segunda-feira, 5 de julho de 2021

Assim como o mal radica na humanidade a melancolia também

 

Kant,em seu extraordinário “ A Religião nos limites da simples Razão”,põs o problema de que o mal radica na humanidade.Isto quer dizer que dentro do homem há sempre o bem e o mal,e que para que o bem prospere é preciso muita luta e esforço.

Assim também nós podemos lembrar da distinção entre apolineo e dionisiaco em Nietzsche.Mas neste artigo,que ainda trata do problema do monismo dialético,quero tratar de uma de suas consequencias nefastas: a certeza gnosiológica que ela vende para a humanidade,no rastro do já explicado por mim:o cientificismo do século XIX.

A dialética assim considerada como uma explicação fechada e única(monista)de todo o movimento vende exatamente esta ilusão e só viceja na história da humanidade por causa das limitações de época que influenciam os seus criadores e defensores.

Pois a ciência ,em seu desenvolvimento(não o cientificismo[a ideologia científica])não confirma esta proposição.

No entanto,por um aspecto talvez fosse possível aos seus fautores perceber a falácia que criaram:se todo materialista ou filósofo parte da unidade essencial do Ser,não há como pensá-lo como dividido absolutamente,como faz a religião ou um idealismo desbragado.

Nem a dialética hegeliana o faz,porque entende que uma coisa é e não é ao mesmo tempo,sem,no entanto,ferir a identidade,que é condição essencial da integração.O princípio da contradição como motor do movimento real do Ser,se dá dentro dele,sem o diluir.Contudo a identidade já não é absoluta ,mas limitada por este movimento,que a torna parte e momento do movimento.

Já citei em outro lugar Jean Wahl,para quem o Ser é extático:funciona como numa ampulheta em que o Ser vai se diluindo,da parte de cima para a debaixo naturalmente.

Todas estas elucubrações são importantes mas não ferem o principio da certeza que todo o monismo dialético oferece.A capacidade de previsibilidade científica que ela oferece é absoluta:aplicando os seus termos é certo que as conclusões serão extraídas.

Ao longo da História da Ciência e da Filosofia há momentos em que os criadores e realizadores poderiam,com um pouco mais de esforço ou intuição,chegar a mais verdades,além daquelas encontradas por eles.Este é o caso de Einstein,que teria condições(como ele mesmo reconheceu)de fazer o caminho inverso do que fez:teria ido da matéria para a energia e da energia para a matéria.Mas aferrado ao rigor cientifico objetivo ,não teve este insight.

Na filosofia muitas ideias atribuidas aos filósofos somente,àqueles conhecidos e cristalizados num nome ,foram antecipadas ou ajudadas por criadores menos conhecidos.Muito do que Kant formulou estava já num pensador do direito ,Thomasius.Muito do que Freud sistematizou sobre o papel da mãe ,já estava em Pestalozzi em 1808 e quanto ao inconsciente,quem primeiro formulou foi o romantismo.

Então é perfeitamente legítimo discutir se aquilo que é considerado falso depois que um pensador propõe poderia ter sido evitado como erro antes.

A meu ver o monismo teria sido criticado(como foi)levando em conta a finitude temporal do ser humano,que se expressa no sentimento de melancolia.

Quem chegou mais próximo desta critica antecipada foi Mary Shelley,com seu “Frankenstein”,mas a verdadeira limitação do monismo é a constatação de que a condição limitada do homem(como de toda a vida)tem valor filosófico,gnosiológico e impõe um freio à certeza.

Assim como a reforma protestante mostrou que existe uma distância entre o homem e Deus,entre o transcendente e o transcendental,a finitude humana,a sua melancolia,a perda do que não se teve(do que não se pode ter)revelaria(a quem se esforçasse por buscar esta revelação)que não há nada fechado,não há explicação fechada de nada.Que não há nenhuma proposição absoluta.

Mesmo um crítico de todo o cientificismo,Kierkegaard,só vê no absoluto um elemento de fé.

Mas o absoluto vai ileso no pensamento de alguns filósofos e cientistas,sem contestação ou dúvida.

O absoluto é uma abstração,uma idealização como outra qualquer.Mesmo que a physis seja tida como tal,não há como nomeá-la sem parti-la em múltiplos significados:quando se diz que a Physis é matéria não se sabe que este termo significa a não ser adjetivando-o infinitamente.

Um ser finito como o homem perceber a possibilidade do infinito seria uma prova da ligação entre o transcendente e o transcendental,jogando por terra a minha tese aqui.

Mas a melancolia é a percepção de que este elo desaparece,desaparecerá,sendo o infinito inalcançável.O absoluto é inalcançável.

Uma vez conheci um beócio de esquerda que cismou que a música era absoluta,provava o absoluto,porque as notas musicais não eram atingidas pelas ideologias.Então eu disse a este jumento:se você for convidar sua namorada para um jantar para pedi-la em casamento usará como musica de fundo uma fanfarra militar?A música de Wagner pode ter múltiplas interpretações,mas ela não é infensa ao militarismo,como se viu depois,quando usada pelos nazistas.

O absoluto é uma abstração,uma idealização.Um limite.Se esta ideia tivesse sido explorada mais vezes o monismo teria sido diluido(e as suas consequencias nefastas)mais cedo.

Na verdade foi contestada,pela autora que eu citei e pela psicologia,mas a via mais segura era a compreensão das imensas possibilidades contidas na filosofia de Kant e que não foram investigadas no tempo devido.


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