sexta-feira, 15 de maio de 2020

À propósito do passamento de Rui Fausto

Esta semana morreu Ruy Fausto,irmão de Boris Fausto,e como eu procuro sempre apoiar as minhas concepções aqui no trabalho de outras pessoas que já abordaram estes temas,os quais são objeto de investigação ,no âmbito do marxismo,há muito tempo,sinto-me compelido a fazer algumas considerações sobre sua obra,na medida em que ela vem me influenciando,diretamente e indiretamente há tempos.
A preocupação de Ruy Fausto sempre foi o de apontar novos caminhos para a esquerda e para o marxismo e este é um propósito,entre outros,da minha atividade aqui.Então tenho acompanhado ,na medida do possível, o seu pensamento.
Mas eu escolhi para resumir estas minhas relações com ele uma entrevista que ele concedeu à usp.São muitas as afirmações importantes de Rui ,mas uma me chamou a atenção porque se coaduna com o que tenho dito.
Acho que é preciso ligar duas coisas que se costuma considerar como antitéticas: a exigência democrática e o ideário anti-capitalista. Supõe-se que
os dois têm soma nula. O que acontece de fato. Mas não de direito. É
preciso reafimar a exigência democrática. E isso por várias razões. Sem
ela, por exemplo, nem se entende a história dos séculos XX e XXI. Mas,
ao mesmo tempo, importa retomar a crítica do capitalismo. E aí há muita novidade. Na minha opinião, é preciso cruzar Marx com o socialismo
dito pequeno-burguês (Sismondi, Hodgskin, Leroux, Proudhon, etc.). Eu
acho que Marx erra. Ele queria ditadura do proletariado, comunismo, e
acho que isso está errado. Sociedade transparente não dá. Agora, Marx
era moderno. O mal dele é que ele era mais ou menos prometeano. Mas já
aquela turma [do socialismo “pequeno-burguês”] tinha o grande mérito de
querer manter mercado e dinheiro.”

É o que tenho dito aqui e já anunciei num texto sobre Marx em “ A Ponte” intitulado “ um contorcionismo de Marx”.Nele eu dizia que Marx começava como protestante e terminava como católico.Significa que ao constatar as condições de desenvolvimento do comunismo no interior do capitalismo ele era protestante ,mas nos meios revolucionários de chegar a ele,de forma imediata, defendia uma rejeição deste mundo velho e a implantação do novo ,onde não haveria dinheiro e só relações do homem com o homem(grundrisse).Isto é,admitia que as condições de transformação eram capitalistas mas queria superá-las logo.
O caminho,no entanto,se revela muito longo e dificil e nós temos que conviver com mais realidades do capitalismo,que é,no fundo o que este trecho de Rui Fausto expressa.Mas ele,especificamente,preso à sua formação,não o diz,mas eu o digo.
Marx afirmava que o comunismo derivava do desenvolvimento do capitalismo,mas este desenvolvimento era no plano econômico,das forças produtivas,não no plano dos valores,conceitos e instituições burgueses.
Sómente com o surgimento da concepção ampliada do estado é que a concepção de Marx,simplista,de tomada pura e simples do estado para realizar o comunismo,é superada por uma realidade muito mais complexa.É a primeira das antinomias de Gramsci:a oposição entre o estado ocidental e o oriental,hoje inexistente,porque todas as sociedades são complexas e ocidentais.
Neste estado a tomada do poder é algo ilusório e quiçá impossível,porque o poder não se localiza na administração do estado,entendido por Marx como comitê de assessoramento da burguesia,o qual deveria ser contestado pelo estado do comitê de assessoramento da classe operária,proposto por sua visão.
Não é Marx e Gramsci é Marx ou Gramsci e a maioria dos militantes parece não entender este fato.Rui Fausto entendia,mas também demonstrava uma imensa dificuldade para sair dos labirintos da dialética e do pensamento marxista que informava e informa a militância.
Isto se dá por um problema psicológico que tenho analisado frequentemente,até porque faz parte da minha vida e da minha formação:como sinalizou Benedeto Croce em seu “ Materialismo Histórico e Ciência Econômica”,o marxismo junta a ciência com a axiologia (na dialética[digo eu]) e em função desta crença(a palavra é esta mesmo[dialetica{pensamento mágico}]) de que este conhecimento liberta a si e aos outros,formando uma realização existencial definitiva(?),que une o indivíduo ao todo(imperativo categórico?[regra de ouro do cristianismo?{amai-vos uns aos outros como eu vos amei}]);a sua perda(pela perda da crença na dialética e da existência[que é dialética,supostamente])pela perda da ideologia(fim do comunismo),da concepção,joga o sujeito no vazio(existencial) e obscurece a sua capacidade de análise daquilo que o formou(e ele se liga a algo que não existe mais e aí ele não existe mais também).Então nós vemos discussões intermináveis sobre se a dialética ainda vale ou deve ser abandonada.
Mas outro aspecto,de certa maneira também pessoal, avulta:o intelectual,defensor da dialética ,hegeliano marxista, não lê senão o que lhe interessa ,afastando o pensamento conservador e de direita e muito mais,nesta caminho,a filosofia,vista por ele como saber especulativo,sem estar fincado no real(o que faz do marxismo uma forma de positivismo[segundo Gramsci]{“ o marxismo possui incrustações positivistas”}).E não se importa(e isto vale para Marx e Engels)com as ciências naturais,que não autorizam a dialética da natureza.Não autorizam a dialética objetiva,real,dando vitória a Kant e a Sartre,reconhecendo a dialética como produto da consciência.
O futuro dura muito tempo.O processo de construção da utopia é mais demorado,exigindo mais tempo para a formação das suas pré-condições.Diante desta realidade a esquerda tem que pensar em comos e relacionar com valores,com as liberdades e... com o dinheiro.Se permanecer na visão católica(de despojamento e rejeição de certos elementos do real),que parece se misturar com o iluminismo de Marx(contra a religião),formando um monstrengo,este futuro pode nem chegar.Do ponto de vista psicológico e teórico é diante desta constatação que a esquerda está há muito tempo,sem desatar este nó.

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