quarta-feira, 29 de novembro de 2023

As lições dos estóicos

 

Como se sabe a base filosófica do cristianismo e um de seus elementos formadores é o estoicismo,principalmente o conceito de ataraxia.

Este conceito foi emitido por um dos seus fundadores,senão o seu fundador, Zenon de Cicio.

Por ele entende-se que a pessoa deve ter imperturbabilidade diante do sofrimento.Dele derivam dois problemas inter-relacionados:o que é esta impertubabilidade e como consegui-la.

Ser imperturbável diante das coisas ruins que s e apresentam diante de ti,como aconselhava um dos próceres estóicos,Epicteto(um dos maiores)é algo não muito difícil,mas o mais candente é enfrentar a  dor física,objeto de análises de Marco Aurélio e Epicuro.

Extrair da dor uma lição.

Da  questão da dor especialmente eu vou tratar em outro artigo,muito embora tenha a ver ,claro,com este atual que escrevo,mas como demanda mais esforços de compreensão e argumento,farei assim.

Aqui quero trabalhar com a intersecção entre o estoicismo pré-cristão e o cristianismo,na sua contribuição para formar o mito de Cristo.

O estoicismo é uma filosofia pré-cristã sem dúvida e ela ajuda a compreender a noção que subjaz à ataraxia,que é “anular-se a si mesmo”.

Esquecer-se  de si é uma noção que vem do pensamento oriental e adquire cristalização na figura do Buda,que quer algo semelhante ao estoicismo:superar a dor matando o desejo.Estas verdades vão ter reflexo no c ristianismo e  em Cristo através de uma visão mais radical do que a superação do desejo:o sacrifício,o auto-sacrificio.

Neste momento as tradições oriental e ocidental se juntam num ponto pela negação do desejo e do prazer,como célula motora da humanidade.

É isto o que eu desejo ressaltar:sempre o desejo foi tido como o elemento motivador,mas há nestas duas tradições,quando se unem ,uma inversão total da “ espoleta”da centelha,que é algo fundamental na história da humanidade, a partir desta interseccão.

A partir deste aprofundamento:aquilo que era ataraxia nos estóicos tornou-se sacrifício e auto-sacrificio no cristianismo e no protocristianismo dos mártires judeus.

Esta “mudança” é muito importante e explicita aquilo que quero dizer aqui.O aprofundamento significa uma atitude um poco mais “ coletiva”do que a simples | “imperturbabilidade”.Esta é mais pessoal,mas intima,indireta,só chegando aos olhos e ouvidos da comunidade através de textos,exemplos pessoais e assim por diante.

Através do martirológio judeu nota-se que ele serve de exemplo mora,ético e educativo para a comunidade.O martirológio judeu “ ensina” e  “ educa” a comunidade para manter o seu sentido.

Além de criar o mito da morte,como sacrifício e ensinar,pela primeira vez,à humanidade,que se deve saber morrer,que se deve “usar” a morte para fins sociais,morais e até políticos.

É neste passo histórico que se cristaliza o (auto-)sacrifício.Há,no entanto,outra questão,que vai se sincretizar em cristo:o papel educativo e psicológico deste auto-sacrificio.

Enquanto nos estóicos era a resistência à dor ,agora é “ ressurgir”,fazer do auto-sacrifico um meio de espicaçar as resistências psicológicas e superá-las pela continuidade do esforço.

Embora no cristianismo a promessa pelo sacrifício seja o da “ ressurreição”,em termos laicos,nós podemos entendê-la como superação das resistências psicológicas,no que é um modo de (auto-)educação.

Às vezes a crueldade do meio nos ensina,mas não raro,nós mesmos temos que ser cruéis conosco.

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