas habilidades aos
aspirantes da politica(inter.).
Logicamente quando se fala em profissionalidade
fala-se em algo útil,real e que sirva a todos.É obrigatória uma transcendência
,porque o saber é transcendente.Qualquer coisa fora disto é falsear a
realidade,a danação das ideologias.O que serve para um grupo só se impõe ispo facto aos outros.é só
força,justificação da força.
A ideologia como verdade só é válida e legítima
quando se conecta a uma crença ou escolha.A questão ideológica da crença em
Deus não é profissional.Profissional é o discurso elaborado para fundamentar
uma crença deste tipo.Pode-se arguir que este discurso falseia já que não há prova da existência de Deus,mas
a experiência simbólica da crença e do seu papel transcendente e orientador de
condutas não.
Se Platão acreditava no realismo das Idéias é uma
questão de conhecimento crítico(um saber profissional),mas não havendo prova
desta concepção realista ela funda uma ideologia(uma imposição).
Evidente que o que subjaz a estas elucubrações é o
que é o conhecimento,se é científico ou filosófico,mas eu não estou pensando
nisto,mas na adequação do discurso com a realidade.Tanto a
filosofia como a ciência podem dizer verdades sem perder a sua natureza.Isto é,não estou submetendo a
filosofia a um critério científico.
O que digo é que a utilidade só se mede pela
verdade ,que é transcendente,porque aí a experiência profissional, contributo
do pesquisador , pode ser medido como algo autêntico,pelo menos como
experiência humana.Mesmo que depois um erro seja admitido ou encontrado esta
experiência terá alguma validade,pois de sua análise poderá surgir algo
decisivo para a humanidade como um todo.
Exemplos:a concepção geocêntrica está errada,mas
ela abriu caminho para os debates futuros que levaram à verdade.
Clausewitz,como Maquiavel ,elaborou um tratado útil
de estratégia militar e política,mas como o italiano,o alemão foi um fracassado
prático.Mas fazendo a anatomia da sua derrota extraiu conceitos
válidos.Vendo,vg,que a política lhe faltou em algumas ocasiões encontrou a
idéia de que a guerra é a política por outros meios.A pedagogia é tão
importante que até do erro se tira algo de bom.Porque este saber só se obtém
para ensiná-lo.
E a estes exemplos se tem como acrescentar o
problema do mal.Os saberes estratégicos usados por criminosos como
Hitler,Stalin ou Dan Mitrione,são assimiláveis por políticos democráticos.O
método das aproximações sucessivas usado por Hitler para dominar a Europa até
Moscou e usado por Stalin para ocupar a Europa do leste,pode servir a intenções
democráticas,como numa guerra de libertação como a do Vietnã.Em
princípio,porque os recursos de Da Mitrione são repudiáveis.
O discurso conveniente ,como o dos sofistas,só tem
validade na medida em que a sua técnica é apropriável por essa exigência geral
transcendente.
O discurso de desprezo à sensibilidade de Platão
não é recuperável.Alguns temas de Platão
sobrevivem ao sistema,mas o sistema não.O desprezo é a sua base e não é real.
O discurso de Marx também não se sustenta.O que
sobra são também alguns temas e o problema da lógica de sua exposição.
E finalmente,após tais afirmações,a tensão entre a
simples e a complexa razão(digamos assim)se resolve na constatação de que o
equilíbrio entre estes dois lados deve ser buscado nesta experiência.Trata-se de saber qual mediação de experiência une os
dois,ressalavando o dever de se conter do intelectual e o dever do não-intelectual
de não menosprezar o estudo.
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