sábado, 25 de junho de 2022

A crueldade fraternal IV

 

Estudos sobre o Marquês de Sade

Muito embora não aprove a repetição reiterada de fenômenos de violência expostos nos livros do Marquês de Sade,especialmente os 120 dias de sodoma,vejo na sua obra um quê de fundamentação para a exposição de crimes e sangue,porque se observarmos bem,não só a história da humanidade,mas o cotidiano em todas as épocas(inclusive o nosso atual e no Brasil)vse vê que não é muito fora da realidade brutalidades contra crianças inocentes ,pessoas sem culpa ,de parte de indivíduos violentos e sem nenhuma virtude que é a utopia frequente do ser humano.

Como caracterizar o Marquês de Sade então?Certamente ele tinha graves problemas mentais que antecediam às suas calamidades na idade adulta.

Segundo a média de suas biografias ,o começo de seus supostos desequilibrios se deu na sua rebeldia contra os seus preceptores religiosos.Não dou muito crédito às narrativas de Gui Endore dando conta de que ele,criança,ou púbere,se masturbava no seu quarto de estudo gritando aos céus desafiando Deus para que o matasse,se estivesse em pecado,conforme as “ lições” dos padres.Endore não fez,como ele mesmo confessou,uma biografia,mas um romance.Só o que fica é uma hipótese de que as extremações do futuro Marquês estariam já no inicio de sua vida.

Outro episódio é também muito inconfiável:as suas transgressões teriam começado depois que foi proibido de se casar com Anne Prospére,a sua preferida.Mas as fontes afirmam que mesmo casado, obrigado por seus pais,ele teve como encontrar esta sua escolhida depois e se relacionar com ela,bem como com muitas outras(e outros)amantes,o que diminui o caráter idealizado desta sua “ musa”.

Contudo os seus desatinos se deram exatamente logo após esta interdição e o então jovem Marquês chegou a raptar Anne Prospére para realizar o seu intento.

As fontes são muito poucas e desencontradas sobre este personagem e não é para menos,pois se trata de um trangressor e um crítico da ordem dominante.De um jeito destrutivo e auto-destrutivo,mas ainda assim tendo razão em questionar os valores desta ordem.

Então, deixados de lado estes relatos excessivos de violência(mas não os desmentindo)identificamos algumas questões válidas neste escritor.Críticos dizem que Sade escreveu os 120 dias para contestar o mito de seu amigo Rousseau,do “bom selvagem”,fudamento do contrato social.

Mas eu aduzo que mais do que isto Sade é a exacerbação de Hobbes,do principio de que “o homem é o lobo do homem”.É por aí que eu pessoalmente começo a valorizar Sade,a encontrar nele traços de verdade a serem transmitidos.

Só assim,para mim,se há de fazer esta recuperação,porque não é pura e simplesmente chocar a sociedade o que Sade quer.Acusação idêntica foi feita ao nosso Nelson Rodrigues,que supostamente só tinha mérito em chocar a sociedade,exibindo-lhe as contradições e vergonheiras.Ma s havia algo mais evidentemente.

Sade mostra as contradições da humanidade no que tange à construção de uma sociedade baseada na repressão e manipulação do sexo.

Por isto ele tem tanta importância,porque a partir dele estamos aptos a ver no passado,no presente e lamentavelmente no futuro,as manifestações de violência corriqueira que os homesn cometem entre si.

Quando tomei conhecimento de Pier Paolo Pasolini,vendo-o ainda como um comunista trivial e não o herético por excelência que ele sempre foi, atribuí a estas violências fundamentos sociais e históricos,como todo comunista bem comportado faz:o que torna o homem lobo do homem são as condições sociais,superáveis perfeitamente pela utopia.

A maturidade me diluiu esta idealização.O meu propósito recente de retomar reflexões sobre Sade,que eu conheci(junto com Pasolini)nos anos 70,era tentar,para além do meu esforço pessoal terapêutico,adequar a razão,a minha razão, com a emoção ,que é o equilibrio das pessoas que reconhecem a inadequação do homem com o mundo e que seguindo a parte final da vida de Simone de Beauvoir,fazem “ um voto não contra este mundo”.

Quando eu era um bem comportado jovem comunista ver uma criança pobre ser ridicularizada no meio de crianças às vezes em situação melhor me fazia(como me faz hoje[ainda]{e sempre})chorar,mas naquele momento tinha eu certeza do que fazer para lutar contra esta injustiça.Hoje...ficou o choro e o mesmo desejo de lutar.Contudo a emoção ficara reprimida,já que não sabia mais o que fazer com ela.

Os estudos sobre Sade me mostraram como é possível ,em termos subjetivos,reequilibrar estes dois momentos interligados(dialeticamente[?])e colocar a subjetividade num patamar capaz de introduzi-la numa nova forma de luta.Porque esta nova subjetividade já não mais se ilude com idealizações,inclusive(e principalmente)politicas.Explicarei no próximo artigo.


Nenhum comentário:

Postar um comentário